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Mozart no bordel escandaliza em Berlim

jp/re28 de junho de 2004

Muito sangue, cantores nus, homossexualismo, profanação de mortos - ingredientes perfeitos para provocar indignação e protestos dos fãs de ópera mais puristas. Tudo sob a direção de um espanhol, ex-aluno de jesuítas.

Encenação ousada, reações veementesFoto: dpa Zentralbild

O famoso diretor catalão Calixto Bieito provocou recentemente um escândalo considerável na Komische Oper, em Berlim, com a nova encenação do Rapto do Serralho, de Wolfgang Amadeus Mozart. Durante a estréia, parte do público abandonou enfurecido a sala de espetáculos. Gritos de protesto contra a decadência cultural vinham das galerias, enquanto as vaias abafavam a música.

Sexo, drogas e rap


Nada disso, entretanto, é novidade, em se tratando do controvertido diretor espanhol, hoje com 40 anos. Bieito já havia provocado no ano de 2001, em Salzburgo, um escândalo bem parecido. Para ele, a ópera de Mozart, composta em 1782, não é mais uma parábola sobre a força do amor vencendo fronteiras de religião e cultura.

Ao invés disso, ele transporta a história do rapto de Constança (Maria Bengtsson) e sua aia Blonde (Natalie Karl) do harém do paxá otomano para um bordel moderno, onde a prostituição forçada, o abuso de drogas e a violência non sense dão o tom. Ao lado do palco envolto em luz rosa (cenário de Alfons Flores, figurino, Anna Eiermann) projeções de vídeo com imagens de junkies completam o cenário.


Para Bieito, o paxá Selim (Guntbert Warns) não é o condescendente soberano da ópera de Mozart, que abdica de Constança em favor de seu libertador Belmonte (Finnur Bjarnason), mas sim um lascivo dono de bordel, atormentado por mil obscenidades.

Ex-aluno de colégio jesuíta, Bieito não interpreta a ópera de Mozart, com seu toque oriental, como um espetáculo multicultural datado do Iluminismo. Ele transfere para o centro do palco o jogo alternado de sexo e poder e os abismos insondáveis do desejo. E é exatamente este enfoque de Bieito que torna algumas cenas extremamente divertidas.

Brincadeiras obscenas


Como o momento em que o guarda do Serralho, Osmin (o barítono Jens Larsen), depois de tomar uma ducha, canta sua ária Wer ein Liebchen hat gefunden (Quem encontrou um amor), enquanto sua prostituta predileta lhe veste a cueca. Ou então quando Belmonte, vestido como um travesti, entra sorrateiramente no bordel, enquanto casais copulam ao ritmo dois por quatro – tornando aí a encenação realmente uma brincadeira obscena.

Guntbert Warns como Paxá Selim e Maria Bengtsson como Constança em cena de «Rapto do Serralho»Foto: dpa Zentralbild

Nem mesmo o texto do libreto original é seguido à risca. No decorrer da encenação, ouve-se trechos de rap e diálogos do filme Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci. Segundo a imprensa, Bieito cortou para a estréia algumas das cenas que ele considerava mais chocantes. O que, pelo visto, não foi suficiente, pois os jornais, já dias antes da estréia, noticiavam os ensaios, comentando sobre a "orgia de violência" e os "excessos sadomasoquistas".

Que falem mal de mim, mas falem ...

No fim, Belmonte e seu ajudante Pedrillo (Christoph Späth) massacram todos os visitantes e moradores do bordel. Constança acaba chegando à conclusão de que seu libertador é um verdadeiro monstro e sua única saída é o suicídio.

Após a estréia, a mídia alemã manteve-se dividida. Enquanto o tablóide Bild estampou a manchete "É com isso que é gasto o dinheiro do contribuinte?" – em alusão às verbas do Estado que financiam as produções da Komische Oper – , o diário Die Welt considerou a encenação "a mais importante do ano".

Certamente esta versão de Rapto do Serralho não serve para o deleite dos amantes de ópera mais puristas. Ao fim da estréia, um indignado Matthias Kleinert – responsável pelos patrocínios concedidos pela DaimlerChrysler à Ópera berlinense – declarou, em alto e bom som e a vários jornais, que está pensando em cortar as verbas anuais que fluem dos cofres da montadora para a Komische Oper. "Achei o sexo excessivo e a violência absolutamente inaceitáveis", disse ao Bild.

Andreas Homoki, o diretor da casa, não tem dúvidas de que tudo é melhor que a indiferença. Após sua última temporada pálida, a Komische Oper registrou um sensível aumento na venda de entradas, depois que fotos e mais fotos da encenação de Bieito iam sendo divulgadas antes mesmo da estréia. "Acho que foi a primeira vez na história que o Bild (tablóide popular mais lido da Alemanha) dedicou sua primeira página inteiramente a uma estréia teatral", observou Homoki com uma pontinha de orgulho.

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