Mostra em Milão acirra debate sobre suposto Caravaggio
10 de novembro de 2016
Descoberto por acaso em sótão na França, quadro é atribuído ao mestre barroco, mas origem é motivo de controvérsia. Pinacoteca milanesa é criticada por colocá-lo junto a obras autenticadas.
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Uma pintura atribuída ao artista barroco Michelangelo Caravaggio está em exposição a partir desta quinta-feira (10/11) na Pinacoteca di Brera, em Milão, junto a outros trabalhos autênticos do mestre do claro-escuro barroco.
O diretor da pinacoteca, James Bradburne, gerou uma controvérsia ao incluir a pintura numa mostra sobre Caravaggio, já que a autenticidade da obra – descoberta há dois anos num sótão na França – ainda é motivo de discussão.
Os críticos dizem que a decisão de mostrar a pintura Judith decapitando Holofernes legitima a sua atribuição a Caravaggio, elevando o seu preço caso seja colocada à venda no mercado. Em protesto, o proeminente historiador da arte Giovanni Agosti deixou a comissão científica da Pinacoteca di Brera.
No início desta semana, no entanto, o diretor da pinacoteca defendeu a inclusão do trabalho como sendo o preenchimento de uma das missões do museu de "ser um laboratório para a criação de novos conhecimentos" e não um endosso.
Bradburne, que dirige há anos a Pinacoteca di Brera, afirmou que a responsabilidade de decidir a autenticidade de uma obra não cabe a museus, mas a especialistas, enquanto os museus possuem a habilidade de mostrar trabalhos lado a lado e suscitar discussões.
"Nenhum acadêmico do mundo pode decidir juntar cinco obras de arte e colocá-las em seu quarto de dormir, de forma que ele ou que ela possa olhar, para ver se a obra é aquilo que promete o que é. Somente museus podem fazê-lo", justificou Bradburne.
Venda congelada
"Nós não pretendemos fazer parte de um debate sobre a autenticidade da pintura, queremos somente permitir que ela seja comparada com obras contemporâneas de Caravaggio", informou um porta-voz da Pinacoteca onde o suposto Caravaggio estará exposto até 5 de fevereiro de 2017.
O quadro de 400 anos ocupou as manchetes em 2014, quando os proprietários de uma casa próxima à cidade de Toulouse, no sudoeste da França, descobriram a obra ao averiguar um vazamento na coberta. A pintura retrata uma cena bíblica – a decapitação do general assírio Holofernes por Judith – e estava em condições excepcionalmente boas quando foi achada. Segundo peritos, atualmente, seu valor pode chegar a 120 milhões de euros (cerca de 430 milhões de reais).
Algumas especialistas, no entanto, contestam a autenticidade da obra, atribuindo o trabalho ao pintor flamengo Louis Finson, contemporâneo de Caravaggio. A pintura, cuja venda foi congelada por três anos pelo governo francês, de forma que sua proveniência possa ser mais bem estudada, está sendo exposta com um Caravaggio bem documentado – A ceia em Emaús – e outras cópias conhecidas ou supostas cópias do mestre barroco.
Judith decapitando Holofernes está sendo exposta junto a uma cópia de 1607 pintada por Louis Finson, que possuía o original de Caravaggio em seu ateliê que desapareceu posteriormente. Alguns especialistas acreditam que o trabalho descoberto na França é de fato o original desaparecido.
CA/afp/ap
O mundo fantástico de Hieronymus Bosch
Herético? Cartunista? Seja como for, um artista que permanece até hoje enigmático. Hieronymus Bosch morreu há 500 anos na Holanda. Sua cidade natal, 's-Hertogenbosch, o homenageia com uma grande retrospectiva.
Foto: DW/S. Oelze
Paraíso ou inferno?
O universo pictórico de Hieronymus Bosch é repleto de moluscos, animais diabólicos e bizarros métodos de tortura. Este trítico mostra "O Juízo Final". De um lado, vê-se o paraíso; do outro, o inferno; no centro se dá a luta entre o bem e o mal. Ao mesmo tempo violenta e genial, não há limites para a fantasia de Hieronymus Bosch.
