Museu Histórico de Berlim lança novo olhar sobre pós-Guerra
Sarah Judith Hofmann (av)23 de abril de 2015
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa estava repleta de cidades em ruínas, órfãos, expatriados e criminosos de guerra. Exposição ilustra a saga de 12 países do continente através de 36 destinos pessoais.
Anúncio
Em 8 de maio de 1945, Ernst Kohlmann, de 19 anos, sobrevoa a antiga casa de sua família, num avião militar americano. A essa altura, ele ainda não sabe que seus pais haviam sido deportados de Colônia, na Alemanha, e assassinados em Riga, na Letônia.
Sua própria vida – como a de cerca de 10 mil outras crianças e adolescentes– foi salva graças a um dos chamados Kindertransporte, iniciativa de uma organização britânica para salvar do extermínio pelos nazistas jovens judeus da Alemanha e outros países, abrigando-os no Reino Unido.
Na época, Kohlmann ainda não era cidadão inglês, mas já concluíra o treinamento militar num campo da Força Aérea. Assim, naquele dia – o fim oficial da Segunda Guerra Mundial – obteve permissão para acompanhar, como atirador de bordo, no voo sobre sua cidade natal, dois oficiais americanos, seus amigos.
12 países, 36 destinos
O diário de bordo de Kohlmann, cuidadosamente datilografado, é um dos objetos expostos atualmente no Museu Histórico Alemão em Berlim. Marcando os 70 anos do fim do conflito, a mostra "1945 – Derrota. Libertação. Recomeço" lança um olhar sobre 12 países europeus no pós-Guerra – inclusive a Alemanha e seus vizinhos imediatos, a França, Bélgica e Polônia.
Para tal, a exposição, que o ministro alemão do Exterior, Frank-Walter Steinmeier, inaugurou nesta quinta-feira (23/04), enfoca 36 destinos pessoais. A cada uma das potências aliadas vitoriosas, como o Reino Unido e a então União Soviética, é dedicada uma seção da exposição.
"Nós alemães temos um olhar especial sobre 1945 e precisamos mantê-lo", disse Steinmeier na abertura da mostra. "Na nossa libertação está, ao mesmo tempo, nossa responsabilidade. Essa responsabilidade ecoa em duas palavras que marcaram todas as gerações na Alemanha desde 1945: 'nunca mais'."
Morte e ruínas na Europa
Após a invasão da Polônia pela Alemanha, em setembro de 1939, a guerra castigou a Europa durante cinco anos e meio. O triste balanço foram cerca de 45 milhões de mortos, só no continente. Em todo o mundo, foram 60 milhões: números sem precedentes.
Mais de 13 milhões foram vítimas dos crimes nazistas. Vinte milhões de órfãos vagavam pela Europa, além de cerca 7 milhões de trabalhadores forçados que haviam sido libertados e 400 mil ex-prisioneiros dos campos de concentração.
Retornando à Leningrado aos 14 anos de idade, Larisa Popovičenko teve que constatar que seus amigos não mais existiam na cidade natal. Como se vê na exposição, dos 32 alunos de sua classe, apenas oito sobreviveram ao cerco de 900 dias pela Alemanha nazista e seus aliados, entre 1941 e 1944.
O Museu Histórico ilustra quão distintos foram os desafios que cada país teve que enfrentar após o fim do conflito. Grande derrotada, a Alemanha perdera sua soberania nacional: ela foi dividida em quatro zonas de ocupação. Pouco depois, os interesses divergentes das potências vencedores levaram à formação de dois Estados alemães.
Grande parte da Polônia se encontrava igualmente em ruínas. A União Soviética fez valer com punho de ferro sua influência e empreendeu a stalinização do país. Apesar de também ser um dos vencedores, o Reino Unido foi bem castigado pela miséria no pós-guerra, e o Partido Trabalhista no poder forçou a transformação em moderno Estado social. A França, por sua vez, retornou à forma de governo republicano.
Quem é culpado?
Entretanto uma pergunta logo se impôs, tanto nos países anteriormente ocupados como na Alemanha e na Áustria: quem devia ser punido? Talvez o funcionário de médio escalão, que, na prática administrativa, aplicara leis permitindo a exploração sistemática dos judeus? A artista que fizera ilustrações antissemíticas para jornais e livros infantis? O industrial que empregara milhares de trabalhadores forçados em sua fábrica de armamentos?
Ou apenas o oficial da organização paramilitar nacional-socialista SS, que supervisionara o assassinato dos detentos judeus num campo de extermínio? Nos diversos países, grupos diferentes de pessoas são levadas a tribunal.
"Na Alemanha, chama especialmente a atenção a falta de disposição, entre a maioria da sociedade nacional, de encarar criticamente o próprio passado", aponta a curadora da mostra, Babette Quinkert.
A maneira de lidar com os crimes de guerra foi bem diferente na Noruega. Proporcionalmente à sua população, o país que fora ocupado pela Alemanha, mas mantivera seu próprio governo, realizou o ajuste de contas jurídico mais abrangente da Europa, envolvendo tanto criminosos de guerra quanto colaboradores.
Também na Polônia, já em 1947, ocorreram os importantes processos de Auschwitz, em que grande parte dos réus é condenada à pena de morte. Já a Alemanha espera até meados da década de 50 para iniciar ações jurídicas comparáveis.
Drama dos desterrados
"Até hoje se tem pouca consciência de que, dos 13 milhões de vítimas dos crimes nazistas, quase 90% eram oriundas da Ucrânia, Belarus, do Báltico e da Polônia", enfatiza Quinkert.
Também poucos sabem que não apenas alemães foram expulsos em consequência do desvio para oeste da Linha Oder-Neisse, entre a Alemanha e a Polônia. No sentido contrário, 3 milhões de poloneses perderam sua antiga moradia. Além disso, o chamado "Acordo de Repatriação" acarretou a transferência compulsória de 500 mil ucranianos da Polônia para a União Soviética, assim como de mais de 1,1 milhão de poloneses para fora da URSS.
O fotógrafo armênio-polonês Stanislaw Bober foi um desses desterrados. Depois de 1945, sua cidade natal, Stanisławów, passou a ser território soviético na Ucrânia Ocidental. De lá, ele teve que migrar para Opole, então parte da Silésia, como um sem pátria do pós-guerra entre tantos milhões. Bober documentou os percalços desse êxodo forçado com a câmera que agora se vê no Museu Histórico de Berlim, até 25 de outubro de 2015.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.