Com mais de 2 milhões de assinaturas, projeto para punir corruptos com mais rapidez chega à Câmara. Para subprocurador-geral que lidera PL 4850/2016, corrupção é desvio social e deve ser combatida em todas as esferas.
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O projeto de lei 4850/2016 está pronto para ser discutido na Câmara dos Deputados com um pedido de urgência. O documento nasceu de uma iniciativa popular e é resultado da campanha "Dez medidas contra a corrupção", do Ministério Público Federal (MPF). Elas se transformaram em 20 anteprojetos que pedem mudanças legislativas com um objetivo em destaque: punir corruptos com mais rapidez e recuperar os bens desviados.
Segundo a Constituição, um projeto de iniciativa popular precisa receber a assinatura de pelo menos 1% dos eleitores brasileiros distribuídos em pelo menos por cinco Estados – cerca de 1,5 milhão de assinaturas. O PL 4850 chegou à Câmara com o apoio de mais de 2 milhões de assinaturas, como aconteceu com o Ficha Limpa, que também era de iniciativa popular. A expectativa é que, como o antecessor, ele seja convertido em lei.
Para Nicolao Dino, Subprocurador-Geral da República e coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, não se pode pensar em corrupção só olhando para a esfera pública. "É um grande erro da sociedade demonizar a vida pública como se ali só houvesse aspectos negativos", afirma. Em entrevista para A DW Brasil, Dino condena o "jeitinho", a pequena corrupção, e aguarda com otimismo que o projeto transite logo pela Câmara dos Deputados.
DW Brasil: O projeto está na Câmara dos Deputados, presidida por Eduardo Cunha, réu no Supremo Tribunal Federal por suspeita de recebimento de propina. Qual é a perspectiva de que o projeto, que visa punir com mais rigor quem comete corrupção, seja discutido com rapidez pelos deputados?
Nicolao Dino: Temos que ter perspectivas positivas. Acho que essa sinalização que o Ministério Público e as próprias entidades da sociedade civil estão dando é de crença no funcionamento das instituições organizadas. O Estado brasileiro funciona, tem que funcionar a partir das instituições que o representa. É a Casa Legislativa, o Congresso Nacional, o fórum competente para analisar os projetos de lei.
O fato de haver hoje alguns cenários de corrupção que estão sendo objetos de investigação em diversos setores, e não apenas envolvendo classes políticas, não deslegitima o Congresso Nacional. Muito pelo contrário: ele tem legitimação política, é a instituição que no Estado de Direito pode fazer valer o aprimoramento das regras de combate à corrupção. Temos plena convicção e acreditamos na capacidade do Congresso de se debruçar sobre esse tema.
A participação e pressão populares ganham mais importância num cenário como esse?
Em qualquer cenário político, seja de estabilidade ou de instabilidade, a democracia funciona também mediante a participação da sociedade. Quero dizer que existem várias formas de manifestação de democracia. A classicamente conhecida como representativa se dá nas eleições; a dimensão participativa é aquela em que a sociedade efetivamente dialoga com as instituições que a representa, apresenta sugestões, discute, debate. Essa forma de participação da sociedade é fundamental para o avanço, fortalecimento e consolidação da democracia como um todo.
Vejo isso de forma muito positiva. Acho que a sociedade brasileira tem avançado muito, dando sinais de que não se contenta apenas naquele mecanismo clássico de eleger seus representantes; há mais a fazer, participar do processo decisório.
A Operação Lava-jato mudou a forma de combate à corrupção?
O combate à corrupção é uma bandeira do MPF desde sempre. Para nós, a nossa perspectiva tem que ter um recorte, uma leitura bem técnica. O que temos no MPF é: há fatos de corrupção que são objetos de investigação de forma técnica, bem serena, com independência e responsabilidade necessária. Sobretudo com a perspectiva de que estamos analisando fatos. Sob essa ótica, não vejo diferença sob o ponto de vista da investigação e atuação do MPF entre esse caso e um outro caso de corrupção que exista em qualquer outro ponto do país.
A leitura política é outra coisa, e não estamos fazendo uma leitura política. Não cabe a mim, que sou do Ministério Público, fazer uma leitura política.
Uma das propostas da campanha é fazer com que os processos contra corrupção sejam julgados em "tempo razoável". Quanto tempo seria isso?
No Brasil, os processos se alongam muito por causa de grande teia de novidades e recursos que existem no processo penal. A proposta do projeto é dar mais celeridade para que não ocorra esse prolongamento exagerado, que gera essa sensação de impunidade.
Também queremos melhorar o sistema de prescrição. O nosso sistema favorece – e muito – a impunidade na medida em que, quanto mais longo o processo, mais facilmente ocorrerá a prescrição. O nosso Código Penal tem um ponto de prescrição retroativa, que só existe no Brasil.
