Com leis misóginas e execuções em massa, presidente Ebrahim Raisi teve papel central na implementação do sistema brutal dos aiatolás. Seu legado se mantém: até mesmo o funeral é pretexto para intimidações e prisões.
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"Ele morreu a serviço de seu país, como um mártir", declarou o líder religioso e político do Irã, aiatolá Ali Khamenei, em memória do presidente Ebrahim Raisi. Sua morte, na queda de um helicóptero, em 19 de maio de 2024, juntamente com seu ministro do Exterior, Hussein Amirabdollahian e seis outros tripulantes, veio um ano antes do fim de seu primeiro mandato.
A mídia estatal divulgou fotos e vídeos do funeral, com o fim de mostrar quão querido era o chefe de Estado de 63 anos. Segundo a TV nacional, milhões acorreram à capital Teerã para a cerimônia.
"Num país em que não há urnas de verdade para eleições livres, vocês são obrigados a buscar legitimidade com multidões ao pé de caixões", comentou na plataforma X o jornalista iraniano Javad Akbarin, que vive exilado em Paris, enfatizando que o direito de reunião nas ruas não é garantido para todos os cidadãos.
De fato: "Será punido todo tipo de ação de protesto que ameace a segurança nacional e as emoções da população em luto", advertiu o Ministério da Justiça iraniano num comunicado divulgado logo após confirmada a morte do presidente.
O caso da jornalista Manizheh Moazen ilustra o que isso significa: na prisão desde novembro de 2023 por causa de sua atividade profissional, após a morte de Raisi ela voltou a postar um tuíte em que lembrava o papel dele na execução em massa de presos políticos na década de 1980. Por isso, "agora a Justiça abriu um processo contra mim", relata.
"Raisi nunca se arrependeu de seus atos", confirma a escritora e ativista Shadi Amin, que, a partir da Alemanha, se engaja pelos direitos LGBTQIA+ e de outras minorias no Irã. "Durante mais de 40 anos, Raisi desempenhou um papel importante na implementação da política da República Islâmica, sobretudo na repressão da população civil."
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"Lamento as manifestações de pesar do Ocidente"
Antes de assumir a presidência, a atividade profissional de Ebrahim Raisi se concentrou no sistema judiciário. Logo após a revolução de 1979, o jovem clérigo entrou para o serviço da recém-fundada República Islâmica, e aos 20 anos já dava partida a uma carreira meteórica. Entre outras funções, integrou o "comitê da morte" responsável pela morte de milhares de presos políticos.
Já juiz, em 2019 foi nomeado por Khamenei diretor do Departamento de Justiça. Numa entrevista após vencer as eleições em 2021, Raisi justificou essa chacina: "Quando um juiz ou promotor defende a segurança do povo, ele deve ser elogiado." Como presidente, teve papel decisivo na repressão sangrenta aos protestos que eclodem repetidamente em todo o país, por último em setembro de 2022, em torno da jovem Mahsa Amini, morta pela polícia da moral iraniana.
Shadi Amin reforça: "Raisi se engajou pela imposição de leis misóginas, como o hijab obrigatório, e pela repressão das mulheres. Ele foi uma figura importante para o sistema político do Irã e suas metas." A autora ressalva que na República Islâmica o líder religioso tem a última palavra, ditando e determinando praticamente tudo.
"Nesse sistema foram educados, nos últimos anos, suficientes indivíduos como Raisi, dispostos a investir com dureza e brutalidade contra a população civil. Eu só lamento as manifestações de pêsames de políticos dos países ocidentais, da União Europeia e de organizações para um assassino em massa como ele. É uma grande decepção para as iranianas e população civil."
Os 11 dias da Revolução Islâmica
No início de 1979, o xá Reza Pahlavi era derrubado no Irã. A Revolução Islâmica transformou a monarquia de até então num Estado religioso liderado por um sacerdote muçulmano. O clímax da revolução em imagens.
