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Mosquito transgênico é a nova arma para combater a dengue

27 de julho de 2012

Machos transmitem um gene letal para as fêmeas, que o repassam às suas proles. Os mosquitos morrem antes de chegar à idade adulta. Primeiros testes no interior da Bahia são animadores.

Foto: picture-alliance/dpa

"O Brasil é pioneiro em termos de dimensão na produção de mosquitos", afirma  a bióloga Margareth Capurro, da Universidade de São Paulo (USP), que coordena o Projeto Aedes Transgênico (PAT). Com a inauguração da maior fábrica de mosquitos da dengue transgênicos do mundo no início de julho, na Bahia, pretende-se produzir 4 milhões de insetos por semana no país.

O Brasil deu início à produção de ovos do mosquito em janeiro de 2011. Trata-se de algo inédito fora da Inglaterra, onde a técnica de transgenia para supressão populacional foi desenvolvida, afirma Capurro. A primeira linhagem do mosquito transgênico foi desenvolvida pela empresa britânica Oxitec e, em 2010, a USP começou a trabalhar na adaptação do mosquito ao ambiente brasileiro.

Em 2011, a biofábrica Moscamed entrou no projeto e passou a produzir 550 mil machos por semana. A organização sem fins lucrativos em Juazeiro, na Bahia, é especializada na produção de insetos para controle de pragas e reconhecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além da USP e da Moscamed, o PAT conta com a supervisão e apoio do Ministério da Saúde.

"Nós incentivamos o desenvolvimento deste projeto e vamos monitorá-lo de perto, pois promete ser uma alternativa efetiva no controle da principal epidemia urbana do país", declarou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na inauguração da nova unidade da biofábrica, no último dia 7 de julho.

Somente no primeiro semestre deste ano, a dengue acometeu mais de 431 mil brasileiros. Na doença clássica – que raramente mata – os sintomas são febre, dor de cabeça e dores no corpo, nas articulações e por trás dos olhos, podendo afetar crianças e adultos. Já a dengue hemorrágica provoca também sangramento e pode terminar em morte.

Mosquitos transgênicos são liberados para transmitir o gene letalFoto: Imprensa/MOSCAMED

Como funciona

Os cientistas introduzem um gene letal no código genético do macho do mosquito que transmite a dengue. Depois de produzidos em laboratório, eles são liberados em áreas urbanas, as mais atingidas pela doença. Ao copular com as fêmeas da espécie, estas passam a carregar o gene letal e o transmitem a todas as suas proles futuras. Os mosquitos morrem antes de chegar à idade adulta.

"A fêmea é a que pica. Se liberássemos fêmeas, a prole delas morreria, mas elas poderiam transmitir a dengue", explica Capurro.

Desde julho de 2011, a liberação de mosquitos em grande quantidade vem sendo realizada nos bairros de Mandacaru e Itabereba, em Juazeiro, na Bahia. Em seis meses, verificou-se uma redução populacional média de 90% nas duas localidades.

A Oxitec já havia realizado testes bem sucedidos nas Ilhas Caimã, território britânico no Caribe, mas com uma dimensão muito menor do que no Brasil. "Lá, a liberação total durante o período de testes foi de 3 milhões de mosquitos, enquanto aqui liberamos mais de meio milhão por semana ", destaca Danilo Carvalho, gerente do PAT na Moscamed.

"É a primeira vez que os testes se dão oficialmente, o Brasil é o primeiro grande país-teste", destaca Jonas Schmidt-Chanasit, virologista do Instituto Bernhard-Nocht de Medicina Tropical em Hamburgo. Segundo o pesquisador, a cada ano são diagnosticados cerca de 500 casos de dengue na Alemanha, em indivíduos que viajaram principalmente para a Ásia e para o Brasil.

Aspectos discutíveis

Quando perguntado sobre os possíveis impactos ambientais da introdução dos indivíduos transgênicos na natureza, Carvalho explica que o Aedes aegypti é uma espécie exótica no país, natural da África e que não participa de nenhuma cadeia ecológica.

Schmidt-Chanasit acredita que o inseto tem, sim, influência no ecossistema. "O mosquito existe há décadas no Brasil e foi integrado ao ecossistema local. Insetos servem de alimento para pássaros, peixes, anfíbios, e não sabemos que influência a eliminação de tantos mosquitos terá sobre essas outras espécies", pondera.

Já Capurro, da USP, afirma que o mosquito da dengue não é alimento exclusivo de nenhum desses grupos. "O principal criadouro do mosquito são caixas d'água limpas. Qual predador vive dentro de uma caixa d'água?", questiona a bióloga.

Apesar de reconhecer o caráter inovador e as vantagens do PAT, Schmidt-Chanasit afirma que o vírus da dengue é altamente variável e, assim, poderia sofrer mutações e se adaptar a outros vetores da doença. "O Aedes aegypti é o principal, mas não o único transmissor", diz.

Segundo Capurro, o Aedes albopictus – outro possível transmissor da dengue – existe em algumas áreas do Brasil, mas nunca foi considerado vetor da dengue no país. "Se o albopictus passasse a transmitir a dengue também, não seria porque estamos eliminando o aegypti. A chance de mutação e mudança do vetor é praticamente nula", considera.

Em 1955, o Aedes aegypti foi erradicado no Brasil como resultado de medidas de controle da febre amarela, também transmitida pelo mosquito. Mas no final da década de 1960, ele ressurgiu no país e hoje é encontrado em todos os estados brasileiros.

Perspectivas do projeto

Após os testes nos dois bairros de Juazeiro, a ideia agora é aplicar o projeto em um município de pequeno porte: Jacobina, também na Bahia, com cerca de 80 mil habitantes. Para isso, é preciso aguardar a aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela regulação de transgênicos no país.

"Chance de mutação e mudança do vetor é praticamente nula", afirma a pesquisadora CapurroFoto: Imprensa/MOSCAMED

Capurro destaca que Jacobina está localizada numa região de clima semiárido, onde se formam ilhas geográficas. "Assim, o mosquito não se desenvolve fora da área urbana, facilitando o controle", diz. "O ideal seria termos dois anos para os testes."

A bióloga ressalta também que o uso de transgênicos adiciona uma nova tecnologia, sem eliminar as outras. Ela deve ser usada em conjunto com os métodos já utilizados, como eliminação de criadouros e aplicação de inseticida. "A ideia é melhorar o controle, que ainda é falho", afirma. Dependendo dos resultados verificados pelo PAT, o governo brasileiro poderá expandir a estratégia para todo o país.

Apesar de reconhecer que a introdução de transgênicos na natureza deve ser analisada com cautela, Schmidt-Chanasit diz que, se os resultados do projeto forem positivos, ele poderia servir de exemplo para outros países e outras enfermidades, como a malária.

A Organização Mundial da Saúde estima que a cada ano haja entre 50 milhões e 100 milhões de infecções de dengue no mundo. A doença é endêmica em mais de cem países, afetando principalmente a Ásia e a América Latina. Em 2010, os primeiros dois casos de transmissão na Europa foram registrados na França e na Croácia.

Autora: Luisa Frey
Revisão: Francis França

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