O conceito de duração razoável é indeterminado, construído de acordo com a complexidade do caso, entre outros. Definitivamente, não é razoável que um processo se arraste por dez anos.
Por que parece tão difícil punir corruptos no Brasil?
A história recente tem revelado que estamos dando passos bem significativos na direção contrária. Tudo é uma questão de consolidação de instrumentos e amadurecimento democrático.
A política é essencial para o funcionamento da democracia. Não se pode demonizar a política, como algumas pessoas sugerem. É preciso pensar na corrupção como um fato social, está presente em inúmeras dimensões da vida em sociedade, tanto na esfera pública como na privada.
O cidadão que estaciona o carro na vaga de deficiente físico está praticando um pequeno ato de corrupção, é um desvio social. Não se pode pensar em corrupção só pensando na esfera pública, porque isso afasta o cidadão da esfera pública. É um grande erro da sociedade demonizar a vida pública como se ali só existissem aspectos negativos.
A corrupção na esfera privada também provoca um grande estrago na sociedade. Tudo é uma questão de dimensão. É claro que existem corrupções de maior alcance. Quando se fala em corrupções de bilhões de reais, isso tem um impacto muito grande na geração de empregos, na prestação de serviços públicos, como educação, no funcionamento do sistema de segurança.
Mas a corrupção precisa ser combatida como um fenômeno pequeno, médio e grande. Não há como pensar em corrupção só achando que aquela corrupção de grande volume que precisa ser condenada e as outras irão ser tratadas como um “mero jeitinho”. Isso é desvio, isso é uma forma desfocada de ver o fenômeno da corrupção.
Os envolvidos na Operação Lava Jato
A operação que investiga um megaesquema de corrupção na Petrobras já acusou mais de 200 pessoas, sendo que metade delas foi condenada. Relembre as principais ações penais da Lava Jato e seus envolvidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/N. Antoine
Youssef absolvido
Denúncia: Evasão de 124 mil dólares não declarados, lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e tráfico de 700 kg de cocaína.<br/> Resultado: Dois condenados (René Luiz Pereira e Carlos Habib Chater, dono do posto que deu nome à operação), um absolvido em 1ª instância (o doleiro Alberto Youssef, na foto) e um absolvido em 2ª instância (André Catão).<br/> Data: 21 de outubro de 2014.
Foto: cc-by/Valter Campanato/ABr
Primeira condenação de Youssef e Costa
Denúncia: Lavagem de dinheiro e formação de grupo criminoso organizado. Houve desvio de dinheiro público na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por meio de contratos superfaturados.</br> Resultado: Oito condenados (entre eles, Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, na foto) e dois absolvidos.</br> Data: 22 de abril de 2015.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Youssef e o dinheiro do mensalão
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Os recursos, que ultrapassam 1 milhão de reais, pertenciam ao ex-deputado federal José Janene, morto em 2010, e eram provenientes do esquema do mensalão.</br> Resultado: Quatro condenados: Alberto Youssef, Carlos Habib Chater, Ediel Viana da Silva (funcionário do Posto da Torre) e Carlos Alberto Pereira da Costa (laranja de Youssef).</br> Data: 6 de maio de 2015.
Foto: Reuters
Cerveró é condenado
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Nestor Cerveró (foto), ex-diretor da área Internacional da Petrobras, comprou um apartamento de luxo no Rio de Janeiro – hoje avaliado em 7,5 milhões de reais – com dinheiro de propina da Petrobras.</br> Resultado: Um condenado.</br> Data: 26 de maio de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
A primeira sentença a empreiteiros
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da construtora Camargo Corrêa com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas pela empresa ultrapassam os 50 milhões de reais.</br> Resultado: Seis condenados (entre eles, Youssef, Costa e três ex-dirigentes da Camargo Corrêa) e três absolvidos.</br> Data: 20 de julho de 2015.
Foto: AFP/Getty Images/Y. Chiba
Próximo alvo: executivos da OAS
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da empreiteira OAS com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas somam quase 30 milhões de reais.</br> Resultado: Sete condenados (Youssef, Costa, na foto, e mais cinco executivos ligados à OAS, entre eles, o presidente, José Aldemário Pinheiro Filho).</br> Data: 5 de agosto de 2015.
Foto: picture-alliance/AP/E. Peres
Novo operador: Fernando Baiano
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo pagamento e recebimento de propina em contratos com a Petrobras. As vantagens indevidas superam 50 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (Nestor Cerveró, em sua segunda condenação, o lobista Fernando Baiano e um ex-consultor da Toyo Setal, Júlio Camargo) e um absolvido (Youssef).</br> Data: 17 de agosto de 2015.
