Wa Lone e Kyaw Soe Oo passaram 16 meses na prisão, acusados de violarem a lei do segredo de Estado quando investigavam um massacre de muçulmanos rohingya por civis budistas.
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Dois jornalistas da agência de notícias Reuters que estavam presos em Myanmar foram libertados nesta terça-feira (07/05) depois de receberam um perdão presidencial.
Os dois jornalistas, Wa Lone, de 33 anos, e Kyaw Soe Oo, de 29, foram cercados por repórteres quando deixaram a prisão de Insein, em Yangon, depois de 16 meses na cadeia.
Eles haviam sido sentenciados a sete anos de prisão. Um porta-voz do governo afirmou que os jornalistas foram libertados depois de os "interesses de longo prazo" do país serem levados em consideração pelas autoridades locais.
Eles foram anistiados junto com cerca de 6.500 prisioneiros. Myanmar costuma libertar prisioneiros por volta do Ano Novo local, que começa em 17 de abril.
A detenção dos dois, em dezembro de 2017, causou revolta internacional e foi vista como um sinal de deterioração da liberdade de imprensa no governo de Aung San Suu Kyi, ativista de direitos civis e Prêmio Nobel da Paz.
A Reuters emitiu um comunicado para saudar a libertação de seus jornalistas, destacando a coragem dos dois, "símbolos da importância da liberdade de imprensa".
Um dos libertados, Wa Lone, afirmou que vai continuar na profissão. "Sou jornalista e vou continuar", disse, ao sair da prisão.
Wa Lone e Kyaw Soe Oo foram acusados de violarem a lei do segredo de Estado no âmbito de uma reportagem investigativa sobre a morte de dez homens e meninos muçulmanos rohingyas por civis budistas no estado de Rakhine, no oeste de Myanmar.
A reportagem final, publicada após a prisão e em colaboração com outros jornalistas, continha testemunhos de civis budistas que confessaram as mortes de muçulmanos e de terem tocado fogo em suas casas. Sete soldados foram condenados por participação nas mortes.
Operações militares de Myanmar na região, que começaram em agosto de 2017, fizeram com que mais de 730 mil rohingyas fugissem para Bangladesh, segundo estimativas da ONU.
Os dois jornalistas dividiram com os seus colegas da Reuters, no início de abril, o Prêmio Pulitzer de reportagem internacional, uma das maiores distinções do jornalismo.
Eles também apareceram na capa da revista Time, na edição que elegeu como "pessoa do ano" os jornalistas de todo o mundo que são perseguidos por exercerem a profissão.
Pessoas envolvidas nos esforços de libertação disseram que as discussões para o perdão de Wa Lone e Kyaw Soe Oo envolveram o governo de Myanmar, a Reuters, as Nações Unidas e representantes de outros governos.
As Nações Unidas afirmaram que a campanha militar do governo de Myanmar contra minoria rohingya tem elementos de genocídio. Myanmar negou as acusações e afirmou que estava apenas se defendendo de ataques de militantes rohingya, que mataram policiais em agosto de 2017.
AS/rtr/afp/ap/lusa
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País majoritariamente budista rejeita a minoria muçulmana. Expulsões, assassinatos e estupros já forçaram mais de 400 mil a buscar refúgio em Bangladesh, mas também lá eles são indesejados.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Alam
Ameaçados na terra natal
Em outubro de 2016, um grupo da etnia rohingya foi acusado de matar nove policiais em Myanmar. A partir daí, recrudesceu a histórica perseguição a essa minoria muçulmana no país maioritariamente budista. Nos meses seguintes, mais de 70 mil haviam procurado refúgio em Bangladesh. Um dos acampamentos onde foram acolhidos é Kutuupalang, no município de Cox's Bazar, no sul do país.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/T. Chowdhury
Êxodo em massa
Após novos episódios de violência em agosto 2017, o êxodo da minoria muçulmana de Myanmar se intensificou, sobretudo a partir do estado de Rakhine. Por terra ou por mar têm chegado diariamente a Bangladesh de 10 mil a 20 mil rohingya, entre os quais numerosas mulheres e crianças. Segundo a ONU, 400 mil vivem atualmente como refugiados no país vizinho.
Foto: DW/M.M. Rahman
Condições sub-humanas
Em alguns campos de refugiados, as condições de vida são as mais árduas: não há água corrente, medidas sanitárias ou qualquer outro tipo de infraestrutura. Com argila e outros materiais básicos, eles mesmos construíram cabanas improvisadas, a fim de ao menos ter um teto sobre a cabeça.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/T. Chowdhury
Apátridas
Myanmar se recusa a conceder a nacionalidade birmanesa a seus 1,1 milhão de rohingyas. Apesar de eles alegarem séculos de história, o governo os classifica como ilegais, imigrados de Bangladesh durante o domínio colonial britânico. Além disso, condena o emprego do termo "rohingya" nos documentos das Nações Unidas.
Foto: DW/M.M. Rahman
Crônica da rejeição
Apesar de apelos do secretário-geral da ONU, António Guterres, para que Bangladesh conceda abrigo à minoria perseguida, as autoridades em Dhaka enviaram guardas às fronteiras com o fim de impedir novas travessias. O sofrimento dos rohingya parece não ter fim: organizações de direitos humanos relatam como, em Rakhine, os militares birmaneses incendiaram suas casas, estupraram e assassinaram.
Foto: Reuters/M. Ponir Hossain
Povo mais perseguido
Segundo a ONU, os rohingya são a minoria mais perseguida do mundo. Em Bangladesh eles tampouco são bem-vindos: após a nova onda migratória, o governo anunciou o plano de realocá-los para uma ilha distante, geralmente inundada durante a estação das monções.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Alam
Catástrofe humanitária
Originalmente um local turístico com 61 mil habitantes, a cidade litorânea de Cox's Bazaar, em Bangladesh, uma das primeiras a acomodar os refugiados muçulmanos, está com suas capacidades esgotadas. Segundo observadores, a perseguição aos rohingya em Myanmar é apenas em parte religiosa: certos setores da sociedade têm interesse em exterminá-los por motivos políticos e econômicos.
Foto: DW/M.M. Rahman
Apagados da história
A falta de pátria segura confronta os rohingya com um futuro incerto. Enquanto isso, Myanmar planeja obliterar também seu passado: o ministro da Cultura e Assuntos Religiosos anunciou o lançamento de um livro de história sem qualquer menção à minoria muçulmana. "A verdade é que a palavra rohingya nunca foi usada ou existiu como etnia ou raça na história birmanesa", declarou em dezembro de 2016.