"Apropriações" da mexicana Mariana Castillo Deball em Berlim
Marco Sanchez24 de setembro de 2014
Instalação criada por ela no Hamburger Bahnhof usa peças próprias e alheias, misturando arte e história e testando as fronteiras entre ser artista e curadora.
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Qual é o papel dos museus e de seus curadores? O que é uma obra de arte? Questões como essas não são novas, mas vêm à cabeça de quem visita Parergon, exposição da mexicana Mariana Castillo Deball em cartaz no museu Hamburger Bahnhof, em Berlim.
A artista criou uma instalação em grande escala especialmente para o histórico saguão principal de um dos mais renomados museus berlinenses. Investigando a "alma" do espaço, ela criou um mosaico sobre arte, história e questionamento, uma colagem contemporânea que busca inspiração em lugares mais que inusitados. Parergon é um termo do grego antigo para uma obra secundária ou suplementar.
Dar voz aos objetos
"O meu trabalho é o de uma artista contemporânea que há muitos anos trabalha com apropriação. Eu pego objetos e os insiro num contexto diferente. Essa exposição também é sobre linguagem. Queria criar uma experiência que fosse difícil de ser explicada, mas que pudesse facilmente ser entendida pelos visitantes", disse a artista, na abertura da exposição.
Parergon busca, de maneira não convencional, criar reflexões artísticas através da intersecção de obras de arte de diversos museus da cidade com objetos que fazem parte da história do prédio, além de apresentar uma espécie de jornal e um guia de áudio que criativamente dá voz às obras.
Em sua busca pela "biografia das coisas", Castillo Deball direciona a atenção para objetos que, segundo a artista, passaram "suas vidas itinerantes vagando em porões, quintais, pedestais, vitrines, coleções privadas e viajando para outros museus".
Além de usar peças de artistas como Otto Baum, Arno Breker e Wilhelm Lehmbruck, Castillo Deball também criou obras para a instalação. Ayaminsky é um par de óleos sobre tela que pode ser visto atrás de Ornamente, um grande painel geométrico pintado na parede. Já com Null Problemo, ela reverencia Duchamp, além de criar uma conexão com O Pobre Poeta, popular quadro de Carl Spitzweg.
Colagem de métodos
Desenterrar, examinar, restaurar e expor foram as palavras usadas pelo documentarista Jesse Lerner para descrever o trabalho de Castillo Deball. Quatro palavras que resumem o método de trabalho da artista e o apreço dela pelos objetos e suas histórias.
A mexicana opera na interface entre o estudo histórico, a filosofia e a prática artística. A abordagem de Castillo Deball em relação à arte usa métodos científicos de investigação comuns à arqueologia, etnografia e história da ciência, mas, mesmo fundada num processo científico, flerta com o cinematográfico e o literário.
"Seu trabalho é espontâneo e intuitivo. Um dos elementos centrais está na biografia dos objetos, no qual ela busca sempre fazer aflorar o lado poético. Todo objeto é um artefato e tem uma história. Descontextualizar as peças em um museu é como criar uma visão alternativa. Essa fragmentação sempre vem acompanhada de um significado", explica Melanie Roumiguière, curadora de Parergon.
Artista ou curadora?
Mas, com o processo de pesquisa e descontextualização de obras de outros artistas, não estaria Castillo Deball assumindo o papel de curadora? Para Roumiguière, a mexicana é o instrumento central de todo o processo. "Ela é interessada no método como forma de representação artística."
"Há muitas maneiras diferentes de ser artista, assim como há maneiras diferentes de ser curadora. Meu gesto não é de curadoria, mas um gesto artístico. Eu nunca teria conseguido realizar essa exposição sem a ajuda da Melanie. Essa foi uma aventura que vivemos juntas", afirma a artista.
A oportunidade de trabalhar num espaço tão icônico como o saguão do Hamburger Bahnhof surgiu em decorrência do prêmio da Nationalgalerie, que a cada dois anos organiza uma exposição coletiva com quatro promissores novos artistas. Dos quatro, um júri com grandes nomes do mundo das artes escolhe um, que ganha uma exposição solo num dos principais museus da cidade. Castillo Deball foi a escolhida em 2013. Usando elementos artísticos e históricos do saguão onde a obra está instalada, ela criou uma exposição que é a própria obra.
O Hamburger Bahnhof era originalmente uma estação de trem. Inaugurado em 1846, o prédio neoclássico projetado por Friedrich Neuhaus serviu de modelo para as estações construídas na cidade na segunda metade do século 19. A estação não conseguiu comportar o aumento do fluxo de trens para a cidade e fechou em 1884.
Em 1904, o prédio reabriu como Museu do Transporte, mantendo a arquitetura original em seu espaçoso saguão principal. Danificado durante a Segunda Guerra, o prédio permaneceu vazio por décadas, perdido entre os dois lados da Berlim dividida. Depois de anos de restauração, o Hamburger Bahnhof abriu suas portas em 1996 para se tornar referência internacional em arte contemporânea.
Arte contemporânea na Berlin Art Week
Entre 16 e 21 de setembro, a capital alemã hospedou a terceira edição da Berlin Art Week. Amantes da arte reuniram-se para explorar novas tendências – que incluíram de uma torrada artística a uma casa mal-assombrada.
