Mourão ri ao ser questionado sobre torturas na ditadura
18 de abril de 2022
"Vai trazer os caras do túmulo de volta?", disse o vice-presidente entre risos, sobre áudios divulgados pelo jornal "O Globo" em que juízes do Superior Tribunal Militar falam sobre torturas.
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O vice-presidente, Hamilton Mourão, riu nesta segunda-feira (18/04) ao ser questionado sobre áudios divulgados pelo jornal O Globo em que juízes do Superior Tribunal Militar (STM) falam sobre torturas cometidas durante a ditadura militar(1964-1985).
"Apurar o quê? Os caras [militares e agentes das polícias que realizaram sessões de tortura] já morreram tudo [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?", afirmou Mourão sobre os torturadores, aos ser questionado por jornalistas quando chegava ao Palácio do Planalto.
Os áudios foram divulgados no domingo pela jornalista Miriam Leitão. Eles foram captados entre 1975 e 1985 e inicialmente obtidos pelo historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico junto ao STM.
Nas sessões gravadas, os juízes militares e civis tecem comentários sobre casos de tortura que ocorreram durante a ditadura. Um dos casos citados diz respeito a uma mulher, presa política porque fazia oposição ao regime militar, que sofreu um aborto após ser torturada com choques nos órgãos genitais.
Mourão relativizou os casos relatados nos áudios. "História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio [Vargas]. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país", disse.
Miriam Leitão foi presa política na ditadura militar e foi torturada de diversas maneiras enquanto estava grávida. Em uma ocasião a jornalista conta ter sido torturada com o auxílio de uma jiboia, colocada numa sala em que ela estava presa nua.
O episódio voltou à tona recentemente, depois de o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, ter ironizado o fato e escrito no Twitter que tinha "pena da cobra".
Simpatia do governo pelo período da ditadura
Mourão, que é general da reserva, já assumiu posições de simpatia em relação à ditadura militar. Ele e outros militares do governo de Jair Bolsonaro, inclusive o próprio presidente, costumam classificar o período como um movimento que alegadamente teria garantido a "democracia" face a um suposto risco de ascensão do comunismo no país na década de 1960.
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Os defensores do regime militar brasileiro, porém, não comentam as denúncias de tortura, a imposição de censura e a crise econômica aprofundada pela elevada inflação que foi deixada pelos militares no país ao final do regime.
Em 2022, pelo quarto ano seguido, o governo Jair Bolsonaro usou o 31 de março, data do golpe de 1964, para defender o regime militar, que fechou o Congresso, acabou com as eleições diretas para cargos majoritários, censurou a imprensa e torturou e matou opositores.
Neste ano, o Ministério da Defesa afirmou em uma ordem do dia – texto para ser lido para a tropa – que o golpe foi um "marco histórico da evolução política brasileira", e que a história "não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização", citando o medo de que um "regime totalitário" fosse implantado no país, então governado pelo presidente João Goulart, democraticamente eleito.
No ano passado, Bolsonaro pediu ao então ministro da Educação Milton Ribeiro que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tivesse questões que tratassem o golpe militar de 1964 como uma "revolução".
Homenagens a torturadores
Quando era deputado federal, em sessão no Plenário da Câmara que aprovou a abertura do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro disse que votava "em memória" do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o qual classificou como "o pavor de Dilma".
Ustra, que dirigiu um centro de tortura durante a ditadura, foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador no regime. Dilma foi presa e alvo de tortura no centro comandado por Ustra.
Em entrevista ao programa Conflict Zone, da Deutsche Welle, em 2020, Mourão classificou Ustra como um "homem de honra e que respeitava os direitos humanos de seus subordinados".
"Ustra respeitava os direitos humanos"
26:04
No fim de semana, Jair Bolsonaro fez uma homenagem e publicou uma foto ao lado de Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI), que morreu no domingo, aos 97 anos. Newton Cruz chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Comissão da Verdade, juntamente como outros 377 militares por crimes durante a ditadura militar.
le (Lusa, ots)
A ditadura brasileira (1964-1985)
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.