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Morte de Marielle completa 5 anos com pergunta sem resposta

14 de março de 2023

Apesar de prisão dos acusados de assassinar a vereadora, investigações ainda não chegaram ao mandante do crime. Entrada da Polícia Federal no caso traz novas esperanças.

Mural em homenagem a Marielle Franco no Rio de Janeiro
Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018Foto: Reuters/S. Moraes

O principal crime político da história recente brasileira completa cinco anos sem elucidação sobre seus mandantes nesta terça-feira (14/03). Na noite de 14 de março de 2018, a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados no Rio de Janeiro. Após sucessivas trocas de comando e expectativas frustradas, as investigações podem ganhar novo rumo com o compromisso assumido pelo governo federal de elucidar o caso.

Quando o caso completou um ano, em março de 2019, o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz foram presos, suspeitos de executar o crime. Em agosto do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão judicial que os submete a julgamento por júri popular, ainda sem data definida.

Até hoje, a prisão da dupla permanece como fato de maior destaque das investigações. Na ocasião, tanto o Ministério Público do Rio (MP-RJ) como a Polícia Civil, responsáveis pelo caso, afirmaram que a motivação do crime seria esclarecida na segunda fase da investigação. Passados quatro anos, uma pergunta segue sem resposta: quem mandou matar Marielle?

Trocas de comando

O delegado que acompanhou o caso no primeiro ano de investigação, Giniton Lages, foi afastado logo após a prisão de Lessa e Queiroz. Somente em 2021, dois delegados passaram pelo caso. Em julho do mesmo ano, as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile, então responsáveis pela força-tarefa que investiga o caso no MP, também deixaram o cargo, sob a justificativa de insatisfação com "interferências externas".

Responsável pela linha de investigação que levou à prisão dos suspeitos, a dupla de promotoras contava com a confiança dos familiares de Marielle. Apesar da frustração com a troca de comando, a família sustentou posição contrária à federalização do caso ao longo dos últimos anos. A proximidade mantida por filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro com suspeitos do crime alimentava o receio de que a lisura do trabalho investigativo fosse contaminada na esfera federal.

Em fevereiro de 2020, o miliciano Adriano da Nóbrega, comandante do Escritório do Crime, organização suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle, foi morto durante uma operação policial na Bahia. O ex-capitão do BOPE foi assessor no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), quando ele era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio. Logo após o assassinato, a irmã de Adriano, Daniela da Nóbrega, afirmou tratar-se de "queima de arquivo".

Nesse contexto, os familiares da vereadora comemoraram a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio de 2020, que negou o pedido de federalização do caso pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ao embasar sua decisão, a juiz Laurita Vaz alegou que não era possível verificar evidências de descaso ou desinteresse das autoridades estaduais, requisito para o deslocamento de competência solicitado por Dodge.

A postura do novo governo

O xadrez que envolve as investigações do caso se reconfigurou nas últimas semanas. De imediato, o governo empossado em janeiro buscou demonstrar um compromisso com a elucidação do crime. A primeira sinalização foi a nomeação de Anielle Franco, irmã da vereadora, como ministra da Igualdade Racial. Ela se aproximou da política após o luto, processo que se intensificou em 2019, quando fundou o Instituto Marielle Franco, que dirigiu até dezembro de 2022.

"Disse à ministra Anielle e a sua mãe que é uma questão de honra do Estado brasileiro empreender todos os esforços possíveis e cabíveis. A Polícia Federal assim atuará, para que esse crime seja desvendado definitivamente, e nós saibamos quem matou Marielle e quem mandou matar Marielle Franco naquele dia, no Rio de Janeiro", afirmou o ministro da Justiça, Flávio Dino, no dia 2 de janeiro.

Em paralelo à troca de comando no governo federal, uma crise interna teve início no MP do Rio. No dia 13 de janeiro, os 29 integrantes do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) pediram exoneração conjunta após a recondução de Luciano Mattos ao cargo de procurador-geral de Justiça do Rio. Derrotado na eleição entre seus pares, Mattos foi mantido na chefia pelo governador Cláudio Castro (PL).

Marielle Franco durante sessão da Câmara dos Vereadores do Rio, em 2017Foto: CMRJ/Renan Olaz

O Gaeco, que teve a saída de três coordenadores e 26 membros, é o braço do Ministério Público responsável pela força-tarefa que investiga o assassinato de Marielle e Anderson. Antes mesmo da devassa no MP, a família da vereadora mudou de posição e passou a defender a federalização do caso. No dia 14 de fevereiro, Flávio Dino anunciou a entrada da Polícia Federal (PF) nas investigações, na forma de atuação complementar, por 90 dias.

