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Sem pátria

30 de agosto de 2011

"Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade", diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ainda assim, existem no mundo milhões de pessoas sem pátria, que vivem à margem da sociedade, desprovidas de direitos.

Refugiados curdosFoto: AP

Cerca de 12 milhões de pessoas em todo o mundo não têm nacionalidade, estima o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Há décadas, a comunidade internacional considera esse um problema capaz de se resolver por si só, com o tempo.

Há 50 anos, foi criado o primeiro tratado internacional para ajudar pessoas apátridas. No entanto, a Convenção para Reduzir a Apatridia (1961), que regula o acesso à cidadania, só foi ratificada por 38 países. Em agosto, a Acnur iniciou uma campanha de apelo para que a comunidade internacional finalmente aceite que a falta de nacionalidade é um problema que só pode ser resolvido com normas internacionais válidas e cooperação transfronteiriça.

O assunto, no entanto, é controverso, já que envolve questões de cidadania e soberania do Estado, como explica a alta comissária adjunta da Acnur, Erika Feller. "Este é um assunto tratado com muito zelo pelos governos: seu direito de determinar quem é cidadão e quem pode permanecer em seu território como cidadão."

Entrega de alimentos na fronteira de MianmarFoto: Holger Grafen

Os invisíveis

Enquanto a comunidade internacional não se decide, a família de Issa Abdul Farajs vive como apátrida há gerações nos arredores de Nairóbi, no Quênia. Há mais de cem anos, seu avô fora recrutado como soldado do exército britânico no Sudão e mais tarde se estabeleceu no Quênia. Depois da independência, em 1963, o novo governo do Quênia negou a cidadania a dezenas de milhares de soldados da etnia nuba, como o avô de Abdul Faraj.

"No Quênia, se você não tem documento de identidade, você não existe", indigna-se Issa. "Teoricamente, você é proibido de sair de casa, porque aqui é crime andar sem documentos. Mas, se não sair de casa, você vai viver do quê? Como vai encontrar trabalho? Não se pode nem abrir uma conta no banco."

A maioria dos 12 milhões de apátridas no mundo está espalhada por Quênia, Tailândia, Nepal, Mianmar, Síria e Letônia. Por se tratar de uma condição diferente, eles não fazem parte da estatística dos refugiados no planeta, que somam 15 milhões de pessoas. Alguém com status de refugiado têm direito a ajuda internacional e está sob proteção da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, ratificada por vários países.

As pessoas apátridas, por outro lado, não gozam de proteção especial na maioria dos países, "porque geralmente se trata de uma população oculta. Elas não são consideradas membros das sociedades em que vivem. Elas são invisíveis e não conseguem fazer parte da lista de prioridades dos países", explica Erika Feller.

Indivíduos sem pátria vivem em uma zona legal nebulosa. Eles não possuem qualquer nacionalidade, e, portanto, não têm direitos civis. Como não-cidadãos dos países em que vivem, eles precisam geralmente lidar com enormes dificuldades para morar, viajar e trabalhar legalmente, ou para ter acesso ao sistema de saúde.

Exclusão ao longo de gerações

Os casos mais frequentes de falta de nacionalidade ocorrem quando países são desintegrados e outros são formados. Muitas pessoas se tornam apátridas devido à discriminação e a abusos do Estado.

A condição de apátrida também pode resultar de leis restritivas à cidadania ou a uma situação jurídica pouco clara. Mark Manly, da Acnur, explica que a perda de nacionalidade e a exclusão associada a ela muitas vezes é transmitida através de gerações.

Mulheres fogem do conflito na Ossétia do Sul em 2003Foto: picture-alliance/ dpa

"Essas pessoas estão enraizadas nos países de acolhimento por décadas, se não por séculos. No decorrer do tempo, elas desenvolveram estratégias que lhes permitem sobreviver com o mínimo. Como essas pessoas não são cidadãs, desde cedo elas entram em uma condição que lhes priva da satisfação de necessidades ou expectativas adicionais", diz Manly.

Tran Hoang Phuc conheceu bem essa situação quando fugiu do Camboja para o Vietnã no fim dos anos 1970. "Quando chegamos aqui sem um tostão, eu não tinha ideia do que seria uma vida sem nacionalidade. Foi um violento retrocesso. Sofri muito em pensar que meus filhos teriam que passar por aquilo."

A filha de Tran, Sheila, sofreu por não ter as mesmas oportunidades de estudo que outros vietnamitas de sua idade. A falta de nacionalidade perseguiu seu filho, Kosal, até mesmo na vida privada. "Quando eu quis me casar, os pais da minha namorada perguntaram 'mas quem é você, afinal?' Os funcionários não queriam nem me dar uma certidão de casamento!", diz Kosal. Há um ano, a família Tran possui um passaporte vietnamita.

Além da Convenção para Reduzir a Apatridia, as Nações Unidas elaboraram em 1954 a Convenção sobre o Estatuto das Pessoas Apátridas, ratificada por 66 dos 193 países membros da ONU. Ambas as convenções poderiam acabar com o problema dos apátridas, se tivessem maior apoio internacional.

Autoras: Claudia Witte / Francis França
Revisão: Roselaine Wandscheer

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