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HistóriaAlemanha

"Muitos foram movidos pelo desejo de uma vida melhor"

13 de abril de 2004

Em entrevista concedida em 2004, professor Telmo Lauro Müller fala sobre os motivos que levaram muitos alemães a trocarem a Alemanha pelo Brasil no século 19.

Professor Lauro Müller, no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, o qual dirigeFoto: presse

A maior parte dos primeiros imigrantes alemães no Brasil era de camponeses. Mas também vieram muitos artesãos que contribuíram para o início da industrialização no Sul do país. Tanto uns quanto outros procuravam no Brasil condições para progredir que não encontravam mais na Alemanha, explica o historiador Telmo Lauro Müller, autor de mais de 20 livros sobre a colonização alemã no Brasil, que está completando 180 anos em 2004.

Em sua recente viagem à Alemanha, para divulgar as comemorações dos 180 anos da imigração alemã no Brasil, o professor e diretor do Museu Histórico de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, conversou com a DW.

DW-WORLD: Por que o Império brasileiro escolheu justamente imigrantes alemães para colonizar o Sul do país e, assim, garantir as fronteiras?

Prof. Telmo Müller: Portugueses e seus descendentes já estavam no país e, além do mais, o Brasil declarara sua independência. Imigrantes espanhóis não vinham ao caso porque os espanhóis eram os inimigos no sul, contra os quais se tinha de defender as fronteiras. Os franceses antes atacaram o Rio de Janeiro, tentando fundar ali a França Antártica. Os ingleses também haviam tentado se estabelecer no Brasil, e os holandeses mantiveram o Nordeste ocupado por 24 anos.

Por que não os alemães? A imperatriz Leopoldina era filha do imperador da Áustria, mas era alemã, da dinastia dos Habsburgo. Leopoldina sabia que sua antepassada, a imperatriz Maria Tereza, ordenara a colonização ao longo do Rio Danúbio para conter o avanço dos turcos em direção ao Centro da Europa.

A situação no Sul do Brasil era parecida. Achava-se que a colonização desses territórios contribuiria para firmar a estabilidade geopolítica. A Prússia, da qual resultaria depois a Alemanha, possuía um exército, e dom Pedro 1º admirava o exército prussiano. O Brasil precisava de soldados, pois quem iria defender o Brasil, depois da independência? Dom Pedro estava interessado em mercenários alemães, mas, possivelmente para não expor sua intenção, decidiu chamar colonos para povoarem o Sul.

O que o governo brasileiro fez para atrair colonos alemães no século 19?

Houve vários incentivos. O governo brasileiro procurou atrair gente pagando a viagem, prometeu terras, sementes, gado, suprir o necessário no início, material de construção, ferramentas, prometeu também o gozo de todos os direitos civis, isenção de impostos por cinco anos e liberdade de crença.

No Brasil diz-se que, quando a esmola é muita, o santo desconfia. Os alemães só foram desconfiar de tantas promessas quando era tarde demais. No caso de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, as parcelas dos primeiros imigrantes ficavam a 30 ou 40 quilômetros do local onde eles eram deixados no litoral. E não havia estradas, nem ruas, nem escolas, nem nada, o que deve ter causado muito trabalho e lágrimas, no início.

E, no que diz respeito à liberdade religiosa, o governo deveria ter previsto que viriam muitos protestantes entre os colonos. Acontece que, pela Constituição do Império, de 1824, o catolicismo era a religião oficial. Ou seja, a liberdade de confissão prometida aos colonos era inconstitucional. Por isso, os cultos de outras religiões só podiam se realizar em recinto privado, em casas que, por fora, não tivessem caráter de igreja.

E que motivo tinham os alemães para deixar seu país e ir desbravar regiões inóspitas no Brasil. Não terá sido apenas o espírito de aventura?

Certamente os mais jovens tinham esse espírito. No fundo, ninguém pode dizer exatamente o que motivou essas pessoas. Muitas certamente foram movidas pelo desejo, muito humano, de progredir, de levar uma vida melhor, o que não era possível em seu país naquela época. Nas famílias alemãs, apenas o filho mais velho herdava. Mas era comum terem oito, dez ou até mais filhos.

A propaganda do governo brasileiro despertou muita esperança nos camponeses alemães. Possuir terras era um sonho para muitos. E que terras! Sessenta ou 70 hectares eram uma quantidade impressionante.

Depois é preciso ver as razões históricas. As guerras napoleônicas haviam levado miséria e caos à Alemanha na época da emigração para o Brasil. As lavouras eram destruídas, casas incendiadas, morte, os homens foram dizimados, as mulheres violentadas pelos soldados. A Renânia, a região do Rio Reno, de onde emigraram muitos, sempre havia sido palco de conflitos e guerras. A agricultura era a principal atividade nas primeiras colônias alemãs no Rio Grande do Sul e outros estados do Brasil.

Mas foram somente camponeses que se mudaram para o Brasil?

Além de agricultores, foram também artesãos. A emigração começou em 1824, isto é, 70 anos após a invenção da máquina a vapor na Inglaterra, e seus efeitos aos poucos se faziam notar no continente europeu: a mão-de-obra tornou-se supérflua. A perspectiva de não ter trabalho deve ter pesado entre as razões de emigração.