Foto: akairan.com
Retorno a Teerã
1º de fevereiro de 1979: O aiatolá Ruhollah Khomeini retorna do exílio em Paris para Teerã. Ele é recebido com júbilo pela população no aeroporto. Durante anos, criticara o xá e sua elite política, pela repressão dos dissidentes; pela "ocidentalização" do Irã – aos olhos de Khomeini, excessiva; e, acima de tudo, por seu estilo de vida dissoluto, de luxo decadente.
Foto: akairan.com
À espera do salvador
Cerca de 4 milhões de iranianos aguardaram para saudar a procissão de veículos que levou Khomeini nesse dia até o cemitério central Behesht-e Zahra, onde ele faria seu discurso de chegada. Há quase um ano ocorriam manifestações de massa quase diárias contra o regime do xá. Desde agosto de 1978, greves gerais organizadas pela oposição paralisavam repetidamente a economia do país.
Foto: Getty Images/Afp/Gabriel Duval
Fora com o xá
O xá Reza Pahlavi já havia deixado o Irã em 16 de janeiro de 1979. Pouco antes, na Conferência de Guadalupe, ele perdera o apoio dos mais importantes governantes ocidentais, que preferiram procurar o diálogo com Khomeini. O então presidente americano, Jimmy Carter, aproveitou a ocasião para convidar o xá aos Estados Unidos, por tempo indeterminado. Ele aceitou.
Foto: fanous.com
Premiê isolado
Antes, o xá nomeara, como primeiro-ministro interino, Shapur Bakhtiar, figura de liderança da oposicionista Frente Nacional. O governante pretendia assim abrandar seus inimigos, mas sem sucesso. Bakhtiar ficou isolado dentro de seu partido por ter sido nomeado pelo xá, enquanto seus correligionários já haviam concordado em só colaborar com Khomeini.
Foto: akairan.com
Declaração de combate no cemitério
Já ao desembarcar em Teerã, o aiatolá declarou que não reconhecia o governo de Shapur Bakhtiar. Ele partiu direto do aeroporto para o cemitério central, onde fez um discurso beligerante, negando a legitimidade da monarquia e do Parlamento: ele próprio definiria o novo governo do Irã, prometeu Khomeini.
Foto: atraknews.com
Tumultos em todo o país
Em Teerã e outras cidades iranianas, os enfrentamentos violentos entre os revolucionários e os adeptos do xá prosseguiram, mesmo depois da chegada de Khomeini a Teerã. Durante dias permaneceu indefinido quem venceria os combates. Os militares decretaram toque de recolher, que praticamente nenhum iraniano respeitou.
Foto: akairan.com
Premiê interino
Em 5 de fevereiro de 1979, Khomeini entregou a chefia de governo interina a Mehdi Bazargan, da Frente Nacional. De início, parecia que o clero iria colaborar como a oposição liberal. No entanto, logo emergiram conflitos entre os dois grupos. Em 5 de novembro, Bazargan renunciou, em reação à tomada de reféns na embaixada americana em Teerã, ato tolerado por Khomeini.
Foto: akairan.com
Festejando a queda
Após a nomeação de Bazargan, numerosos cidadãos foram às ruas com a intenção de derrubar o governo interino. As Forças Armadas declararam não querer se envolver na luta de poder, privando Shapur Bakhtiar de qualquer tipo de cobertura. Ele teve que fugir da própria casa diante dos partidários armados de Khomeini. Em abril de 1979 exilou-se na França.
Foto: akairan.com
Saudação militar
Honras militares para o líder religioso: uma tropa de elite da Força Aérea iraniana saúda o aiatolá Khomeini. Os oficiais da aeronáutica, os homafaran, tiveram participação decisiva na revolução, permitindo à população o acesso a seus arsenais de munição, para a derrubada do regime de Pahlavi. Em 9 de fevereiro, a guarda imperial ainda tentou uma última reação, ao atacar uma base dos homafaran.
Foto: Mehr
Queda de monarquia
A partir daí, alastraram-se as lutas armadas entre a guarda imperial e a população. Em 11 de fevereiro de 1979 o colapso da ordem foi total: revolucionários ocuparam o Parlamento, o senado, a TV e outros órgãos estatais. Pouco mais tarde anunciava-se a derrubada da monarquia. Até hoje, o 11 de fevereiro é dia da "Revolução Islâmica" no Irã.