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Mulher, negra e eleitora de Bolsonaro

5 de outubro de 2018

Para o colunista Philipp Lichterbeck, esta eleição tem algo de autodestrutivo: grande parte do Brasil celebra um homem que incita o ódio e a violência. Parece que esses momentos sempre se repetem na história.

Partidário com uma camisa com o rosto de Bolsonaro
Partidário com uma camisa com o rosto de Bolsonaro Foto: Reuters/P. Whitaker

Conheço uma mulher negra, ela tem 39 anos, é mãe solteira e moradora de Paracambi, município do interior do estado do Rio de Janeiro. Ela vai votar em Jair Bolsonaro.

Eu perguntei: como ela pode votar em alguém que a despreza? Como mulher e como negra? Eu citei para ela algumas das muitas monstruosidades que Bolsonaro falou desde que entrou na política. Na Alemanha, ele não estaria no Congresso, mas na cadeia. Por incitamento ao ódio e à violência. Afinal, todo mundo sabe que Bolsonaro tem um problema com mulheres, negros, refugiados, indígenas, opositores políticos e homossexuais. Por quê? Isso é matéria para debates de psicólogos.

Mas minha conhecida não consegue me explicar plausivelmente a decisão dela de votar em Bolsonaro. Não há lógica por trás disso. Mas ela tem um sentimento. Ele é difuso e mais forte do que todas as dúvidas: "O Brasil não pode seguir assim." A frase é ouvida frequentemente nestes dias, como na fila do restaurante a quilo, quando de repente um diz: "Bolsonaro vai colocar em ordem a porra deste país."

Bolsonaro une a raiva e o medo de muitas pessoas. Elas estão com raiva da classe política corrupta e têm medo da criminalidade que se prolifera. Além disso, elas sofrem com a crise econômica, com 13 milhões de desempregados. Elas estão de saco cheio.

Minha conhecida pertence a elas. Isso a torna suscetível às soluções tão simples e radicais de Bolsonaro. Ela diz que os criminosos no Brasil têm mais direitos que as vítimas do crime. E que isso é culpa dos direitos humanos. Ela diz que Brasília é um chiqueiro que tem que ser limpo. Ela não é evangélica, mas é contra a educação sexual nas escolas. Ela não entende o movimento #elenão, e não entende o feminismo, porque ela diz que feministas são mulheres que não raspam as axilas. Mas ela está convencida que Bolsonaro vai consertar este mundo que saiu dos trilhos.

Assuntos da economia quase não interessam à minha conhecida. Ela nunca ouviu falar do modelo de impostos de Bolsonaro. Embora este possa significar uma desvantagem imensa para ela, que ganha pouco. Ele teria um efeito real na vida dela. Ela também seria afetada negativamente pelo fim do regime de cotas para negros, que poderia ajudar a filha dela a chegar à universidade.

Minha conhecida vota contra seus próprios interesses.

Esse fenômeno pode ser encontrado atualmente em todo o mundo. Como no leste da Alemanha, onde muitas pessoas votam no xenófobo e neoliberal partido AfD, embora lá quase não haja estrangeiros. Ou nos EUA, onde o bilionário e inimigos dos sindicatos Donald Trump é eleito por pobres e operários.

Bolsonaro usa uma tática aperfeiçoada no mundo todo pela direita. Ele transforma bagatelas em enormes escândalos. Um exemplo: o "kit gay". Bolsonaro pode falar sobre ele durante horas, ao mesmo tempo evitando questões muito mais importantes. Como, por exemplo, como ele quer regular a relação entre trabalho e capital. Então seria revelado que Bolsonaro, que supostamente representa o povo honesto e trabalhador, é um homem do grande capital e das federações de empregadores. Basta dar uma olhada no programa de seu guru para a economia, Paulo Guedes.

Num governo Bolsonaro, os ricos se tornariam mais ricos, e os pobres, mais pobres. É exatamente isso que acontece em todo sistema fascista. Um líder combate bodes expiatórios (esquerdistas, homossexuais, feministas, ativistas dos direitos humanos, refugiados, etc). Eles são responsabilizados por todos os males desse mundo. Ao mesmo tempo, a exploração dos trabalhadores é intensificada. Por exemplo, através da restrição dos sindicatos, algo também pretendido por Bolsonaro.

Minha conhecida trabalha como corretora numa imobiliária, mas só recebe quando assina um contrato de venda. Ou seja: ela dá de presente à empresa grande parte de seu tempo. É a exploração perfeita. E é um modelo que neoliberais como Paulo Guedes têm em mente.

Para mim, esta eleição tem algo de autodestrutivo. Grande parte do Brasil celebra um homem com diarreia verbal. Parece que esses momentos sempre se repetem na história. Na Alemanha, nos anos 30. E nos EUA sob Trump. As pessoas correm esgoeladas atrás daqueles que as conduzem à ruína. Homens que são narcisistas e cínicos e superestimam a si próprios.

De certa forma, posso entender as motivações de minha conhecida. Ela quer fazer tábula rasa. Todos os criminosos e corruptos têm que sumir. Minha conhecida diz: "O Brasil precisa de uma faxina geral." Espero que ela não se arrependa. Porque, se Bolsonaro governar como ele fala, o Brasil vai afundar no caos.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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