Muro de Berlim e a polícia secreta: uma simbiose fatal
Stefan Dege
13 de agosto de 2021
Durante quase três décadas, o Muro separou famílias e isolou o lado comunista. A Stasi, polícia secreta da Alemanha Oriental, contribuiu para ele ser quase intransponível – e assim aumentou o próprio poder.
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Com perplexidade, o povo de Berlim observou como, na manhã de 13 de agosto de 1961, forças de segurança alemãs-orientais selavam a divisa entre os setores leste e oeste da metrópole. Polícia, agentes de fronteira e membros de grupos de assalto arrebentavam as calçadas, erguiam barricadas de paralelepípedos, fixavam postes de concreto e montavam arame farpado.
Só uns poucos pontos de controle ficaram abertos, quase todas as linhas de trem e metrô foram desconectadas. Berlim estava dividida e assim permaneceria pelos próximos 28 anos. A República Democrática Alemã (RDA), sob governo comunista, confinara de fato sua população.
A medida foi um golpe de sorte para a polícia secreta da Alemanha Oriental, apelidada Stasi, a cargo do Ministério de Segurança Estatal (MfS), há décadas sob a direção de Erich Mielke. O Muro, e o consequente isolamento da RDA, era a "garantia de poder, o sangue vital" do órgão, como descrevem os autores Daniel e Jürgen Ast, e Hans-Hermann Hertle, num novo documentário televisivo.
Nasce um Estado policial
Até 9 de novembro de 1989, dezenas de milhares de funcionários da Stasi tinham como única meta tornar o Muro de Berlim intransponível para os cidadãos alemães-orientais. Suas casas eram "grampeadas", sua correspondência aberta, informantes cercavam seus amigos e até cônjuges.
O documentário produzido pelas emissoras alemãs ARD e DW detalha os mecanismos do "Estado da falta de direito" da RDA e o papel crescente da polícia secreta no sistema. "Com o Muro, o MfS se tornou mais importante", confirma o ex-tenente coronel da Stasi Harald Jäger. "As tarefas ficaram cada vez maiores, ou seja: a vigilância se tornou cada vez mais e mais onipresente."
"A situação depois de 13 de agosto mostra que construir um muro protetor antifascista para os cidadãos da RDA é bom e certo. A classe operária tomou o poder, para nunca mais deixá-lo!", declarava o ministro Mielke, logo após o erguimento da barreira.
A muralha de proteção se tornou crescentemente intransponível, graças às táticas – declaradas ou mais sutis – da maquinaria de controle da segurança estatal. Os difamados como "inaptos para a república", ou seja, quem tentasse escapar do país, eram mortos pelas saraivadas de balas da polícia de fronteira.
"Na época, eles eram vilões, aos meus olhos", conta Jäger no filme. "Para nós, eles eram traidores que queriam trair o nosso Estado. Não importa quais fossem seus motivos, se políticos ou econômicos: nada justificava uma fuga!" Os alemães-orientais sob suspeita de pretender escapar eram detidos e, ou acabavam na prisão, ou eram entregues à ocidental RFA em troca de divisas.
Os delatores, espiões e especialistas de Mielke nunca estavam muito longe, quando túneis de fuga eram descobertos, ou visitantes do Ocidente eram revistados na fronteira ou recrutados como "colaboradores inoficiais" da Stasi. O povo apelidava a polícia secreta de "Horch und Greif " (Escutar e Agarrar).
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"Ninguém pretende construir um muro"
O líder do Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED), Walter Ulbricht, ordenou o erguimento do Muro apenas dois meses após ter assegurado a imprensa mundial de que "ninguém pretende construir um muro".
Numerosos historiadores creem hoje em dia que Ulbricht e sua sigla pretendiam fechar a divisa em Berlim muito antes, já desde 1952, quando a liderança soviética selou a fronteira interna alemã. Isso resultou em cada vez mais alemães-orientais procurando a "brecha" de Berlim Ocidental. A RDA estava se esvaziando, o líder partidário queria conter a sangria, e deu ordem para que se erguesse a quase intransponível barreira física.
O documentário das TVs ARD e DW dá uma visão detalhada de como funcionava o regime da Alemanha comunista, incluindo explicações de ex-oficiais da Stasi, em filmes históricos raramente divulgados.
"Por um lado, o Muro tinha que ser mantido, mental e fisicamente; por outro, queríamos nos mostrar cosmopolitas", relata Günther Enterlein. "Para nós era trabalho, cada vez mais trabalho."
O regime se viu sob pressão crescente nos últimos dias da RDA, quando o presidente soviético Mikhail Gorbachev pressionava pela glasnost e perestroika, suas políticas de abertura e transformação. Como explica o ex-oficial Enterlein: "Tudo o que tinha a ver com uma distensão política era muito perigoso para nós, da segurança estatal."
