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"Munição viva no set de filmagens devia ser tabu absoluto"

Stefan Dege
22 de outubro de 2021

Incidente envolvendo ator Alec Baldwin levanta muitas questões. À DW, especialista fala sobre a presença de armas de fogo em filmagens, e não descarta alguém ter carregado o adereço de cena com intenção criminosa.

Ator Alec Baldwin
Alec Baldwin em evento público, em maio de 2018Foto: Van Tine Dennis/abaca/picture alliance

O incidente em que o ator americano Alec Baldwin matou acidentalmente com uma arma cenográfica a diretora de fotografia Halyna Hutchins e feriu gravemente o diretor Joel Souza, durante filmagens da produção Rust, abala a indústria cinematográfica e suscita questionamentos.

Ambos os disparos foram acidentais? Por que ter uma arma de verdade e munição viva no set de filmagens? Não há supervisão? Como pôde acontecer algo assim – e não é a primeira vez?

Enquanto a polícia de Santa Fé, nos Estados Unidos, ainda investiga as responsabilidades criminais, a DW entrevistou Oliver Jürgen Rasch, mestre-armeiro graduado, pirotécnico e construtor de armas de caça, que atua como consultor na indústria cinematográfica alemã.

Sem descartar alguém ter carregado o adereço de cena com intenção criminosa, ele reconhece que também na Alemanha nem tudo corre como deve, quando se trata de armas no set :"Fico surpreso que aqui ainda não tenham acontecido acidentes fatais. Só torço para que as ovelhas negras sejam logo afastadas."

DW: Alec Baldwin matou uma diretora de fotografia com uma arma de cena, e um diretor ficou gravemente ferido. O que passou pela sua cabeça, ao escutar essa notícia dos Estados Unidos?

Especialista em armas para o cinema Oliver Jürgen RaschFoto: privat

Oliver Jürgen Rasch: A primeira coisa que me perguntei foi: havia munição de verdade no set de filmagem? Se alguém atira duas vezes e nas duas alguém é atingido, tem que ter sido munição viva.

Já houve um acidente fatal no set com Brandon Lee [durante a produção do filme O corvo], que nunca foi realmente esclarecido. Partiu-se do princípio de ter sido uma falha técnica, de que algo se soltou da arma – mas só uma vez. Aqui, Baldwin pôde disparar dois projéteis, com esse resultado devastador.

Quer dizer, o senhor se pergunta se tudo estava em ordem como devia?

Não posso imaginar que nos Estados Unidos seja permitido ter munição viva no local de filmagem. Na Alemanha, um cartucho vivo não tem lugar no set.

Parece um roteiro policial, que talvez alguém, escondido, tenha carregado a arma cenográfica com munição viva...

Sim, talvez o cartucho, que também pode ser um adereço, não tenha sido manipulado como devia. Quando rodamos algo assim na Alemanha, o cartucho primeiro é aberto, a pólvora é retirada, e a espoleta de percussão, que desencadeia a detonação quando eu puxo o gatilho, é igualmente manipulada para a filmagem. Aí tenho algo que parece um cartucho, mas que não é mais capaz de provocar nada.

Pode ser que um adereço foi trocado de algum modo, em algum lugar no depósito, mas uma coisa assim pode ocorrer por questões de tempo ou de supervisão. E, claro, há a possibilidade de alguém ter secretamente colocado munição de verdade na arma. Aí cabe a pergunta: ela não esteve sob supervisão o tempo todo?

Quem cuida das armas no local de filmagem?

Na Alemanha, sendo uma arma de verdade, quem a traz tem que ser do setor, ou seja, ter licença para comércio ou fabricação de armas de fogo, senão não teria permissão para o manuseio comercial. Um caçador, atirador esportivo ou policial pode cuidar da própria arma.

Infelizmente acontece sempre de ter gente nas filmagens que não poderia estar lá. Uma arma no set é interessante, muitos querem dar uma olhada, por isso não pode ser deixada à toa. Quando levo uma arma para o set, ela já está trancada.

Por que levar uma arma de verdade? O senhor poderia perfeitamente ter uma falsa, que só parece real?

Muitas vezes filmamos cenas mostrando a alta sociedade com armas de caça. Uma delas chega facilmente a custar centenas de milhares de euros. Se temos, digamos, cinco caçadores com uma arma desse preço, o resultado é uma cena com adereços de 500 mil euros.

Se eu não trabalhasse com uma arma real, teria que antes transformar armas nesse valor em decoração, para que não pudessem mais ser carregadas. Acho que isso estouraria o orçamento de produção de quase todos os filmes da Alemanha. Então é melhor vir um mestre-armeiro, com experiência no setor.

Se fosse o principal mestre-armeiro dos EUA, como o senhor evitaria uma ocorrência dessas, no futuro?

Eu estabeleceria normas para o que é permitido ou não; cuidaria para que quem traz armas tenha a qualifação necessária; cartuchos vivos no set seriam tabu absoluto.

Acredita que agora vá aumentar a demanda de mestres-armeiros no cinema?

A demanda já aumentou. Isso é bom. Só torço para que na Alemanha as ovelhas negras sejam logo postas de lado. Fico surpreso que aqui ainda não tenham acontecido acidentes fatais.

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