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Movimento negro festeja decisão do STF a favor das cotas nas universidades

27 de abril de 2012

Supremo Tribunal Federal decide pela constitucionalidade das cotas raciais e o movimento negro brasileiro exige que mais universidades adotem esse sistema de ingresso.

Foto: Fotolia/Gina Sanders

O movimento negro brasileiro luta há décadas pela adoção de políticas de inclusão e conseguiu, nesta quinta-feira (26/04) uma importante vitória no Superior Tribunal Federal (STF). A suprema corte decidiu, por unanimidade, que as cotas raciais nas universidades brasileiras estão em conformidade com a Constituição.

Ainda antes da decisão, a Unegro (União de Negros Pela Igualdade), instituição fundada em 1988 em Salvador, Bahia, havia pedido ao STF que julgasse de maneira a corrigir a omissão do Estado ao longo dos anos. "O papel assumido pelo Estado brasileiro ao longo da história nacional foi o de tratar igualmente os desiguais, ignorando a imensa dívida social a ser resgatada”" dizia carta da instituição.

Segundo o diretor nacional de comunicação da Unegro, Alexandre Braga, cerca de 180 instituições de ensino adotam alguma medida de inclusão – para negros, mulheres, indígenas ou pessoas de baixa renda. "Depois dessa decisão do STF, vamos cobrar mais investimentos públicos na educação básica e na capacitação dos estudantes", declarou Braga à DW Brasil.

A Educafro, entidade que promove a inclusão educacional de negros, também celebrou o resultado. Para o fundador e coordenador da instituição, frei Davi, o próximo passo é ampliar o número de universidade que adotam medidas inclusivas. "É impossível fazer política pública sem considerar a especificidade do povo negro", disse.

A representação das Nações Unidas no Brasil também se manifestou a favor da adoção de políticas inclusivas. Em carta divulgada nesta quinta-feira, a ONU lembrou os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados em 2009, segundo os quais cerca de 70% da população considerada pobre é negra, enquanto entre os 10% mais ricos, apenas 24% são negros.

"O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece os esforços do Estado e da sociedade brasileiros no combate às desigualdades e na implementação de políticas afirmativas para a consecução da igualdade de fato, consolidando, assim, o alcance dos objetivos de desenvolvimento do país", diz a carta.

A decisão

A reserva de vagas para negros e pardos em universidades federais não fere a Constituição brasileira e, segundo o STF, poderá ser aplicada em todo o ensino público. A corte anunciou a decisão unânime na noite desta quinta-feira, após dois dias de julgamento.

O ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo, declarou em seu voto que, apesar de a Constituição Brasileira dizer que todos são iguais perante a lei, há, ainda hoje, uma desigualdade na prática. Ele lembrou que o número reduzido de negros que exercem cargos de destaque é resultado do que chamou de "discriminação histórica" sofrida por esse grupo. Ações como o sistema de cotas nas universidades seriam, segundo ele, uma forma de compensar essa desigualdade.

A reserva de cotas faz parte das chamadas ações afirmativas que, para o relator, "são uma forma de compensar essa discriminação culturalmente arraigada, não raro praticada de forma inconsciente, e à sombra de um Estado complacente". O ministro ressaltou, entretanto, que essas medidas afirmativas não devem ter duração indefinida, mas devem ser adotadas durante o tempo necessário para corrigir as disparidades.

O sistema de cotas foi adotado pela primeira vez, em 2004, na Universidade de Brasília. Hoje, 20% das vagas oferecidas pela Universidade são reservadas para as pessoas que se inscrevem no programa de cotas e que preenchem os requisitos. Além de ser negro ou mestiço, o candidato precisa alcançar notas mínimas nas provas de admissão. Depois de aprovado, o aluno "cotista" recebe apoio para evitar a desistência.

Longa discussão

Na Universidade de Brasília (UnB), a medida foi adotado após cinco anos de debates e muitas críticas. O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB, Nelson Inocêncio, acompanhou as discussões desde o início e declarou, em entrevista à DW Brasil, que vários professores, na época, consideravam o problema da raça uma questão menos importante do que a pobreza, por exemplo.

"Ainda tem muito essa coisa no Brasil de achar que o grande problema social é a pobreza. Eu não tenho a menor dúvida de que a pobreza é um problema terrível, mas, lamentavelmente, aliados à pobreza há outros fatores de exclusão. Se você é pobre, você é excluído. Se você é pobre e negro, sofre uma dupla exclusão", analisou.

Para ele, estimular a presença de negros e pardos no ambiente universitário traz vários benefícios. Um deles seria a possibilidade de repensar as estruturas dos cursos e o conteúdo que é passado aos estudantes. Na visão do coordenador, os programas dos cursos são muito eurocêntricos. "Não podemos conhecer o Brasil apenas pelo legado deixado pelos povos europeus. Só podemos conhecer o Brasil aprendendo os legados deixados por todos os povos que construíram essa nação."

Na UnB, além da cota para negros, há também um acordo firmado em 2004 com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para o ingresso de dez indígenas por semestre.

Questionamento legal

A questão das cotas para estudantes negros foi discutida no STF porque o DEM alegou que a Universidade de Brasília estava ferindo vários pontos da Constituição com a medida, como o direito universal à educação. Além disso, o partido questionou a possibilidade de se estabelecerem padrões objetivos para identificar quem pertence ao grupo de mestiços, por exemplo.

A advogada do Democratas, Roberta Kaufmann, alegou, durante o julgamento, que a adoção de cotas podem trazer mais danos do que benefícios. Segundo ela, "se você não tem um critério preciso para definir, no Brasil, quem é o pardo e quem é o moreno, as consequências da implementação desta medida por meio de lei que vão criar categorias raciais no Brasil podem ser mais desastrosas do que os eventuais bônus que a política pode ocasionar". Segundo ela, há o risco de surgir um sentimento de culturas segregadas, em oposição a um sentimento de cultura nacional.

Autora: Ericka de Sá, de Brasília
Revisão: Alexandre Schossler

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