Ex-presidente é acusado de atuar em esquema para liberar verba do BNDES em obras no país africano. Marcelo Odrebrecht e outros nove também são alvos da ação. Defesa fala em "perseguição política".
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O Ministério Público Federal (MPF) enviou nesta segunda-feira (10/10) à Justiça uma nova denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e corrupção passiva. A ação envolve ainda outras dez pessoas.
Para os investigadores, Lula teria atuado junto ao BNDES para garantir a liberação de financiamento para a realização de obras de engenharia em Angola, executadas pela construtora Odebrecht. Em retribuição, a empresa teria pago mais de 30 milhões de reais aos envolvidos, afirmou o MPF.
Entre os outros denunciados estão Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora, e Taiguara Rodrigues dos Santos, sobrinho da primeira esposa de Lula e sócio da empreiteira Exergia Brasil.
Segundo a denúncia, a participação de Lula no esquema ocorreu em duas fases: na primeira, entre 2008 e 2010, ele ainda ocupava a presidência da República e, na condição de agente público, teria praticado o crime de corrupção passiva; na segunda, entre 2011 e 2015, já sem mandato, Lula teria cometido delito de tráfico de influência em benefício dos envolvidos.
O MPF ainda pede que o petista responda pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro – este último, segundo os investigadores, foi praticado 44 vezes entre 2008 e 2015. De acordo com a denúncia, parte da lavagem de dinheiro foi viabilizada por meio de repasses de valores justificados pela subcontratação da empresa Exergia Brasil, fundada por Rodrigues em 2009.
A Polícia Federal (PF), ao indiciar Lula na semana passada, afirmou que a empreiteira de Rodrigues foi criada apenas para receber o dinheiro, sem prestar serviços. A Odebrecht era a única cliente da Exergia Brasil, que nunca teve estrutura nem funcionários para realizar os serviços contratados.
Outra constatação do MPF é a de que parte dos pagamentos indevidos se concretizou por meio de palestras supostamente ministradas pelo ex-presidente a convite da construtora. Nesse caso, a contratação foi feita por meio da empresa LILS Palestras, criada por Lula no início de 2011.
Em rede social, a assessoria do petista disponibilizou um relatório com todas as 72 palestras ministradas por Lula entre 2011 e 2015. "Tentar criminalizar uma atividade que é realizada por diversos outros ex-presidentes só se justifica por uma perseguição política", diz a postagem.
A denúncia apresentada nesta segunda-feira foi baseada na Operação Janus, que apura irregularidades no financiamento do BNDES para obras da Odebrecht em Angola.
Se a ação for aceita pela Justiça Federal, os envolvidos passam à condição de réus e vão responder pelos crimes. No caso de Lula, as penas máximas somadas chegam a 35 anos de reclusão, além de multa. Já o empresário Odebrecht, se condenado, poderá pegar ao menos 30 anos de prisão.
Além desta última denúncia do MPF, o ex-presidente é réu em dois processos, um no Distrito Federal e outro sob comando do juiz Sérgio Moro, no Paraná, e é alvo de investigação em outros dois inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal, todos relacionados à Operação Lava Jato.
"Inimigo número 1"
Nesta segunda-feira, os advogados de Lula protocolaram na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba quatro peças de defesa, pedindo, entre outros pontos, o afastamento de Moro e dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato dos processos que tramitam contra ele na Justiça Federal do Paraná.
Em coletiva de imprensa em seu escritório em São Paulo, o advogado Cristiano Zanin Martins voltou a negar a participação de Lula em esquemas de corrupção e acusou o MPF de eleger o petista "como inimigo em um cenário de guerra".
Martins declarou que, dado "o histórico de ações de policiais federais e procuradores", há uma tentativa em curso de "excluir Lula das eleições de 2018, não pelo voto, mas por uma condenação".
"Os vícios do processo permitem que se identifique, no 'caso Lula', uma situação definida por estudos internacionais recentes como lawfare, ou seja, o uso das leis e dos procedimentos jurídicos como arma de guerra para perseguir e destruir o inimigo. Há muito Lula foi definido como o inimigo número 1 a ser banido do cenário político brasileiro", acrescentou a defesa, em nota.
Sobre a denúncia do MPF desta segunda-feira, o advogado do ex-presidente disse ainda não ter "conhecimento dos termos da denúncia", mas garantiu que os pagamentos da Odebrecht recebidos por Lula se referem às palestras que ele ministrou. "Toda a documentação está disponível para o público. Não se pode fazer paralelo entre estas palestras e o BNDES", afirmou.
EK/abr/lusa/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
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O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.