Mundo perdeu uma Holanda em florestas tropicais em 2020
31 de março de 2021
Área de 4,2 milhões de hectares de mata intocada foi destruída no ano passado, o que representa uma alta de 12% em relação a 2019, aponta Global Forest Watch. Brasil respondeu por mais de um terço das perdas.
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Apesar da desaceleração econômica global provocada pela pandemia do coronavírus, a destruição das florestas tropicais se acelerou ainda mais no ano passado. Segundo um estudo publicado nesta quarta-feira (31/03) pela plataforma online Global Forest Watch (GFW), um total de 4,2 milhões de hectares de florestas primárias tropicais úmidas foram destruídos em todo o mundo em 2020. As dimensões correspondem à área da Holanda e representam um aumento de 12% ao que foi destruído relação ao ano anterior.
As maiores perdas foram observadas no Brasil, cuja destruição por fogo ou desmatamento alcançou 1,7 milhão de hectares – uma extensão três vezes maior do que o segundo colocado na lista, a República Democrática do Congo, com 490 mil hectares. Segundo a organização não governamental, citando dados de satélites, a área destruída no Brasil representa um aumento de 25% em relação a 2019.
Os mais de 4 milhões de hectares de florestas tropicais destruídos em 2020, ecossistemas cruciais para a biodiversidade do planeta e para o armazenamento de carbono, acabaram por libertar 2,64 gigatoneladas de CO2 na atmosfera. O montante equivale à quantidade anual de emissões dos 570 milhões de carros, disseram os pesquisadores.
Segundo o estudo, a força motriz do desmatamento tem sido uma combinação de alta demanda por commodities, aumento da agricultura e mudanças climáticas.
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As perdas no Brasil
A maior parte da perda de floresta primária úmida no país ocorreu na Amazônia brasileira, que teve um aumento de 15% em relação ao ano passado, para um total de 1,5 milhão de hectares. O relatório também qualifica o aumento de incêndios na Amazônia brasileira em 2020 como "preocupante, pois grandes incêndios raramente ocorrem naturalmente em florestas tropicais úmidas como a Amazônia".
A GFW chama ainda a atenção para o fato de que "o alto nível de desmatamento e queimadas na Amazônia aconteceu apesar da proibição de incêndios durante o pico da temporada e do deslocamento de militares para conter o desmatamento ilegal".
O estudo ressalta que a Amazônia não foi o único bioma do país a registrar um aumento na perda de floresta primária úmida em 2020. Também o Pantanal, a maior área úmida tropical do mundo, sofreu 16 vezes mais perda de floresta primária em 2020 do que no ano anterior.
Especialistas estimam que cerca de 30% do Pantanal foram queimados no ano passado, incluindo várias unidades de conservação. Como na Amazônia, a maioria dos incêndios foram iniciados por pessoas, mas saíram do controle devido a níveis de seca não vistos desde os anos 1970, aponta o estudo.
Perdas e esperança no mundo
No total, os trópicos perderam 12,2 milhões de hectares em cobertura vegetal em 2020, o que inclui os 4,2 milhões de hectares de florestas primárias tropicais úmidas. Entre o final de 2019 e o início de 2020, só a Austrália registrou um aumento de nove vezes na perda de cobertura de árvores em comparação com 2018, principalmente devido a condições meteorológicas extremas.
O relatório, no entanto, também aponta sinais de esperança, especialmente no Sudeste Asiático. Na Indonésia e na Malásia, foi observada uma tendência de queda no desmatamento após a implementação de regulamentações como a proibição temporária da licença de óleo de palma – embora isso deva expirar em 2021.
Impacto da covid-19 no desmatamento
O estudo sugeriu que as restrições provocadas pela pandemia do coronavírus podem ter contribuído quando se trata de extração ilegal, já que as florestas ficaram menos protegidas ou porque um grande número de pessoas retornou às áreas rurais.
Os pesquisadores, no entanto, avaliam que pouco mudou no que diz respeito à trajetória de destruição da floresta, alertando inclusive que o pior ainda pode estar por vir se os países reduzirem as proteções na tentativa de acelerar o crescimento econômico, prejudicado pela pandemia.
Se o desmatamento não for controlado, aponta o estudo, isso pode levar a um círculo vicioso, com a perda de árvores levando a mais emissões de CO2 na atmosfera, o que, por sua vez, levaria ao aumento dos impactos das mudanças climáticas e à perda de mais árvores.
O período pós-pandemia do coronavírus pode oferecer uma oportunidade para repensar políticas e economias de uma forma que protejamos as florestas antes que seja tarde demais, sugere o relatório.
ip/lf (AFP, Reuters, Lusa, DW, ots)
Desmatamento e fogo na Amazônia
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.