Entre 1961 e 1989, pelo menos 140 cidadãos foram mortos na área do Muro de Berlim ou em conexão com o regime de fronteiras da RDA. O Muro foi o que garantiu a longa existência da Alemanha comunista, e também o império do MfS deveu seu apogeu ao "muro protetor antifascista".
Com a queda dessa "proteção", ambos simplesmente se dissolveram. Ironicamente, foi um oficial da Stasi que abriu a passagem de fronteira da Bornholmer Strasse, em 9 de novembro. E com ela, o Muro de Berlim.
O Muro de Berlim, uma história em fotografias
A 13 de agosto de 1961, guardas da Alemanha Oriental começaram a fechar com arame farpado e concreto a fronteira que separava as partes oriental e ocidental de Berlim, bem como Berlim Ocidental da Alemanha Oriental.
Foto: AP
RDA é hoje pura nostalgia
Diante do Museu de Checkpoint Charlie e fantasiado de guarda de fronteira da RDA, o berlinense Wolfgang Kolditz carimba – com um carimbo postal original da Alemanha comunista – os cartões e lembranças comprados pelos turistas, dez anos após a queda do Muro. Naquele local esteve o mais famoso posto de controle, conhecido em todo o mundo através de inúmeros filmes sobre espionagem e a Guerra Fria.
Foto: AP
Onde foi?
Hoje, pouco resta da histórica muralha que separou dois Estados alemães por tanto tempo.
Foto: DW
Os 'pica-paus' do Muro
Depois do dia 9 de novembro de 1989 foi apenas uma questão de meses até que o Muro desaparecesse inteiramente da paisagem de Berlim. Ficaram famosos na época os chamados 'pica-paus' do Muro: berlinenses e turistas que, armados de martelo e cunha, arrancaram pedaços da muralha para guardar de lembrança. Por muito tempo, lojas de suvenires em Berlim ofereceram lascas de concreto com um duvidoso 'certificado de autenticidade'.
Foto: AP
A dança sobre o Muro
No dia 10 de novembro de 1989, berlinenses orientais e ocidentais confraternizaram-se com uma verdadeira dança sobre o Muro, que deixara de ser uma barreira desde a noite anterior. Ao fundo, o Portão de Brandemburgo – o símbolo de Berlim. Com as fronteiras abertas, milhares de cidadãos alemães orientais viajaram imediatamente à parte ocidental da Alemanha, para fazer compras, visitar parentes e amigos ou simplesmente para satisfazer a curiosidade pessoal.
Foto: AP
A confusão histórica
Durante uma entrevista coletiva no dia 9 de novembro de 1989, o jornalista e membro do politburo do SED – Partido Socialista Unificado – Günter Schabowski, interpretou erroneamente um comunicado oficial do governo da Alemanha Oriental, anunciando a abertura das fronteiras entre as duas partes da Alemanha. Poucas horas depois, a pressão popular fez com que a guarda de fronteiras da RDA abrisse o Muro de Berlim.
Foto: dpa
O fim de uma carreira
Poucas semanas após as festividades comemorativas do 40º aniversário da República Democrática Alemã, o chefe de Estado e de partido Erich Honecker foi destituído de todas as suas funções. A pressão dos protestos populares e as fugas em massa da RDA fizeram com que os comunistas mais jovens ainda tentassem salvar o regime, depondo a liderança conservadora. A rebelião palaciana não trouxe o efeito desejado: os protestos continuaram, culminando com a queda do Muro de Berlim.
Foto: dpa
A festa final
Com a presença do convidado especial – o chefe de Estado e de partido da União Soviética, Mikhail Gorbachev – foi comemorado no dia 7 de outubro de 1989 o 40º aniversário da República Democrática Alemã. Para irritação da liderança comunista da RDA, Gorbachev advertiu para a urgência de reformas no país.
Foto: dpa
Plataforma para pichações
Em toda a sua extensão, o Muro de Berlim tornou-se uma plataforma de pichações no lado ocidental. Com lemas políticos ou meros desenhos, milhares de berlinenses e de turistas lançaram mão dos aerossóis para deixar uma mensagem colorida sobre o concreto. Como a profecia que se vê na foto: 'Berlim ficará livre do Muro'.
Foto: AP
Propaganda dos dois lados
Em outubro de 1964, foi posto um cartaz (à esq.) no lado oriental de Berlim com os dizeres: 'Acordos sobre salvo-condutos são melhores que provocações'. Poucos dias depois, foi afixada nas proximidades a resposta ocidental: 'O Muro continuará sendo uma provocação, mesmo com salvo-condutos!'.
Foto: AP
A fuga com um balão
Na noite de 16 para 17 de setembro de 1979, duas famílias da Alemanha Oriental lograram uma fuga sensacional. Os casais Strelzik e Wetzel, com seus quatro filhos em idade entre dois e 15 anos, conseguiram cruzar a fronteira em direção à Alemanha Federal a bordo de um balão de ar quente, que eles próprios construíram às escondidas, durante meses de trabalho. O balão pousou de madrugada em Naila, na Baviera, sem chamar a atenção dos guardas de fronteira.
