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"Não é tarefa do juiz combater o crime"

Karina Gomes
16 de junho de 2019

Professor catedrático da Universidade Humboldt, em Berlim, diz que alguns juízes se tornaram celebridades e que "julgam para televisão". Papel do juiz, afirma, é garantir a legalidade do processo penal.

Brasilien Sao Paolo | Protest gegen Bildungspolitik und Pensionskürzung | Moro raus
Foto: picture-alliance/Zuma Press/Bio Vieira/FotoRua

As mensagens atribuídas ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, quando ainda era juiz federal, e a procuradores da Operação Lava Jato geraram reações de repúdio e de apoio à forma como as investigações foram conduzidas.

No centro do debate está o questionamento sobre a conduta de Moro. Os diálogos divulgados no último domingo pelo site The Intercept Brasil mostram um juiz que teria diretamente influenciado os trabalhos da força-tarefa. A forma de atuação de Moro, relevada pelas mensagens, levanta questões éticas e processuais.  

Em entrevista publicada na sexta-feira (14/06), Moro tratou como "descuido" o fato de trocar algumas mensagens com membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, mas negou anormalidade no conteúdo das conversas.

Para Luís Greco, professor catedrático de Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Penal estrangeiro e teoria do Direito Penal na Universidade Humboldt, de Berlim, o papel do juiz requer "agir de modo que até o perdedor tenha de reconhecer o resultado que o desfavorece". Para isso, afirma, o juiz tem o dever de garantir que o combate ao crime ocorra dentro da legalidade. O especialista também critica a dimensão midiática alcançadas por alguns juízes no Brasil, que "julgam para a televisão".  

DW: De acordo com os princípios do Direito, como deve ser a conduta de um juiz num processo?

Luís Greco: Dito de forma bem genérica, penso que um juiz deve sempre agir de modo que até o perdedor tenha de reconhecer o resultado que o desfavorece. O juiz não é só juiz de quem ganha, mas principalmente de quem perde. É este quem tem de poder enxergar na sentença não apenas um ato de vontade de alguém mais forte e detentor de autoridade, mas uma manifestação de respeito de alguém que estava disposto a ouvi-lo.

Como o juiz pode garantir isenção e imparcialidade?

O juiz não pode passar a impressão de que ele prefere ouvir um mais do que o outro. Isso significa, no processo criminal, que não é tarefa do juiz combater o crime, mas sim velar para que o combate ao crime ocorra dentro dos parâmetros da legalidade.

Valores éticos de conduta na magistratura variam entre os países? Quais seriam os pontos em comum?

Minha resposta tem de diferenciar dois planos, um mais individual, outro mais institucional. No plano individual, isto é, do comportamento de um juiz diante das partes em seu processo, parece-me que a ideia básica que acabo de delinear nas respostas anteriores é universal. O entendimento de quando esses limites se encontrem ultrapassados. Para ser bastante concreto: a boa prática (nem sempre seguida) na Alemanha é de o juiz registrar nos autos todos os contatos ocorridos entre ele e o Ministério Público para que a defesa possa saber da existência desses contatos. No plano mais institucional, isto é, relativo à magistratura como um todo, a situação brasileira é, a meu ver, muito preocupante. Nossos juízes tornaram-se celebridades, primeira página de jornal. Eles julgam para a televisão e dão entrevistas sobre processos que ainda não julgaram, negociam "pactos” com os outros poderes, fingem ser legislador, criando crimes por analogia (afirmando que ter determinada preferência sexual é ser de outra raça), e ser polícia/ministério público, instaurando inquérito para investigar alegadas ofensas ao Tribunal. Alguns mesmo se reportam ao clamor popular. A venerável ideia do juiz que fala apenas através de suas sentenças, que é muito presente na Alemanha, se perdeu, e o mau exemplo vem, infelizmente, de cima. Na Alemanha, ninguém sabe o nome – muito menos conhece o semblante – de nenhum dos ministros do Tribunal Constitucional Federal.

Como o senhor avalia as mensagens trocadas pelo ex-juiz da Lava Jato e agora ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, com procuradores e publicadas pelo site The Intercept?

O material é muito fragmentário, de forma que se torna difícil formular um juízo definitivo. A impressão que tenho da leitura do material até agora publicado, contudo, não é boa. Concretamente: o juiz instigando a que se instaure nova "operação"; juiz instruindo o MP a não recorrer de sua decisão, porque isso impediria a execução da pena; dando indicações sobre a procuradora que deveria ser enviada à audiência... Se essas afirmações são inocentes, elas deveriam ter sido feitas em audiência, na frente das câmeras que são ligadas ao rosto de cada um dos imputados, ou ao menos na frente da defesa.

O senhor vê falhas na atuação de Sergio Moro quando estava à frente da Lava Jato? Os processos conduzidos pelo ex-juiz podem ser afetados de alguma maneira?

Discordo de muitas medidas, mas não em maior ou menor grau que discordo de tantas outras opiniões de tantos outros juristas. É muito cedo para dizer se Moro pode sofrer alguma sanção. Os fatos são, como dito, fragmentários. Quanto a se os processos podem ser prejudicados, tenho a impressão de que se está colocando o foco na questão errada, a saber, se a prova, provavelmente obtida de forma ilícita, pode ser utilizada. Isso me parece secundário, até porque os agentes públicos envolvidos nunca deveriam ter utilizado de canais privados para comunicar-se; proteger a privacidade nessas circunstâncias é proteger o ilícito de agentes públicos, que se escondem no segredo, e desproteger o cidadão, que não tem outra maneira de desvelar o conluio. De uma perspectiva mais europeia, que não é necessariamente a brasileira, pareceria mais importante verificar se os processos foram, como um todo, justos. Isso provavelmente só poderá ser respondido caso a caso, levando em conta o conteúdo de cada decisão e também o fato de que os envolvidos nas conversas interceptadas não foram os únicos que atuaram nesses processos. Na Alemanha, a decisão de segunda instância não seria desconstituída se se descobrisse, em fase de recurso contra essa decisão, que o juiz da primeira instância era suspeito. Mas isso também tem a ver com o fato de que, na Alemanha, a apelação leva a uma nova e completa produção de prova, sem aproveitamento da prova colhida pelo juiz de primeiro grau.

Se um caso semelhante ocorresse na Alemanha, quais seriam as consequências para o juiz?

Essas condutas, na Alemanha, não seriam criminosas. Mas seguramente fundamentariam uma suspeição, com a exclusão do juiz do processo, principalmente por terem ocorrido às costas da defesa.

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