Não só segurança importa no Haiti, diz embaixador do Brasil na UE
1 de junho de 2005O aumento da violência e as inquietações no Haiti são observadas com preocupação na União Européia. O assassinato de um cônsul honorário francês em Porto Príncipe, nesta terça-feira (31/05), praticamente coincidiu com a publicação, em Bruxelas, de um estudo da organização independente International Crisis Group. O estudo responsabiliza os simpatizantes do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide pela violência no país centro-americano.
A Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), liderada pelo Brasil, que terminaria nesta quarta-feira (01/06), foi renovada por apenas mais um mês, em vez dos 12 meses pedidos pelo secretário-geral da organização, Kofi Annan. A prorrogação por um ano foi impedida pela China, em represália ao fato de o Haiti manter relações diplomáticas com Taiwan.
Pequim também criticou duramente o projeto de resolução para a reforma das Nações Unidas, apresentado pelo Grupo dos Quatro (Brasil, Alemanha, Japão e Índia). Arquiinimiga do Japão, a China considera "muito perigosa" a sugestão do G-4 sobre novos mandatos permanentes no Conselho de Segurança.
Questionado sobre estes aspectos, o embaixador José Alfredo Graça Lima, chefe da Missão do Brasil junto às Comunidades Européias, em Bruxelas, preferiu não se posicionar, por ainda aguardar uma posição oficial do Itamaraty. O embaixador concedeu a seguinte entrevista à DW-WORLD:
DW-WORLD: Qual é o balanço que o senhor faz da missão do Brasil no âmbito da ONU até agora no Haiti? Isso vai garantir uma cadeira para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU?
Graça Lima: Nos termos das resoluções das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, comprometemo-nos com a estabilização, a reconciliação e a reconstrução do Haiti. Defendemos a promoção de iniciativas que não se limitem ao equacionamento dos aspectos de segurança presentes na crise daquele país, mas que permitam aos haitianos trabalhar no encaminhamento das soluções para seus problemas e no fortalecimento das instituições de seu país. No limite de nossas possibilidades, temos participado também desse esforço com a prestação de cooperação em diferentes áreas.
O Brasil está virando um corpo de bombeiros para crises na América Latina? Foi uma decisão inteligente dar asilo ao ex-presidente do Equador ou isso pode prejudicar a imagem do país no exterior?
Não um "corpo de bombeiros", mas um vizinho amigo e confiável e que deseja contribuir positivamente para que o desenvolvimento e estabilidade de todos os países da região. O instituto do asilo político está regulamentado por convenção internacional e faz parte da tradição diplomática do Brasil.
A Comunidade Sul-Americana de Nações, criada em dezembro do ano passado, deverá propiciar o aprofundamento das relações econômicas e políticas entre os países da América do Sul.
Os encontros dos ministros das Relações Exteriores da UE e do Grupo do Rio já acontecem desde 1990. O senhor também participou do último deles, na semana passada. Qual é o balanço que o senhor faz desses 15 anos, e o que precisa mudar nas relações EU–Grupo do Rio?
O diálogo entre os países do Grupo do Rio e a União Européia contribui positivamente para o entendimento recíproco e em especial para o intercâmbio de informações no plano político, o que facilita a eventual concertação de posições em foros específicos.
Além das reuniões ministeriais institucionalizadas, a cada dois anos, os ministros do G-Rio e da UE também mantêm encontros anuais, no formato "tróica", à margem das reuniões da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Nos últimos tempos multiplicam-se as crises institucionais na América Latina (Bolívia – para onde Brasil e Argentina acabam de enviar mediadores –, Equador, Haiti, Nicarágua, Peru, Venezuela). O Grupo do Rio fracassou no objetivo de impedir tais crises? Qual é o motivo da multiplicação das crises e o que a UE e o Grupo do Rio podem fazer, para que a situação não se agrave?
O Grupo do Rio constitui um instrumento de cooperação política entre os países-membros, e as crises mencionadas relacionam-se, na maior parte das vezes, à insatisfação da população com cenários de estagnação econômica e disparidades sociais. O mecanismo do Grupo do Rio, contudo, contribui para difundir na região a ordem democrática, direitos humanos e padrões administrativos de boa governança. O diálogo franco e aberto que propicia aos seus participantes contribui para o encaminhamento pacífico e institucional de situações de crise, o que em si já é muito importante.
O diálogo entre os líderes das duas regiões pode fazer avançar, nos foros apropriados, iniciativas que permitam aos países mais vulneráveis encontrar soluções para seus problemas. No âmbito das Metas do Milênio, discutem-se, por exemplo, a importante questão do financiamento ao desenvolvimento e existem várias iniciativas em curso – como a criação de mecanismos financeiros inovadores – que beneficiariam países da América Latina.
Por que as negociações sobre o acordo de livre comércio UE–Mercosul não chegam a uma conclusão, se, como se diz, há consenso em mais de 90% dos pontos?
Embora efetivamente tenha havido avanços importantes nas negociações, tanto nos aspectos de acesso a mercados, quanto em aspectos normativos, permanecem, na visão do Mercosul, importantes desequilíbrios no que tange às ofertas de acesso a mercados, notadamente para produtos de grande interesse exportador do agrupamento, em especial na área agrícola.
Enquanto o Mercosul oferece a eliminação de tarifas para a quase totalidade do setor industrial, onde os produtores europeus, de maneira geral, tendem a ser mais competitivos, a UE tem apenas oferecido, em determinados produtos, acesso via quotas preferenciais, que sequer consolidam o nível de exportações atuais do Mercosul para o mercado europeu.
Isso sem falar em áreas como serviços, investimentos e compras governamentais, em que a UE tende a ser mais competitiva do que o Mercosul. A conclusão das negociações deverá passar necessariamente por uma reavaliação, por parte da UE, de suas possibilidades na área agrícola.
O embaixador José Alfredo Graça Lima é chefe da Missão do Brasil junto às Comunidades Européias. Ela foi criada em 1963, em Bruxelas, para representar os interesses brasileiros na Europa, no momento em que o bloco acelerava seu processo de integração regional com o fortalecimento de instituições comunitárias.
O Brasil foi o primeiro país latino-americano a estabelecer relações diplomáticas com a então Comunidade Econômica Européia (CEE), em 24 de maio de 1960. Em 1963, as atribuições da representação brasileira foram ampliadas para as comunidades européias do Carvão e do Aço (Ceca) e da Energia Atômica (Euratom).