A ideia é que o caso seja federalizado após esse período, caso as instâncias locais não atuarem nesse prazo. Na semana anterior, o delegado Leandro Almada foi nomeado superintendente da Polícia Federal no Rio. Ele foi responsável pela "investigação da investigação" do caso Marielle em 2019. Em um relatório de 592 páginas, Almada concluiu que PMs e advogados plantaram uma testemunha alheia ao caso para obstruir o trabalho da Justiça junto a um delegado da PF.

O Setor de Inteligência Policial, encarregado da investigação na PF, é chefiado pelo delegado Guilhermo Catramby. Ele liderou a Operação Kryptos, que prendeu Glaidson Acácio dos Santos, o "faraó dos bitcoins", que movimentou R$ 38 bilhões e lesou cerca de 300 mil pessoas. O golpista está detido no presídio federal de Catanduvas, no Paraná.

Recado da ONU

A elucidação do caso Marielle é importante para a imagem do Brasil nos fóruns internacionais de direitos humanos – uma preocupação ausente no governo anterior, mas cara à agenda diplomática do terceiro governo de Lula. "Se o novo governo quer ser levado a sério, ele terá de lidar com esse caso", afirmou em novembro o relator especial sobre Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação das Nações Unidas (ONU), Clément Nyaletsossi Voule.

Ao participar da 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 27 de fevereiro, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, declarou que o governo luta para que o assassinato de Marielle "não fique impune". Ainda que a entrada da PF nas investigações renove as esperanças sobre a elucidação do caso, a federalização pode se revelar uma ação frustrada.

Não está claro, por exemplo, se o Ministério Público do Rio vai compartilhar provas com a Polícia Federal, algo essencial para que a colaboração possa se efetivar. Existe ainda o risco de que tribunais superiores interfiram em uma tentativa de federalização completa do caso – como se observou na decisão da ministra Laurita Vaz, do STJ, que rechaçou o pedido feito por Raquel Dodge.

Nos últimos meses, fatos revelados por investigações paralelas revelam uma estrutura de autoproteção das polícias, Ministério Público e do Judiciário no Rio. Em setembro do ano passado, o ex-secretário estadual de Polícia Civil, Allan Turnowski, foi preso por suspeita de organização criminosa e envolvimento com o jogo do bicho. No mesmo mês, o ministro Kassio Nunes Marques, do STF, revogou a prisão, mediante medidas cautelares.

Segundo as investigações do MP-RJ, Turnowski recebia propina do jogo do bicho e estaria envolvido em um plano para assassinar o bicheiro Rogério Andrade. O contraventor, por sua vez, foi apontado em maio do ano passado como um possível mandante do assassinato de Marielle. Para os promotores, Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora, atuava como uma espécie de segurança de Andrade.

O legado de Marielle

Enquanto uma nebulosa teia de interesses obstrui a verdade sobre o crime que buscou silenciar Marielle, as sementes de seu legado continuam a germinar em todo o Brasil. O assassinato brutal da vereadora impulsionou a entrada de mulheres negras na política, que se manteve um território hostil, apesar da visibilidade que o caso obteve.

Amiga de Marielle, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) notificou o recebimento de sucessivas ameaças ao longo dos últimos anos. A parlamentar chegou a se afastar do trabalho legislativo por um período e necessita de escoltas para se deslocar. Em Minas Gerais, a deputada estadual Andréia de Jesus (PT-MG) contabilizou 3,5 mil ameaças contra sua vida, após ter cobrado a investigação de uma operação policial que provocou 26 mortes no sul do estado.

A proteção de mulheres negras atuantes na política é uma das principais bandeiras do Instituto Marielle Franco, criado em 2019 para preservar a memória da vereadora e levar adiante a defesa das lutas que guiavam sua vida. À frente da iniciativa nos últimos dois anos, Anielle tenta transpor a luta por garantias de representação no Ministério da Igualdade Racial. Ao recordar a irmã no discurso de posse, a ministra foi tomada pela emoção.

"Nós estamos aqui porque temos um projeto de país, onde uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes espaços de tomada de decisão sem ter a sua vida ceifada com cinco tiros na cabeça", resumiu, às lágrimas.

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