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"Movimento das Sardinhas" combate o populismo na Itália

Helena Kaschel md
24 de dezembro de 2019

Criado por quatro militantes em chamada nas mídias sociais, grupo reúne multidões ruas com protestos contra a extrema direita. Especialistas admitem que falta de programa pode levar ao fim rápido do movimento.

Duas pessoas numa multidão levantam cartazes com desenhos de sardinhas
Desde outubro, multidões ocupam ruas e praças italianas protestando contra Matteo SalviniFoto: Getty Images/AFP/F. Monteforte

Cidadãos aglomerados em praças de cidades italianas, muitos segurando cartazes de papelão em forma de sardinha: essas imagens estão circulando o mundo há um mês. Os protestos começaram em meados de novembro com um flash mob em Bolonha, convocado através do Facebook pelo professor de educação física e consultor de energia Mattia Santori e três de seus amigos.

Seu objetivo: mobilizar mais adeptos do que o ex-ministro do Interior e chefe do partido de extrema direita Liga, Matteo Salvini, que visitava a cidade como parte de um evento de campanha eleitoral. A ideia era reunir tantos na praça central, que precisariam ficar apertados – como sardinhas em lata.

De fato: cerca de 15 mil atenderam à convocação. Desde então, Santori passou a ser uma espécie de porta-voz do "Movimento das Sardinhas". Manifestações semelhantes têm ocorrido em diversas cidades italianas. Em meados de dezembro, segundo os organizadores, cerca de 100 mil "sardinhas" encheram a Piazza San Giovanni, em Roma, local tradicional de comícios de grupos de esquerda e sindicatos. Os italianos também se manifestaram fora do país no sábado, por exemplo, em Paris e Dresden.

Porta-voz dos "sardinhas", Mattia Santori, em manifestação em FlorençaFoto: AFP/F. Monteforte

Volta à decência

Pouco se sabe sobre os participantes dos protestos. Em muitas fotos vê-se gente de várias idades. Sua mensagem, contudo, é mais clara: os "sardinhas" querem que a volta "da decência, de um novo estilo de política, sem que isso leve diretamente a um conteúdo específico", diz Christian Blasberg, historiador da Universidade de Luiss, em Roma.

Ele pesquisa, entre outros temas, a história dos movimentos políticos na Europa. "O 'Movimento das Sardinhas' está farto dos tons duros e ferinos no discurso político, do fato de a política estar extremamente polarizada", avalia. Da página do movimento no Facebook, que já tem quase 270 mil seguidores, consta, por exemplo: "Exigimos que a violência, em todas as suas formas, desapareça da linguagem política e do conteúdo político."

Blasberg não se surpreende que as "sardinhas" saiam às ruas em número tão grande. Afinal, ressalta, há muitos anos tem grande repercussão na Itália tudo o que seja, de alguma forma, direcionado contra formas ou atores políticos estabelecidos – como Salvini que, apesar de sua controversa retórica populista, fazia parte dessa política estabelecida.

Blasberg suspeita também que os "sardinhas" se beneficiaram do declínio do Movimento Cinco Estrelas (M5S), surgido em 2009 de um movimento de protesto encabeçado pelo humorista Beppe Grillo, apresentando-se como uma alternativa ao establishment político. Em 2018 entrou numa coalizão governamental com a Liga e desde setembro governa a Itália junto com o social-democrata Partido Democrata (PD).

Salvini com Donatella Tesei, eleita pela Liga governadora da Úmbria, tradicional reduto da esquerdaFoto: Imago Images/ZUMA Press/C. Martemucci

Nas últimas eleições regionais, porém, o M5S obteve apenas 7,4% dos votos. "Uma grande parcela de eleitores decepcionados provavelmente percebe o 'Movimento das Sardinhas' como um renascimento de suas próprias ideias", estima Blasberg. "Mas é um movimento muito menos organizado do que o Cinco Estrelas na época".

Embora 150 dos "sardinhas" tenham se reunido recentemente em Roma para desenvolver uma estratégia, o historiador vê na falta de estrutura organizacional um dos maiores desafios do movimento. "O fato de o grupo não ter um programa pode funcionar bem por algum tempo, desde que não se deixe instrumentalizar", afirma. Ou seja: o grupo arrisca perder força de atração caso seus seguidores percebam que há algum partido ou interesse político por trás dele.

"Os sardinhas já cometeram o erro de se apresentar como uma iniciativa popular ampla e, ao mesmo, tempo, trabalhar com simbolismo de esquerda, como ao usarem a canção Bella ciao, que se tornou símbolo da resistência italiana contra o fascismo ", opina o historiador.

"Apoiamos a Constituição italiana, acima de tudo", declarou recentemente Santori, enquanto porta-voz dos "sardinhas", à emissora NTV. "A igualdade entre os seres humanos, o respeito a suas diferenças, o direito de defender uma ideia sem declarar a dissidência imediatamente como inimiga – essas ideias podem ser encontradas, acima de tudo, na esquerda. Eu diria, por isso, que nossa posição está mais provavelmente para a esquerda."

De fato, tanto os social-democratas do PD quanto o M5S já elogiaram os "sardinhas". O chefe do PD, Nicola Zingaretti, escreveu no Facebook: "Boas sugestões que eles enviaram. Faremos todo o possível para implementá-las e honrar o engajamento deles ". O ministro italiano do Exterior, Luigi Di Maio, do M5S, não descarta uma cooperação com os "sardinhas"..

Criatividade é uma das marcas registradas dos "sardinhas"Foto: Reuters/G. Mangiapane

O futuro dos "sardinhas"

Porém Christian Blasberg não acredita que o novo movimento possa ser uma ameaça a Salvini nas eleições regionais dos próximos meses: "Ele tem um eleitorado compacto demais, que foi se formando por um longo período e provavelmente não vai se deixar levar por esse movimento." Atualmente a Liga lidera com folga nas pesquisas. Em outubro venceu a eleição regional na Úmbria, em janeiro haverá eleição na região da Emília-Romana. Ambas são tradicionais redutos da esquerda.

Donatella della Porta, diretora do Centro de Pesquisa sobre Movimentos Sociais, em Florença, acha difícil fazer previsões sobre o futuro do novo grupo. "Um movimento iniciado por quatro pessoas não é apenas passível de instrumentalização, seu conteúdo e objetivos estão em movimento."

Ela ressalta que só o tempo mostrará se os "sardinhas" vão se unir a outras tendências, como a ecológica ou a feminista, e qual papel tópicos como justiça social e mudança climática passarão a ter. "Mas acredito que o movimento é importante, por chamar a atenção para a política de rua e para o que a Liga e Salvini significam. Como a normalização do racismo por parte dele."

Qualquer que seja a direção que tome o "Movimento das Sardinhas", as ações contra o populismo de direita continuam. Seja em grandes cidades ou em municípios menores, como Biella, Cremona e Monselice.

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