Debate
21 de fevereiro de 2007Estrangeiros, que têm uma imagem da Alemanha como um país liberal e moderno, ficam sempre de queixo caído ao acompanhar as discussões sobre o que se costuma chamar de "imagem da família" e "papel da mulher" na sociedade. Pois em pleno ano de 2007, os políticos da conservadora União Democrata Cristã (CDU) rebelam-se contra uma ministra do próprio partido, depois que esta sugeriu aumentar o número de vagas nas creches do país.
Conciliar maternidade e profissão, por incrível que pareça, continua sendo um "drama" na Alemanha. Uma situação há muito superada em outros lugares do mundo, inclusive na maioria dos países europeus.
Alerta da ONU
A gravidade da situação fez com que a CEDAW (Convenção sobre a Eliminação da Discriminação da Mulher) das Nações Unidas alertasse, em 2005, o governo alemão sobre as preocupações a respeito da "perpetuação dos atuais estereótipos e visões conservadoras acerca das tarefas a serem desempenhadas pelo homem e pela mulher na sociedade alemã".
"Do lar" x "mãe-corvo"
Em termos de altas posições, tanto no empresariado quanto em profissões ligadas à pesquisa, a Alemanha chega a ser a lanterninha do ranking europeu. Situação semelhante acontece quando se fala do pagamento.
Até hoje, as mulheres na Alemanha recebem salários menores para desempenhar as mesmas funções que seus colegas do sexo masculino. O que, em muitos casos, costuma acarretar a dependência econômica destas mulheres de seus parceiros. E isso, há de se lembrar, num contexto em que as mulheres da atual geração, se comparadas às suas mães ou avós, são as que receberam a melhor educação formal.
A imagem da mulher como "do lar" continua, para o assombro das vizinhas francesas ou escandinavas, ainda atual no país. O contraponto à dona-de-casa que passa a vida cuidando dos filhos é o que os alemães costumam chamar de Rabenmutter (mãe-corvo, numa associação à fêmea do animal, que abandona seus filhos). O rótulo é destinado geralmente a mulheres que simplesmente deixam seus filhos em creches e vão trabalhar.
Exemplo francês
Mesmo percebendo que crianças de incontáveis outros países crescem freqüentando creches e nem por isso ficam com "seqüelas" na idade adulta, parte da sociedade alemã insiste em continuar acreditando que uma criança de até três anos de idade só deve ficar sob os cuidados da própria mãe.
Teoricamente, o discurso oficial é o de que ela deveria ficar "com os pais". A realidade, porém, é outra, pois os homens quase nunca abdicam de suas profissões em função dos filhos.
Efeitos econômicos
O assunto, embora de suma importância, foi sendo por décadas ignorado no país. Até o momento em que os efeitos econômicos que resultam dessa situação se tornassem nítidos. Com tamanhas dificuldades para continuar trabalhando após ter filhos, muitos optam por não tê-los.
Isso desencadeia um problema demográfico grave: a redução da população, o excesso de idosos num futuro próximo e a superação da economia alemã – hoje a mais forte da União Européia – pela francesa. Um cenário previsto para a partir do ano de 2025.
Pois enquanto a taxa de natalidade na Alemanha é de 1,3 criança por casal, os franceses têm, em média, mais de dois filhos – uma posição que coloca o país entre os mais férteis da Europa. Os altos índices de natalidade são oficialmente fomentados por programas governamentais de apoio a mães e pais, com ofertas de escolas de período integral e creches subsidiadas para crianças abaixo de três anos.
Resistência interna
O interessante é que o impulso para a criação de 500 mil novas vagas em creches para os menores de três anos – adicionais às atuais 250 mil em todo o país – partiu exatamente de uma ministra da conservadora União Democrata Cristã (CDU). Ursula von der Leyen, mãe de sete filhos, desencadeou uma verdadeira crise em seu próprio partido com a mera sugestão de aumentar as vagas nas escolinhas no país até o ano de 2013.
Senhores de terno e gravata, acostumados a entregar a educação dos filhos os filhos às mulheres que abdicam de suas vidas profissionais, reclamam que não se pode "discriminar donas-de-casa" no país.
Isso enquanto a sugestão da ministra prevê simplesmente aumentar a oferta de lugares nas creches, longe de obrigar qualquer cidadã do país a deixar o fogão e as fraldas. Mesmo porque, segundo estatísticas oficiais, apenas um terço dos pais no país têm intenção de enviar seus filhos a um jardim-de-infância antes que estes completem três anos de idade.
Estereótipos resistem
O problema é mais grave nos estados da ex-Alemanha Ocidental, pois a infra-estrutura deixada pelo regime comunista no lado oriental do país foi mantida, fazendo com que 78% das crianças acima de dois anos na região tenham um lugar numa escolinha. Ao contrário dos míseros 17% nos Estados ocidentais.
Apesar das intenções da atual ministra, é possível que tudo continue na mesma até que haja, sabe-se lá quando, um abandono dos estereótipos relativos aos papéis desempenhados pelo homem e pela mulher.
De fato, os conservadores que se opõem à existência das creches não têm qualquer postura condizente com a atualidade, comenta o diário Frankfurter Rundschau. "A imagem que eles têm é uma quimera, uma miragem distante de qualquer realidade e de todas as formas contemporâneas de convivência em pleno ano de 2007", finaliza o jornal.