Foto: DW/Rainer Traube
Atenção: Arte!
Com a chegada do outono europeu, tem início também mais uma estação artística em Berlim. A cidade aproveita para se afirmar como metrópole mundial da arte. E as expectativas para a Berlin Art Week, realizada entre 16 e 21 de setembro, não poderiam deixar de ser altas.
Foto: DW/Rainer Traube
O vídeo triunfa sobre a pintura
O vídeo é a mídia dominante entre os jovens. Para a geração que hoje se encontra na faixa dos 30 anos, pincel e óleo sobre tela soam como relíquias da Idade da Pedra. Na Berlin Art Week, Kate Cooper, vencedora do prêmio da Fundação Schering 2014, também preferiu fazer experimentações na área digital. Ela abordou temas como o corpo como mercadoria e a magia dos avatares.
Foto: DW/Rainer Traube
Imagem de poeira
Um novo e inesperado olhar sobre os pilares da sociedade alemã: Luca Vitone (esq.) pinta em aquarela. A pintura monocromática ao fundo foi feita com poeira e sujeira originárias do Banco Federal da Alemanha, do Parlamento alemão e do Tribunal Federal de Justiça do país. Na foto, à direita, o curador Marius Babias, da Neuer Berliner Kunstverein.
Foto: DW/Rainer Traube
Casa mal-assombrada
Pena que a foto não transmite o estrondoso som ambiente em 30 canais, que deve ser entendido como uma "escultura espacial”. O vídeo foi produzido pelo americano Ryan Trecartin, nascido em 1981 e celebrado como astro de uma nova geração de artistas midiáticos. Seu novo trabalho para Berlim foi batizado de "Geisterhaus" ("Casa mal-assombrada"). Os visitantes saíam de lá eufóricos – ou apavorados.
Foto: DW/Rainer Traube
Uma carta do passado
Uma pequena sala no bairro de Kreuzberg abrigou o trauma de infância de Juan Pedro Fabra Gambarena. Com papel de embrulho, esta carta, em forma de livro infantil, foi escrita por sua mãe em 1973, quando ela, que era guerrilheira do movimento Tupamaros, estava no cárcere após ter sido presa pela ditadura militar. Trata-se do local mais íntimo e tocante desta Berlin Art Week.
Foto: DW/Rainer Traube
Feira de artistas
Não existe Berlin Art Week sem feira. Afinal, artistas e donos de galeria também precisam pagar o aluguel. A art berlin contemporary (abc) aposta nos visitantes que não vêm só a passeio, mas que também compram. Para quem quisesse pendurar este lustre de Kristof Kintera sobre a mesa da sala, o melhor a fazer era não se ater à etiqueta de preço.
Foto: DW/Rainer Traube
Torrada artística
Numa barraquinha, John Bock serviu Toast Hawaii – seguindo a receita original alemã, que leva presunto, queijo derretido e abacaxi. Por que ele trouxe o prato dos embolorados anos 50 à semana de arte é um mistério. De nada adianta procurar por uma mensagem ou algum significado por trás da obra. O artista performático é anarquista, dadaísta e especialista em disparates sofisticados.
Foto: DW/Rainer Traube
Preservação das tradições
Num canto, uma estranha criatura peluda destruía vidro em silêncio. O que parece ser completamente sem sentido tem um motivo real surpreendente: isso faz com que a artista de origem romena Anca Munteanu Rimnic lembre das fábricas de vidro de sua terra natal. Uma preservação das tradições que certamente encontrou espectadores – mas dificilmente compradores.
Foto: DW/Rainer Traube
Papel de parede
Esta Berlin Art Week também exibiu arte que pode servir de decoração: a instalação de Tobias Rehberger era um imenso papel de parede. O bem sucedido escultor não se irrita com a pergunta “Isso ainda arte?”, pois ele se interessa justamente pelas áreas da fronteira entre arte e design de produtos.
Foto: DW/Rainer Traube
Peepshow da arte
Algo que certamente gerou grandes discussões nesta Berlin Art Week foram os "off-spaces" – pequenas salas onde os artistas podiam experimentar com poucos recursos e sem a pressão da venda. "Ozean" é um lugar desses: numa parede de madeira nessa garagem de um antigo quartel, os visitantes observavam a arte através de um pequeno furo, como era feito nas feiras do século 19.
Foto: DW/Rainer Traube
Através do olho mágico
Essa é a visão que se tinha ao olhar por um olho mágico para uma das 22 obras da mostra coletiva "Solos III". Trata-se de um trabalho da artista Donya Saed: nascida em Teerã, mas que cresceu nos Países Baixos e depois se mudou para Berlim, onde trabalha atualmente. Para os artistas que não são representados por nenhuma galeria estabelecida, os "off-spaces" são uma chance de uma primeira exibição.
Foto: DW/Rainer Traube
Noite de fim de verão
Em Berlim, a arte é celebrada, e não vendida, brincam especialistas do ramo. Mas a força de atração que a cidade exerce sobre artistas do mundo todo continua intacta: aqui as pessoas vivem, produzem, exibem, experimentam e fazem contatos. Para a abertura desta Berlin Art Week, os visitantes invadiram a Academia de Arte – com entrada livre e música ao ar livre.