No evento Soapbox Science, mulheres sobem em caixotes de madeira em espaços públicos para falar de ciência e combater a desigualdade de gênero. Em edição da iniciativa em Berlim, cientista brasileira se destaca.
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No mesmo espaço onde uma multidão se reúne todo mês de fevereiro para ver de perto celebridades que participam da Berlinale, o festival de cinema de Berlim, oito mulheres, divididas em dois grupos, se preparam para dialogar com uma plateia desconhecida. Elas são pesquisadoras e estão ali para falar de ciência.
Quatro pequenos caixotes de madeira posicionados perto da entrada do cinema servirão de palco para as cientistas. Elas usam um jaleco branco com uma silhueta feminina estampada, são de áreas de estudo e de países diferentes e aparentam calma. Quando começam a falar, espectadores de todas as idades se amontoam ao redor das caixas.
As apresentações são simultâneas: as pesquisadoras falam em inglês, respondem perguntas, repetem tudo em alemão, falam com as mãos. Uma hora depois, é a vez do segundo time assumir o "palco".
É assim que funciona a Soapbox Science, uma iniciativa para levar ciência feita por mulheres a espaços e públicos diversos. Na capital da Alemanha, ela é realizada pela segunda vez dentro da programação da Berlin Science Week, que se estende até o dia 10 de novembro, com mais de 50 eventos e que, segundo os organizadores, é como a "Berlinale da Ciência".
Sobre a caixa de madeira do canto direito, Mariana Cerdeira tira do bolso do jaleco uma fita de DNA feita por ela mesma com canudos e fita isolante, bolas de borracha, letras impressas num papel sulfite. São recursos que ajudam a brasileira a explicar como funciona a terapia gênica, método em estudo para tratar doenças, como câncer, por meio de transferência de material genético. Formada em Biomedicina, a cientista está prestes a finalizar o doutorado em Neurociência na Universidade de Medicina Charité, em Berlim.
"Eu gosto de falar sobre ciência, e a razão para fazer ciência é beneficiar a sociedade", diz Cerdeira. "Também precisamos quebrar os esteriótipos, mostrar principalmente para crianças e adolescentes que mulheres podem ser e são cientistas", complementa.
Falta de equilíbrio
Entre as perguntas feitas após a apresentação da pesquisadora estão as de dois estudantes alemães, de 17 anos. Eles vieram com a professora de Química, a brasileira Camila Bujaelos.
"É importante para os alunos saber que existe demanda por mulheres na ciência. Na nossa escola, duas das três disciplinas de ciência são dadas por professoras", comenta. "Nós também incentivamos as meninas a pensar em carreiras científicas. Na Europa, os salários e o reconhecimento são maiores que no Brasil", diz.
Mulheres: há cerca de 3 mil anos na ciência
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As dificuldades para as cientistas começam a se agravar depois do doutorado, opina a bióloga Ana Isabel Soares Faustino. "É quando a concorrência por uma posição permanente fica mais acirrada, e fica mais difícil para elas. Os cargos de chefia e os grupos de pesquisa são ocupados, na maioria das vezes, por homens. E as decisões acabam não sendo equilibradas."
Faustino, de origem portuguesa, é uma das organizadoras da Soapbox Science em Berlim, ideia trazida por mulheres de Portugal, Alemanha e Brasil à capital alemã em 2013. O grupo é formado por doutorandas e pesquisadoras de várias nacionalidades e conta também com um homem.
"Nessa fase da carreira, é importante dar visibilidade ao trabalho que elas fazem, mostrar que há muitas pesquisadoras competentes", explica. "Nós só queremos a igualdade, um equilíbrio (em números) nos postos de trabalho. Para que as decisões também sejam tomadas de forma equilibrada", justifica Faustino.
Conscientização sobre diferença de gênero
O evento nesse formato ainda não chegou ao Brasil. Embora o número de mulheres nas universidades do país seja expressivo, estudos apontam uma presença minoritária delas em áreas como ciências exatas e engenharias.
Na Alemanha, dados oficiais do governo mostram que as mulheres eram quase metade (45%) do total que concluiu um doutorado em 2014. Por outro lado, elas ocupam apenas 22% das vagas de professores em universidades do país.
No Reino Unido, onde a iniciativa Soapbox Science nasceu, a proporção de mulheres atuando em pesquisa de ciência, tecnologia, engenharia e matemática diminuiu de 22% para 21% desde 2015, escreveram Seirian Sumner e Nathalie Pettorelli, fundadoras do movimento.
Os caixotes da Soapbox Science começaram a ganhar as ruas em 2011, em Londres. O formato foi inspirado num ponto tradicional da capital inglesa, Speaker's Corner, no Hyde Park. No local de total liberdade de expressão, pessoas comuns podem, há mais de um século, fazer qualquer tipo de discurso subindo num caixote – chamado de soapbox.
"O objetivo do Soapbox Science é aumentar a visibilidade das mulheres na ciência e aumentar a conscientização sobre a atual diferença de gênero na pesquisa de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Ainda precisamos disso", resumem as fundadoras.
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Marie Curie, a primeira mulher a ganhar o Nobel
Há 150 anos nascia cientista que foi pioneira na pesquisa da radioatividade. Num período em que a ciência era dominada pelos homens, ela também foi a primeira pessoa a ser laureada com dois prêmios Nobel.
