A violência no Ano Novo entre extremistas de esquerda e a polícia em Leipzig, no leste da Alemanha, desencadeou reações políticas acaloradas. Ataques contra policiais têm aumentado nos últimos anos.
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A violência que eclodiu na noite de Ano Novo entre policiais e membros da extrema esquerda em Leipzig, na Saxônia, leste da Alemanha, desencadeou reações políticas acaloradas. Um grupo empurrou um carrinho de compras em chamas e atirou fogos de artifício contra policiais após a meia-noite no bairro de Connewitz, conhecido por sua cena esquerdista.
"Este ato mostra que a violência desumana também vem da cena extremista de esquerda", afirmou o ministro do Interior Horst Seehofer à agência de notícias DPA nesta quinta-feira (02/01), acrescentando que um Estado forte precisa de uma força policial forte.
A opinião foi ecoada pelo prefeito de Leipzig, Burkhard Jung, do Partido Social Democrata (SPD), que enfrentou críticas de partidos de direita no passado por falhar na repressão aos extremistas de esquerda da cidade.
"O Ano Novo, infelizmente, não começou de forma pacífica, mas com um grave surto de violência criminosa", afirmou Jung à DPA. "Os meus pensamentos estão com o policial ferido e sua família. Eu lhe desejo uma rápida recuperação." O policial de 38 anos teve que passar por uma operação de emergência. Foram realizadas dez prisões, e a polícia iniciou uma investigação por tentativa de assassinato.
Violência contra policiais
Políticos de esquerda culparam as táticas policiais pelo surto de violência. Juliane Nagel, representante do partido A Esquerda no Parlamento regional da Saxônia, que estava em Connewitz na noite do Ano Novo, fez uma postagem num blog, na quarta-feira, criticando como os policiais estavam fazendo o controle da população presente e a estratégia de comunicação da polícia antes de a violência eclodir.
Nagel também insistiu que nenhuma das ações da polícia justificava a violência contra as autoridades. A opinião foi ecoada pelos dois principais sindicatos da polícia da Alemanha. "Não há justificativa para sejam lançados fogos de artifício e garrafas contra alguém cuja função é proteger a segurança pública", afirmou Jörg Radek, vice-presidente do sindicato da polícia GdP.
As últimas estatísticas, divulgadas em abril de 2019, apontaram um aumento de 40% nos ataques e resistência contra policiais na Alemanha, embora isso se deva em parte à criação de novas categorias de crimes.
"Temos uma média de 32 ataques contra policiais por dia", revelou Radek, acrescentando que os ataques normalmente não são realizados por extremistas. "Estamos falando de alguém que é instado a mostrar sua carteira de identidade e, em vez de mostrá-la, esmurra o agente policial."
Por sua vez, Rainer Wendt, chefe do sindicato policial DPolG, usou palavras ainda mais fortes para descrever a violência em Leipzig: "A definição básica de terrorismo é espalhar o medo entre a população através da violência, e exatamente isso está acontecendo por aqui", contou Wendt em entrevista à DW. "Mas este é um novo tipo de violência: um ataque fatal direcionado a agentes. E temos que assumir que, infelizmente, em algum momento alguém poderá ser morto."
Violência de esquerda
Na Alemanha, as estatísticas oficiais sugerem que a violência de extrema esquerda é menos ameaçadora do que a de extrema direita. O Departamento de Proteção à Constituição, agência de inteligência doméstica do país, afirmou haver cerca de 9 mil extremistas de esquerda "com tendência à violência", contra pouco mais de 12 mil extremistas de direita ativos no país.
O estado da Saxônia provou ser um epicentro de ambos os tipos de extremismo, onde subculturas rivais se desenvolveram em muitas áreas. Em novembro, o governo estadual formou a Soko LinX, uma nova unidade especial da polícia focada na violência de esquerda, após uma série de ataques incendiários a canteiros de obras e empresas em Leipzig. Um funcionário também foi agredido fisicamente.
Wendt argumentou ainda que os "centros" de esquerda – muitas vezes distritos e antigas ocupações de bens imóveis, por exemplo, abandonados e desabitados – deveriam ser desmantelados, alegando que os atos de violência são "planejados" nestes locais. "Nós só podemos elogiar a Saxônia por ter colocado o fenômeno neste nível", afirmou Wendt. "É correto e importante combater o extremismo de extrema direita com todos os meios, mas isso não significa que devemos desconsiderar a esquerda."
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.