Mostra em Berlim explora conceito de masculinidade
Sertan Sanderson
21 de outubro de 2020
Exposição na capital alemã analisa diferentes tipos de identidades masculinas através da fotografia, incitando o debate sobre os papéis sociais de gênero.
Anúncio
Qual o conceito de masculinidade? É o que se propõe a discutir a mostra Masculinities: Liberation through Photography ("Masculinidades: Libertação pela Fotografia"), em cartaz do Museu Martin-Gropius-Bau, no coração de Berlim.
Com obras de mais de 50 artistas, a exposição examina vários conceitos que desafiam e confirmam identidades masculinas: desde noções contemporâneas, como masculinidade tóxica, até ideias antiquadas relativas à paternidade e ao homem de família.
A mostra também dá espaço para identidades queer, pessoas negras e de outras etnias, refletindo vários movimentos e mudanças nas percepções de masculinidade ao longo das décadas.
Um mundo dos homens
Os trabalhos da exposição visam "apresentar a masculinidade como uma identidade performativa não fixada, moldada por forças culturais e sociais", segundo comunicado à imprensa. Mas o que isso significa exatamente? Com mais de 300 fotografias, a mostra busca examinar o conceito a partir de todos os ângulos.
Seja na questão do patriarcado ou em variantes do movimento "black is beautiful" entre as populações masculinas, a exposição começa ousadamente objetivando os homens – e seus corpos, em particular – de uma forma que é mais comumente observada em representações de mulheres, especialmente no contexto da cultura popular de hoje.
Com tal iniciativa, o museu acaba se tornando um espaço onde crenças comuns sobre masculinidade e feminilidade são desafiadas, onde expectativas e percepções são destruídas; um lugar onde se pode enfim começar um diálogo significativo sobre papéis de gênero que vai além de discutir genitálias e pronomes.
Anúncio
De acampamentos talibãs a clubes masculinos
Um exemplo pode ser visto nos autorretratos coloridos de dois soldados talibãs: sob um cenário florido e com as pálpebras revestidas com uma espessa camada de kajal, eles seguram a mão um do outro com ternura. Para bem da verdade, homens de mãos dadas em sociedades como essa não chega a ser algo incomum – e o uso de kajal pode servir a outros propósitos além de maquiagem, como a camuflagem.
No entanto, tais imagens provocam uma reflexão profunda sobre o que faz de um homem um homem. O fotógrafo Thomas Dworzak compilou as imagens em 2001, enquanto os insurgentes retratados se preparavam para lutar na ofensiva liderada pelos EUA no Afeganistão.
Já na série Gentlemen é lançado um olhar sobre clubes privados para homens no início dos anos 1980 em Londres. Refletindo sobre noções de classe e raça, as fotos destacam a exclusão das mulheres de tais espaços de poder – durante justamente durante a gestão de Margaret Thatcher como primeira-ministra. Tais imagens também levantam inúmeras questões:
Seriam tais clubes masculinos uma reafirmação contra a participação das mulheres nos escalões mais altos da política? Eles refletiam o medo de que mulheres pudessem fazer um trabalho melhor na liderança do que seus contemporâneos do sexo masculino?
As imagens da série foram capturadas pela fotógrafa americana, nascida na Alemanha, Karen Knorr, uma das diversas mulheres cujas obras foram reunidas na mostra a fim de examinar as identidades masculinas por completo – inclusive sob a perspectiva feminina.
Identidade queer e outros elementos subversivos
A exposição dedica uma atenção especial a imagens do mundo queer, visto que o movimento de libertação gay lançou as bases para muitas das questões abordadas pelos artistas e pela sociedade no debate de gênero das últimas décadas.
Artistas como Sunil Gupta capturaram a vida pública gay entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 na Christopher Street, em Nova York (foto principal) – local da Rebelião de Stonewall, cujo 50º aniversário foi celebrado no ano passado.
Alguns dos homens retratados nas fotos têm uma postura tão cotidiana que fazem os gays parecerem os novos heterossexuais – embora tenham sido tiradas há meio século, numa época em que a homossexualidade era considerada ilegal.
Na série Being and Having, Catherine Opie explora a comunidade LGBTQ na costa oeste dos Estados Unidos em 1991. Os modelos retratados – selecionados a partir de seu próprio círculo de amigos – ostentam tatuagens e bigodes. Tais imagens questionam o papel que esses acessórios de moda masculinos estereotipados desempenham nas questões de identidade. Trata-se de uma zombaria dos padrões masculinos ou de um disfarce? É coisa de macho – ou de queer?
Beleza nos olhos de quem vê?
Imagens masculinas e as associações que comumente as acompanham dominam a exposição por razões óbvias. No entanto, uma quantidade um tanto desproporcional de corpos idealizados, físicos perfeitos e representações heroicas também levantam outras questões relacionadas à identidade na exposição.
Talvez esta seja a próxima fronteira para identidades masculinas: abraçar uma imagem positiva do corpo mais diversa e inclusiva – uma tendência que feministas em todo o mundo há muito já defendem.
Destacando os trabalhos de fotógrafos e cineastas renomados, como Herb Ritts, Isaac Julien e Robert Mapplethorpe, a exposição também inclui artistas menos conhecidos, como Sam Contis, Paul Mpagi e Karlheinz Weinberger.
Acima de tudo, através de sua ampla gama de abordagens, a exposição mostra uma dimensão particular da masculinidade que muitas vezes passa despercebida e ignorada na vida cotidiana, à medida que segue o debate sobre gênero e identidade: a vulnerabilidade.