Foto: dpa
Um túnel por baixo do Muro
No final de 1963, um grupo reunido pelo ator Wolfgang Fuchs, do qual fazia parte o estudante Klaus-Michael von Keussler (foto), iniciou a construção de um túnel sob o Muro de Berlim. Durante dez meses foi escavado um subterrâneo de 145 metros de extensão, 80 centímetros de altura e numa profundidade de até 12 metros. Nos dias 3 e 4 de outubro de 1964, um total de 57 pessoas conseguiu fugir da RDA, antes que a polícia descobrisse e fechasse o túnel, no dia seguinte.
Foto: dpa
A última oportunidade
No dia em que foi iniciada a divisão de Berlim, o domingo 13 de agosto de 1961, e nos dias subsequentes registraram-se cenas dramáticas como a da foto. Uma mulher tenta saltar da janela de uma casa do lado oriental para fugir para a parte ocidental de Berlim. Um policial tenta puxá-la de volta, enquanto berlinenses ocidentais procuram apoiá-la na fuga, que acaba obtendo êxito. Nas semanas seguintes, esta casa – como outras na linha fronteiriça – foi demolida, abrindo espaço para a construção do Muro.
Foto: dpa
A morte junto ao Muro
Cenas espetaculares de fuga acompanharam o Muro de Berlim em toda a sua história. Algumas com final feliz, outras com um desfecho trágico. A primeira vítima fatal foi o jovem Peter Fechter, em 17 de agosto de 1962. Atingido pelos disparos da guarda de fronteiras da RDA, Fechter agonizou durante 50 minutos na chamada 'terra de ninguém', falecendo pouco depois de ser recolhido pela polícia alemã oriental.
Foto: AP
Hora da opção
No dia 15 de agosto de 1961, o soldado alemão-oriental Conrad Schumann foi destacado para controlar a linha divisória na rua Bernauer, marcada por arames farpados, pois o Muro ainda não estava pronto. Schumann jogou fora o fuzil e pulou sobre o arame farpado, passando para o lado ocidental. A cena foi fotografada por jornalistas que acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos em Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa/R.Jensen
Pedra sobre pedra
Depois do fechamento das ruas de Berlim, selando a divisão da cidade a partir de 13 de agosto de 1961, o governo comunista da Alemanha Oriental ordenou a construção do Muro. Vigiados de perto pelos soldados do chamado Exército Popular Nacional (NVA), os operários demoliram os prédios localizados na linha divisória, construindo uma muralha e um campo minado em seu lugar.
Foto: AP
O símbolo isolado
O símbolo arquitetônico de Berlim, o Portão de Brandemburgo, ficou inteiramente isolado com a construção do Muro. O acesso a ele só era possível a partir do lado oriental da cidade, ficando reservado às autoridades policiais, militares e aos próceres do regime comunista. Hoje, a área circunvizinha do Portão de Brandemburgo é novamente uma das mais movimentadas e freqüentadas da capital alemã.
Foto: AP
Kennedy visita o Muro
Em junho de 1963, quase dois anos depois da construção do Muro, o presidente norte-americano John F. Kennedy visitou Berlim para informar-se sobre a divisão da cidade. Acompanhado pelo então prefeito Willy Brandt (ao centro) e pelo chanceler federal alemão Konrad Adenauer (à direita), Kennedy foi aclamado pela população de Berlim Ocidental.
Foto: AP
Uma fortaleza
Partes do Muro de Berlim tinham o aspecto de uma verdadeira fortaleza: com pista para o transporte de soldados e guarita para controlar as ocorrências nos dois lados da linha divisória. Além da muralha, uma 'terra de ninguém' com campo minado e cerca de arame farpado impedia o acesso ao Muro, no lado oriental.
Foto: AP
Tanques cara a cara
Nas semanas que se seguiram à construção do Muro de Berlim, a Guerra Fria atingiu um dos seus momentos mais dramáticos. A tensão entre os EUA e a União Soviética podia ser vista claramente no posto de controle da rua Friedrich, o chamado Checkpoint Charlie, no centro de Berlim: tanques americanos e soviéticos permaneceram durante dias, frente a frente, à espera de um comando de ação militar.
Foto: AP
O idealizador do Muro
Ninguém desejava uma muralha de pedra e concreto armado mais do que Walter Ulbricht, o chefe de Estado da República Democrática Alemã (RDA). Ele precisava dela para impedir o êxodo de milhares de pessoas para o outro Estado alemão, a República Federal da Alemanha. A União Soviética não apoiou com muita convicção a 'muralha antifascista' de Ulbricht. Não obstante, a fronteira de 155 quilômetros cercando Berlim Ocidental sedimentou a divisão alemã durante 28 anos.