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"Não há punição suficiente para Mladic"

Zdravko Ljubas rk
22 de novembro de 2017

Ramiz Nukic conseguiu sobreviver a Srebrenica, mas perdeu pai e irmãos. Hoje, se dedica ao que considera uma justiça melhor: procura ossos das vítimas para dar a elas um enterro digno.

Cemitério Memorial no vilarejo de Potocari, próximo a Srebrenica
Cemitério Memorial no vilarejo de Potocari, próximo a SrebrenicaFoto: DW/Z. Ljubas

Ramiz Nukic sobreviveu ao massacre na cidade bósnia de Srebrenica, no leste do país.

Em julho de 1995, depois de ocuparem por completo o enclave de Srebrenica – um porto seguro protegido pelas Nações Unidas –, tropas do Exército da República Sérvia na Bósnia, comandadas pelo general Ratko Mladic, atacaram a área e invadiram a cidade.

Os dias seguintes trouxeram algo que ninguém estava esperando – uma das maiores atrocidades no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Cerca de 8 mil homens e meninos muçulmanos bósnios, também conhecidos como bosniaks, foram mortos num banho de sangue organizado na região ao redor de Srebrenica. 

Leia também: Opinião: A verdade insuportável de Srebrenica

Ramiz é uma das vítimas que esperavam pelo veredito a Mladic, condenado nesta quarta-feira (22/11) a prisão perpétua pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII), em Haia, por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade durante a guerra na Bósnia-Herzegovina (1992-95). 

Sete mil sem paradeiro

Enquanto tentava escapar das tropas sérvio-bósnias, Ramiz perdeu seu pai e dois irmãos, um dos quais ainda era um garoto.

"Todos deveriam enfrentar a Justiça; os tribunais tem seu poder, mas ninguém pode realizar o meu desejo de trazer de volta meu pai e meus irmãos. Não importa a punição de Mladić. Para mim, não será o suficiente", diz Ramiz.

Ramiz Nukic coleta ossos encontrados num bosque próximo a SrebrenicaFoto: DW/Zdravko Ljubas

Ele afirma que encontrou uma justiça melhor procurando ossos das vítimas – pessoas inocentes que não deveriam ser esquecidas.

"Deveríamos lembrar os nossos filhos e netos do que aconteceu aqui, e [lembrar] que eles nunca deveriam esquecer as vítimas, para que algo assim nunca aconteça a ninguém novamente", argumenta Ramiz.

Segundo o Instituto de Pessoas Desaparecidas da Bósnia-Herzegovina, cerca de 7 mil pessoas ainda têm paradeiro desconhecido, incluindo aproximadamente mil vítimas do massacre de Srebrenica.

Atualmente, há raras notícias sobre novas valas comuns, segundo Lejla Cengic, porta-voz do instituto. "Mas o instituto não desiste dos desaparecidos e da verdade, para ajudar às famílias das vítimas a acharem e enterrarem seus entes queridos e encontrarem a paz."

Volta à terra natal

Em 2002, sete anos depois do massacre, Ramiz decidiu retornar à sua terra natal, um vilarejo na colina Kamenicino, na municipalidade de Bratunac, próxima a Srebrenica. Depois que o Acordo de Dayton acabou com a guerra no país dos Bálcãs, no final de 1995, a localidade passou a fazer parte da República Sérvia, uma das entidades políticas da Bósnia-Herzegovina (a outra é a Federação da Bósnia e Herzegovina).

Ex-inimigos unidos após a guerra

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Desde aquela época, Ramiz está desempregado. Tem um pedaço de terra onde mantém uma dúzia de ovelhas, algumas galinhas e uma vaca.

Ele diz não ter encontrado paz porque não consegue parar de pensar no pai e seus dois irmãos. Onde estariam seus restos mortais? Assim, logo depois de retornar ao seu vilarejo natal, ele decidiu tentar encontrá-los – ou encontrar suas ossadas.

Ramiz se lembrou de que eles foram separados na floresta que fica nas colinas acima de sua casa. Ele conseguiu sobreviver e alcançar o território que estava sob controle Exército bósnio (dominado por muçulmanos) na época – mas, algumas semanas depois, recebeu a notícia de que seu pai e seus irmãos haviam sido mortos.