Foto: imago/United Archives International
Filha de educadores
Maria Salomea Sklodowska (no meio da foto, ao lado dos irmãos mais velhos Zosia, Hela, Josef e Bronya), mais tarde conhecida como Marie Curie, nasceu em 7 de novembro de 1867 em Varsóvia, quando a Polônia ainda fazia parte do Império Russo. O pai, Vladislav, era professor de matemática e física, e a mãe, Bronislava, era diretora de um colégio interno para meninas.
Foto: imago/United Archives International
Morte da mãe
A mãe, Bronislava, estudou no mesmo colégio interno para meninas onde mais tarde foi professora e diretora. Quando ela morreu, Maria tinha 13 anos.
Foto: imago/United Archives International
Melhor da classe
Maria terminou o ensino médio em 1883. Aos 15 anos, foi a melhor da classe. Mas naquela época a universidade era tabu para garotas na Polônia. Como seu pai não podia financiar um curso no exterior, ela dava aulas particulares a filhos de famílias ricas e ensinava filhos de camponeses a ler e escrever. Enquanto isso, frequentavas cursos organizados clandestinamente.
Foto: picture-alliance/dpa
Estudo em Paris e descoberta da radioatividade
Em 1891, ela se mudou para Paris, para estudar Física na Sorbonne. Na época, havia 23 mulheres entre os 1.825 estudantes da universidade. Foi nesse período que começou a ser chamada de Marie. Embora tivesse dificuldades com o idioma, ela passou em todas as provas. Em 1896, ela descobriu com o colega Henri Becquerell que o sulfato de potássio e uranila provocava manchas em chapas fotográficas.
Foto: picture-alliance/dpa
Paixão pelo colega de pesquisas
Em 1894, ela conheceu Pierre Curie, que então chefiava o laboratório de pesquisas da Escola Superior de Física e Química Industrial de Paris. A paixão comum pela pesquisa os aproximou tanto que eles se casaram em 26 de julho de 1895.
Foto: imago/Leemage
Pesquisas com substâncias radioativas
Marie continuou pesquisando a radioatividade. Entre outros, com este equipamento, o eletrômetro piezoelétrico, que pode medir a condutividade elétrica do ar contendo o elemento rádio. Em 1898, Marie e Pierre, usando um espectroscópio, conseguiram provar a existência do Polônio. O nome da substância é uma homenagem ao país natal de Marie.
Foto: imago/United Archives International
A tese de doutorado
Em 1903, Marie Curie publicou sua tese de doutorado sobre substâncias radioativas, o que causou grande alvoroço na comunidade científica. Em questão de um ano, a tese foi traduzida para cinco idiomas e publicada 17 vezes. Nesta época começam a se manifestar no casal Curie os primeiros sintomas pela forte exposição à radiação.
Foto: gemeinfrei
O Nobel de Física
Ainda em 1903, o casal Curie recebeu o Prêmio Nobel de Física, "em reconhecimento aos extraordinários serviços que desenvolveram com suas pesquisas conjuntas sobre os fenômenos da radiação descobertos pelo professor Becquerel".
Foto: gemeinfrei
Duas órfãs de pai
A primeira filha de Marie, Irene, nasceu em 1897. A segunda, Ève, nasceu em 1904. O pai, Pierre, morreu dois anos mais tarde, atropelado por uma carruagem. Por recomendação da faculdade, Marie Curie assumiu a direção do laboratório dirigido pelo marido.
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Pioneira não só na pesquisa
Marie foi a primeira mulher no mundo a receber, em 1908, uma cátedra de Física. Ela lecionou no Instituto do Rádio, fundado por ela e o marido em Paris. O instituto foi fundamental na definição de padrões internacionais de medição da radioatividade. Em homenagem ao casal, a unidade de medida chama-se curie. Em 1911, ela ganhou o Nobel de Química pela descoberta dos elementos rádio e polônio.
Foto: Getty Images/Three Lions
Contribuição durante a 1ª Guerra
Durante a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, Marie dedicou-se em seu instituto a pesquisas para a medicina. Ela desenvolveu, por exemplo, unidades móveis de raio X, que os paramédicos podiam usar na frente de batalha. Na foto, aparecem Marie e a filha Irene com a Força Expedicionária Americana.
Foto: imago/United Archives International
Visita aos Estados Unidos
Em 1920, ela viajou aos Estados Unidos. A imprensa da época a celebrou mais como curandeira do que como pesquisadora. Além de visitar a Casa Branca (na foto, com o então presidente Warren Harding) e fazer um programa turístico, ela fez palestras a universitários e visitou institutos de pesquisa e empresas químicas.
Foto: imago/United Archives International
Empenho pela cooperação internacional
Durante a viagem, Marie Curie recebeu nove títulos honoris causa de universidades americanas. De volta à França, ela usou a fama para apoiar a recém-formada Liga das Nações e solicitar uma maior cooperação internacional no campo da pesquisa. Entre outras coisas, ela defendia diretrizes vinculativas para publicações, a proteção de direitos autorais e bolsas de estudo.
Foto: imago/United Archives International
Filha também ganhou Nobel
Marie morreu em 4 de julho de 1934, deixando a uma das filhas a paixão pela pesquisa. Irene, a mais velha, também se tornou uma física famosa. Na foto de 1963, ela aparece ao lado do marido, Jean-Frederic Joliot-Curie. Ambos receberam o Nobel de Química de 1935 pela descoberta da radioatividade artificial.