Posteriormente, pudemos reconhecer que esses artífices que ficaram sem possibilidades na Alemanha foram de grande importância para o início da industrialização no Sul do Brasil. Eles trabalhavam com couro, ferro, madeira e os mais diversos materiais. Muitos sobrenomes alemães que encontramos no Brasil são designação de ofícios: Schmidt é Schmied, o ferreiro; Weber é o tecelão; Zimmermann é o carpinteiro; Müller, o moleiro.

O trabalho desses artesãos era muito apreciado. Aurélio Porto, que escreveu O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul, diz que a palavra serigote, que significa uma sela rústica, vem do sehr gut (muito bom) do alemão, pois o trabalho alemão acabou sendo apreciado pelos gaúchos de São Francisco, a parte de cima da serra. Com seu trabalho, os artesãos constituíram a base, o ponto de partida para a industrialização no Rio Grande do Sul. Dai não é de se admirar que muitas indústrias tenham se concentrado no Vale do Sinos.

Por onde se espalharam os alemães no Brasil?

A Deutsche Kolonie de São Leopoldo se estendia de Sapucaia do Sul até Campo dos Bugres, hoje Caxias do Sul, no norte, e de Taquara, no leste, até Montenegro, no oeste. Com a chegada de mais imigrantes, surgiram novas colônias e povoações nos vales dos rios Taquari (Estrela, Lajeado, Teutônia e outras), Pardo e Pardinho (Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Candelária) e no sul do Estado (São Lourenço). Essas e outras são chamadas povoações da "segunda geração".

No final do século 19 e começo do século 20, os imigrantes se concentraram na Serra, em lugares como Ijuí, Santa Rosa, Panambi, Cerro Largo e muitos outros. Depois começaram a se expandir pelo Brasil, através de seus descendentes de segunda, terceira e quarta geração.

Os que vieram do Rio Grande povoaram a parte oeste de Santa Catarina, depois de atravessar o Rio Uruguai. Alguns seguiram para o Paraná e de lá muitos foram para o Mato Grosso. Hoje eles já chegaram em Rondônia. Por isso não é raro encontrar gente loira de olhos azuis, tomando chimarrão e falando alemão bem no norte do Brasil.

A década de 30 foi difícil para os alemães no Brasil, não somente por causa da nacionalização de Getúlio Vargas...

Fachada do Museu Histórico Visconde de São LeopoldoFoto: presse

Foi a época das ditaduras: Salazar em Portugal, Mussolini na Itália, Stalin na Rússia, Hitler na Alemanha e Vargas no Brasil. A ideologia de Hitler encontrou adeptos em vários lugares, e o próprio Getúlio chegou a simpatizar com ela.

Havia agentes nazistas que tentaram ganhar adeptos entre a colônia alemã, não apenas no Rio Grande do Sul, como também em outros estados. Mas daí a concluir que os colonos alemães e seus descendentes eram nazistas, não tem cabimento.

Vargas tentou combater a propaganda nazista com sua campanha de nacionalização. Ao mesmo tempo, ele queria limitar qualquer influência política dos alemães. Falar alemão em público foi proibido. Meu pai, por exemplo, foi chamado à delegacia por ter dito Guten Morgen (bom dia), ao cumprimentar alguém na rua. E havia quem denunciasse isso.

A polícia também chegava na casa das pessoas e dava fim em tudo o que estivesse escrito em alemão. Até bíblias foram confiscadas nessa época, e houve quem destruísse aqueles pratos de parede que as famílias alemãs tinham com os dizeres Glaube, Liebe, Hoffnung (Fé, amor, esperança), só para evitar problema.

No Museu Histórico de São Leopoldo, eu tenho alguns desses panôs bordados com dizeres em alemão, que se colocava na cozinha, geralmente em cima do fogão. Pois uma vez veio uma senhora visitar o museu e me disse: "Se eu soubesse que isso um dia ia parar num museu, eu teria guardado. O meu virou capacho quando o alemão foi proibido."

Essa época foi difícil, pois os jornais foram proibidos, cultos e missas em alemão também, assim como reuniões nas associações que os alemães fundaram, de canto, ginástica e atiradores. Mas o pior de tudo foi o fechamento das escolas, pois eram centenas, e o governo não tinha condições de assumir de uma vez todos esses alunos, foi um caos.

Não se perdeu o idioma alemão com isso, as tradições?

As tradições alemãs sofreram muito e, onde antes havia bailes, festas, teatro e cantoria, se estabeleceu o silêncio e o medo. Uma geração inteira ficou sem conhecer suas raízes, o que é importante como orientação e para a identidade. Muitos esqueceram o alemão que sabiam, ou nem aprenderam a língua, o que é uma perda irreparável. Durante a Segunda Guerra isso se acentuou mais ainda.

Somente depois é que a vida nas regiões de colonização alemã tornou a voltar ao ritmo normal. Calcula-se que um quinto dos gaúchos falem alemão, uns falam bem, outros só um pouco. Há quem fale também o dialeto do Hunsrück, que eu aprendi na minha família, mas isso infelizmente está se perdendo, tanto o alemão como o dialeto. Hoje o alemão também é ensinado nas escolas públicas.

Mas, a bem da verdade, é preciso dizer que, na época da guerra, muitas autoridades no interior do Estado conheciam as comunidades alemãs, sabiam que todos ali eram bons cidadãos brasileiros, cujo único crime era a sua origem alemã, e por isso reagiram com muita moderação. Os poucos demagogos que aderiram à funesta ideologia, e que provocaram tudo isso, nunca pagaram por aquilo que fizeram.

Entrevista originalmente publicada em 2004

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