Durante a reportagem, Nukic encontrou três ossosFoto: DW/Z. Ljubas

Armado com uma vara de madeira, Ramiz Nukic começou a procurar nas montanhas e florestas próximas. Ele diz que ficou horrorizado pelo número de esqueletos e ossos que viu na região.

"Foi difícil reconhecer se [os ossos] pertenciam ao meu pai e aos meus irmãos, mas com tantos ossos espalhados nos bosques e rios, eu decidi coletá-los", descreve Ramiz.

Ele afirma que também decidiu informar o instituto sobre as suas atividades e ligava para lá toda vez que encontrava novas ossadas, para que os especialistas do órgão pudessem iniciar o processo de identificação. Segundo Ramiz, ele coletou mais de 250 corpos até agora – completos e incompletos.

Mas Ramiz não conseguiu encontrar sua família. Poucos anos após a guerra, os restos mortais de seu pai e de seus irmãos foram encontrados numa das 90 valas comuns ao redor de Srebrenica, em Liplje, próximo à cidade bósnia de Zvornik, no noroeste do país.

"Eu os enterrei no Cemitério Memorial de Potocari, e agora estou calmo. Sinto que eles estão aqui comigo", explica Ramiz.

Missão de vida

A ideia de que muitas mães, irmãs e filhos ainda estão procurando por suas famílias encoraja Ramiz em sua missão de encontrar as vítimas e de ajudar as famílias a encontrar paz. Ele ainda caminha pela floresta, afastando folhas caídas e olhando debaixo de pedras e árvores apodrecidas em busca de ossos humanos.

Ele explica que a colina de Kamenicino foi o local onde as tropas sérvias da Bósnia realizaram uma das suas primeiras emboscadas para tentar impedir as pessoas de escapar de Srebrenica pelas florestas.

Em seguida, ele para. Debaixo de um tronco na floresta, ele viu três ossos – um osso de uma mão, um longo osso de tíbia e um osso de uma omoplata. Cuidadosamente, ele estuda os ossos, os coloca de lado e os assinala para encaminhar ao pessoal do instituto.

Frequentemente, segundo Ramiz, a busca é difícil. "Às vezes, eu encontro um esqueleto inteiro, às vezes são ossos de várias pessoas e às vezes apenas alguns ossos. Os animais selvagens costumam espalhá-los por aí. Há quatro anos, tivemos fortes inundações, e no ano passado tivemos um incêndio", conta Ramiz.

Frequentemente, ele cobre de 30 a 35 quilômetros por dia procurando ossos. Ele admite ter tido sorte, uma vez que seu trabalho é arriscado, num terreno íngreme e semeado de minas terrestres.

O "caçador de ossos", um 'bosniak' (muçulmano), se arrisca em terreno íngreme e minadoFoto: DW/Z. Ljubas

"Por que eles foram mortos?"

Ramiz está decidido a continuar sua missão – apesar desses problemas. Sua determinação em encontrar os ossos das vítimas, como ele diz, não machuca ninguém. Por isso, seus vizinhos sérvios dos vilarejos ao redor não se importam com o que ele está fazendo.

"Todos vivemos juntos, falamos uns com os outros, trabalhamos juntos, choramos juntos... a única coisa que falta é a confiança que tínhamos antes da guerra", descreve.

"A etnia não está escrita nos ossos. As pessoas precisam, finalmente, descobrir a verdade, saber o que realmente aconteceu. Eu procuro por ossos e não sei se eles são sérvios, croatas ou muçulmanos [bosniaks]... apenas desejo coletá-los e enterrá-los com dignidade. Essa é a missão da minha vida", afirma Ramiz, varrendo algumas folhas com sua vara de madeira.

Enquanto anda pela floresta na colina de Kamenicino, Ramiz pensa em voz alta: "Vítimas são vítimas, não importa se eram sérvios, croatas ou bosniaks. Não importa. Por que eles foram mortos? Por nada!", indigna-se.

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