Foto: Reuters/S. Moraes
Um petista e mais dois ex-Petrobras
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. As propinas negociadas chegaram a 40 milhões de reais.</br> Resultado: Dez condenados (entre eles, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, na foto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e Alberto Youssef) e um absolvido (Paulo Roberto Costa).</br> Data: 21 de setembro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Villalba Racines
Primeiro político condenado
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 1 milhão de reais, por meio de contratos de publicidade firmados com a Caixa e o Ministério da Saúde.</br> Resultado: Três condenados: o ex-deputado federal André Vargas (foto), o irmão dele, Leon Vargas, e o publicitário Ricardo Hoffmann.</br> Data: 22 de setembro de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
O segundo político
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 11 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (entre eles, o ex-deputado federal Pedro Corrêa, que chegou a receber propina enquanto era julgado na Ação Penal 470, o mensalão, processo em que também foi condenado) e dois absolvidos.</br> Data: 29 de outubro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
Mais empreiteiras na mira
Denúncia: Lobistas, doleiros, ex-diretores da Petrobras e executivos ligados à construtora Andrade Gutierrez (entre eles, o presidente da empresa, Otávio Marques de Azevedo, na foto) foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção, organização criminosa e lavagem de capitais, após envolvimento no esquema da Petrobras.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: Reuters/F. de Holanda TPX Images of the day
Agora, a Odebrecht
Denúncia: Preso desde junho de 2015, Marcelo Odebrecht – então presidente da empreiteira Odebrecht – é acusado de envolvimento com o esquema de corrupção. A empresa pagava propina, que era repassada a funcionários da Petrobras.</br> Resultado: Foi condenado a 19 anos de prisão por crimes como corrupção e organização criminosa.</br> Data: 8 de março de 2016.
Foto: Reuters/E. Castro-Mendivil/Files
Mais uma vez condenado
Denúncia: O ex-ministro José Dirceu passou a ser réu da Lava Jato enquanto cumpria pena pelo mensalão. Ele e outras 14 pessoas foram denunciadas por vários atos de corrupção dentro da Petrobras.</br> Resultado: Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outras dez pessoas também foram condenadas.</br> Data: 18 de maio de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Alves
Outra denúncia contra Odebrecht
Denúncia: Marcelo Odebrecht é reu outra vez, junto a outros executivos do grupo, em processo que investiga irregularidades em oito contratos firmados pela empresa com a Petrobras. Segundo o MPF, as propinas chegaram a 137 milhões de reais.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: picture alliance/ZUMAPRESS.com
Collor acusado de corrupção
Denúncia: O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é acusado de cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, tendo recebido pelo menos 3 milhões de reais em propinas de contratos da Petrobras. Em julho, a Polícia Federal fez buscas em suas propriedades e confiscou três carros de luxo.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: ROBERTO SCHMIDT/AFP/Getty Images
Repasses ao PT
Denúncia: O pecuarista José Carlos Bumlai é acusado de corrupção, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, por fraudes na compra de um navio-sonda pela Petrobras. Em depoimento, confessou ter feito um empréstimo de 12 milhões de reais no Banco Schahin para repassar ao PT. Entre os outros dez réus, estão Cerveró, Vaccari e executivos do Grupo Schahin.</br>Resultado: Denúncia aceita pela Justiça.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A denúncia contra Cunha
Denúncia: O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de receber milhões de reais em propina no esquema de corrupção na Petrobas, que teriam sido depositados em contas em seu nome na Suíça. Ele responde pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réu aguarda julgamento.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Mulher de Cunha também é ré
Denúncia: A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, mulher de Eduardo Cunha, é acusada de esconder, em conta secreta no exterior, valores provenientes do esquema criminoso instalado na diretoria internacional da Petrobras. Ela responde pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.<br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; ré aguarda julgamento.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Lula e Delcídio
Denúncia: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e outras cinco pessoas são acusados de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava Jato ao negociar para impedir que o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró assinasse acordo de delação premiada.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam julgamento.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Ex-ministro e senadora denunciados
Denúncia: A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo (foto), são acusados de pedir e receber propina no valor de 1 milhão de reais oriundos da Petrobras. O montante teria sido usado na campanha de Gleisi ao Senado em 2010.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Lula e o tríplex
Denúncia: O ex-presidente Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter supostamente recebido 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas da construtora OAS. Parte do montante está relacionada a um tríplex no Guarujá. Também são alvos da ação a mulher do petista, Marisa Letícia, e mais seis pessoas.<br> Resultado: Denúncia apresentada pelo MPF, aguarda decisão.