Em texto sem sutilezas diplomáticas, presidente americano ameaçou “destruir a economia da Turquia” se Ancara levasse adiante sua ofensiva contra os curdos na Síria. Kremlin diz que tom da carta é "incomum".
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Em uma carta enviada no dia do início da ofensiva da Turquia contra áreas controladas pelos curdos na Síria, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu ao presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, para que ele não fosse um tolo e aceitasse a mediação americana no conflito, caso contrário destruiria a economia do país.
"A história lembrará de você favoravelmente se você fizer isso da maneira certa e humana. Olhará para você como um demônio se coisas boas não acontecerem. Não seja um cara durão. Não seja tolo", escreveu Trump na carta, obtida por uma jornalista da emissora conservadora Fox News.
O texto, desprovido de sutilezas diplomáticas, começa de forma direta. "Vamos trabalhar um bom acordo!", escreveu Trump na carta, datada de 9 de outubro, cuja autenticidade foi confirmada pela Casa Branca para vários veículos da mídia.
Já na frase seguinte, o tom passa a ser de ameaça. Dias depois de parecer dar luz verde à invasão turca ao ordenar a retirada das tropas americanas da região dominada pelos curdos, Trump diz ao presidente turco que destruiria a economia de Ancara se a invasão fosse longe demais. "Você não quer ser responsável por massacrar milhares de pessoas, e eu não quero ser responsável por destruir a economia turca – e eu vou", escreveu. O governo turco, no entanto, ignorou o conteúdo e prosseguiu com a ofensiva.
Como represália, o governo dos EUA cumpriu a ameaça e sancionou na segunda-feira três ministros de Erdogan, além de anunciar uma alta de até 50% sobre as tarifas de importação do aço produzido pela Turquia. A Casa Branca também fechou as portas para a negociação de um possível acordo comercial entre os dois países.
Trump já havia determinado a aplicação de sanções à Turquia em 2018 pela prisão do pastor americano Andrew Brunson, retiradas depois da libertação do religioso.
Na carta, Trump afirma que o comandante das Forças da Síria Democrática (SDF), Mazlum Abdi – grupo de milícias curdas aliado dos EUA antes da retirada das tropas americanas –, está disposto a negociar com Erdogan.
"(Abdi) está disposto a fazer concessões que (os curdos) nunca fizeram no passado", escreveu Trump, indicando que anexava ao documento, de forma confidencial, uma cópia de uma carta enviada pelo comandante curdo ao governo dos EUA.
O presidente americano conclui o texto dizendo a Erdogan que ligaria para ele mais tarde.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse ter ficado surpreso com o tom da carta de Trump a Erdogan. "Tal linguagem nem sempre é encontrada na comunicação de chefes de Estado. É uma carta um tanto incomum."
A Turquia lançou na última quarta-feira uma ofensiva contra as milícias curdas que controlam partes do nordeste da Síria, dias depois dos EUA anunciarem a retirada dos soldados americanos da região. O anúncio de Trump ocorreu depois de uma ligação para Erdogan.
Nesta quinta-feira (17/10), o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, desembarcaram na Turquia para tentar pressionar o Erdogan a negociar um cessar-fogo na Síria.
Mas enquanto eles rumavam para Ancara para ameaçar ações ainda mais severas nos próximos dias, Trump parecia minar a capacidade de negociação de seus próprios emissários, dizendo que os EUA não têm interesses na região e não se preocupam com os combatentes curdos. "Se a Turquia entra na Síria, isso é algo entre a Turquia e a Síria, não entre a Turquia e os Estados Unidos", disse Trump à imprensa durante um encontro na Casa Branca com o presidente italiano, Sergio Mattarella.
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.