Acervos revistos
23 de agosto de 2007Os museus de Berlim guardam um vasto patrimônio arqueológico e artístico, muitas vezes de difícil acesso para leigos. A fim de evitar que o significado de tantos testemunhos culturais se perca em meio aos "cliques" das máquinas fotográficas dos turistas, a Fundação Patrimônio Cultural Prussiano lançou, em colaboração com a Universidade Humboldt, intervenções museais para refrescar a apreciação de seus acervos.
Linguagem – Escrita – Imagem é o nome da mostra que se estende por entre as coleções arqueológicas do Pergamon Museum, com a meta de resgatar as obras do esquecimento histórico e complementar a apreciação visual com referências à cultura escrita oculta por trás das esculturas, relevos e objetos de uso da Antiguidade.
Um excurso sobre papirologia grega em meio à coleção de vasos e relevos, o traçado das viagens de Aurélio Agostinho entre esculturas romanas e considerações sobre a origem de múltiplas interpretações do Corão numa sala com caligrafias islâmicas. Mais simples impossível a intervenção, através de painéis espalhados pelas monumentais salas do edifício neoclássico na Ilha dos Museus.
Ler e ver, atos indissociáveis
A reflexão sobre o silêncio das imagens e a memória textual se estende por uma segunda mostra organizada no mesmo museu: ABC das Imagens. Neste caso, o objeto da curadoria é a relação entre texto e imagem.
Mais do que uma moldura explicativa para a imagem, a escrita – nesta exposição – se torna objeto de apreciação ótica. Alfabetos são apresentados não apenas em sua função de sinais de escrita, mas também como formas visuais que inspiraram as artes gráficas e plásticas desde sempre. Iluminuras medievais, caligrafias árabes e cartilhas ilustradas do século 19 dialogam com obras de arte conceituais, desde a década de 60 até hoje, criadas a partir da materialidade do alfabeto.
Seja nas representações narrativas medievais, nas ilustrações do gravador inglês William Hogarth ou nas histórias em quadrinhos, a simbiose de imagem e texto se estabelece nos mais diversos níveis e formas. Na pintura de Paul Klee, por exemplo, as letras são tratadas como material visual, mas as formas também adquirem a função de códigos privados, tornando-se legíveis no contexto mais amplo de sua obra pictórica. A combinação de texto e imagem na veiculação de notícias também está representada nesta mostra através da lente de artistas.
Efemeridade da leitura
Já faz algum tempo que o Pergamon Museum reservou seu andar superior a exposições temporárias não necessariamente ligadas a arqueologia. Com isso, o museu, um must para turistas, passou a reconquistar o público local.
A mostra ABC das Imagens, a ser vista até 9 de setembro, também estabelece vínculos com as coleções locais e inclui artistas contemporâneos residentes em Berlim. Isso relativiza a impressão de que o visitante, ao subir as escadarias do imponente edifício ilhado entre dois braços do Spree, esteja abandonando o presente e a realidade imediata, para imergir em um mundo à parte.
No entanto, o aparato verbal em torno do branco marmóreo das peças antigas – sejam guias em áudio, legendas às peças, painéis explicativos, explicações orais de instrutores – dificilmente resgata as obras de seu silêncio enigmático. Muito pelo contrário, desperta a impressão ainda mais nítida de que o discurso em torno das obras representa apenas uma leitura efêmera, de vida breve em comparação com a presença quase atemporal dessas peças.