Foto: Rik Klein Gotink/Robert G. Erdmann
Gênio ligado às raízes
Nascido em 1450 como Hieronymus van Aken em 's-Hertogenbosch, perto de Utrecht, ele aí também morreu em agosto de 1516. Não se sabe a partir de quando assumiu a profissão de pintor. O primeiro quadro em que sua assinatura aparece é "São João em Patmos", de 1487/88. Ele compõe o altar da capela da Fraternidade Marista na imponente catedral de Sint-Jans, em 's-Hertogenbosch.
Foto: Rik Klein Gotink/ Robert G. Erdmann for the Bosch Research and Conservation Project
O barco está cheio
Na verdade seria preciso uma lupa para detectar todos os detalhes curiosos nas obras do artista holandês. Como, por exemplo, a concha de sopa usada como remo em "A nau dos insensatos". A concha não vai conseguir manter o rumo do barco: os passageiros estão condenados a afundar. Hoje, as obras de Bosch parecem espantosamente modernas – como um visionário comentário sobre a crise migratória.
Foto: Rik Klein Gotink/ Robert G. Erdmann for the Bosch Research and Conservation Project
Visões do além
Para Hieronymus Bosch, o homem medieval se encontrava em peregrinação. No fim, seu caminho levava ao inferno ou ao céu. Mas a sorte parece reservada a poucos: um número bem maior acaba castigado no inferno, por uma vida de gula, luxúria, ou outros pecados capitais que as personagens de Bosch praticam em suas obras.
Foto: DW/S. Oelze
Outro lado do paraíso
A parte de trás de "O Juízo Final" revela outras facetas: com o altar fechado, os dois painéis lembram as "pinturas de gotejamento" do americano Jackson Pollock. De fato, Bosch utilizou uma técnica semelhante, preparando as superfícies em vermelho ou verde e borrifando-as em seguida. Assim, Bosch demonstrava sua veneração a Deus, como poder maior, não passível de representação.
Foto: DW/S. Oelze
O mal no homem
As alegorias de Bosch são tão cheias de detalhes que ainda apresentam vários enigmas. Os sete pecados capitais são presença assídua, sobretudo a gula, luxúria, ganância e inveja. Os homens perdem toda característica humana, viram seres humanoides, com cabeças de animais. Braços brotam das árvores, de cabeças saem pernas e braços. A intenção do artista era tornar visível o mal no ser humano.
Foto: DW/S. Oelze
O mundo dos santos
A representação da "Adoração dos Magos" conta entre as obras menos espetaculares de Bosch. O cenário é pacífico: os Três Reis Magos trazem seus presentes ao Menino Jesus. Por muito tempo ela foi considerada a pintura mais antiga do artista, porém, no decorrer do Projeto Bosch de Pesquisa e Conservação, foi identificada como uma obra de maturidade.
Foto: Rik Klein Gotink/ Robert G. Erdmann for the Bosch Research and Conservation Project
Traços de versões passadas
Esta obra foi executada por Hieronymus Bosch para a Fraternidade Marista de 's-Hertogenbosch, da qual era membro. Ela foi provavelmente pintada entre 1490 e 1495. O Projeto Bosch de Pesquisa e Conservação identificou camadas prévias de pintura: sob as grandes plantas encontrava-se a figura de um patrono, que Bosch removeu mais tarde.
Foto: Rik Klein Gotink/ Robert G. Erdmann for the Bosch Research and Conservation Project
Mundo da imitação
Os contemporâneos de Hieronymus Bosch já reconheciam sua genialidade. Além de seu ateliê povoado de adeptos talentosos, havia muitos imitadores que inventavam com fantasia seus próprios mundos boschianos. O quadro deste mostra um saltimbanco e seu jogo fraudulento. Em 's-Hertogenbosch estão expostas espetaculares imitações como esta, ao lado das obras do mestre.