Do direito ao voto ao espaço na política: ao longo dos últimos cem anos as mulheres alemãs lutaram para derrubar leis e convenções que hoje soam impensáveis.
Foto: picture-alliance/akg-images
O direito ao voto
Em 1918, o Conselho dos Deputados da Alemanha proclamou: "Todas as eleições serão conduzidas sob o mesmo sufrágio secreto, direto e universal para todas as pessoas do sexo masculino e feminino com pelo menos 20 anos de idade". Logo depois, as mulheres puderam votar, pela primeira vez, nas eleições para a Assembleia Nacional alemã, em janeiro de 1919.
Foto: picture-alliance/akg-images
Lei de Proteção à Maternidade
A Lei entrou em vigor em 1952. Desde então, passou por várias alterações. O objetivo é assegurar a melhor proteção possível da saúde da mulher e do filho durante a gravidez, após o parto e durante a amamentação. Mulheres não podem sofrer desvantagens na vida profissional por causa da gravidez nem seu emprego pode ser ameaçado pela decisão de ser mãe.
Em 1971, Alice Schwarzer publicou na revista Stern um artigo no qual 374 mulheres confessaram ter interrompido a gravidez; entre elas, Romy Schneider. Após a publicação, dezenas de milhares de mulheres foram às ruas protestar a favor da maternidade autodeterminada. Em 1974, a coalizão social-liberal aprovou no Parlamento a descriminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação.
Foto: Der Stern
Mais estudantes e professoras nas universidades
Em 1976, foi realizado em Berlim o evento "1° Universidade de Verão para as mulheres". Entre as exigências, as precursoras pediam o aumento da participação das mulheres entre estudantes e professoras, que era de 3 %. Em 1970, o percentual de estudantes passou para 9%. Hoje, ele chega a 48%. Em 1999, o número de professoras era de cerca de 4 mil. Hoje, elas são 11 mil em toda a Alemanha.
Foto: picture alliance/ZB/J. Kalaene
Livre da obrigação do serviço doméstico
Em 1977, entrou em vigor a nova lei de matrimônio. Até então, a esposa era "obrigada ao serviço doméstico". Ela só poderia trabalhar se não negligenciasse suas tarefas do lar e se o marido consentisse. Em 2014, 70% das mães trabalhavam fora; 30% em tempo integral e quase 40% em meio período. Entre os casais com crianças, a mulher alemã contribui com uma média de 22,6% da renda familiar.
Foto: picture-alliance/akg-images
Igualdade salarial
Em 1979, 29 funcionárias processaram o laboratório fotográfico Heinze, em Gelsenkirchen, pelo direito de ter a mesma remuneração por trabalhos iguais. Elas venceram: em 1980, o Parlamento alemão aprovou a lei sobre igualdade de tratamento de homens e mulheres no trabalho. Mas ainda há muito o que fazer: em , as mulheres ganharam 18% a menos por hora trabalhada do que os homens.
Foto: picture-alliance/chromorange
Pilotas da Lufthansa
Em 1986, a companhia aérea alemã Lufthansa permitiu, pela primeira vez, que duas mulheres completassem a formação de piloto. Elas são: Erika Lansmann e Nicola Lunemann (na foto). Hoje, nas diversas companhias aéreas do grupo, 417 mulheres trabalham como co-pilotas e 114 são comandantes.
Foto: Roland Fischer, Lufthansa
Trabalho noturno
Em 1992, o Tribunal Constitucional Federal revogou a proibição do trabalho noturno para mulheres. O Tribunal declarou que a alegada proteção estava associada com salários mais baixos e "desvantagens consideráveis". Na antiga Alemanha Oriental, as mulheres tinham sido autorizadas a praticar todas as profissões desde o início, a qualquer hora do dia ou da noite.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Gerten
Sexo sem consentimento
Em 1997, a violação sexual no casamento passou a ser considerada crime. O Bundestag decidiu por uma maioria esmagadora que os maridos estupradores já não tinham direitos especiais. A ideia de que seria uma "ofensa menor de coerção" foi abolida. Todos os "atos sexuais" forçados passaram a ser punidos como estupro.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Kästle
Mulheres na política
Depois de conquistarem o direito ao voto na maior parte dos países, as mulheres tentam alcançar a mesma proporção de participação política que os homens. Em 1949, o percentual de alemãs no Bundestag era de 6,8%. Atualmente, elas são 35,3%. A primeira mulher a chefiar o governo foi Angela Merkel, em 2005. Em 2018, ela chegou ao quarto mandato como chanceler federal, cargo que exerceu até 2021.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Tarefas domésticas
Hoje as mulheres alemãs também lutam por direitos iguais em relação às tarefas domésticas e ao cuidado com familiares. Em 1965, elas exerciam esse trabalho durante, em média, quatro horas por dia; os homens, 17 minutos por dia. Atualmente as mulheres ainda gastam 43,8 pontos percentuais a mais de tempo com tarefas domésticas do que os homens: são quase 30 horas semanais, contra 20 dos homens.
Foto: Imago/O. Döring
O futuro
Para despertar o interesse das meninas em profissões antes consideradas masculinas, especialmente na indústria, desde 2001 empresas alemãs convidam meninas do 5º ano para o 'Girls day'. O dia das meninas é considerado o maior projeto de orientação profissional do mundo e, graças a ele, cada vez mais jovens mulheres decidem seguir carreira da área de ciências exatas na Alemanha.