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Estréia

Simone de Mello24 de setembro de 2007

Diretor búlgaro Dimiter Gotscheff torna tridimensional o dilema dos intelectuais diante de rupturas históricas, em sua recente encenação de "Hamletmaschine", de Heiner Müller, no Deutsches Theater de Berlim.

Valery Tscheplanowa e Dimiter Gotscheff como Hamlet e Ofélia em 'Hamletmaschine', de Heiner MüllerFoto: picture-alliance/ZB

Ao assistir à montagem de uma peça de Heiner Müller por Dimiter Gotscheff, não é raro o espectador sair se perguntando por que esse dramaturgo não é encenado com maior freqüência na Alemanha. É que a linguagem teatral desse diretor búlgaro faz parecer perfeitamente dramáticas e encenáveis as difíceis peças desse escritor alemão-oriental.

Indagado sobre o hermetismo de suas obras dramáticas, Heiner Müller (1929–1995) declarou uma vez: "Será que não é o público que se recusa a aceitar que o teatro é uma realidade própria e não reproduz, duplica ou copia a realidade do público? O naturalismo quase matou o teatro com essa estratégia de duplicação".

Dimiter GotscheffFoto: picture-alliance/ZB

A estratégia de Gotscheff – não apenas ao encenar Müller, algo a que o diretor se dedica desde a década de 70 – é justamente manter na montagem a realidade textual da peça, sem querer "encená-la" como ação teatral. Isso (e apenas isso, poderia muito bem pensar o espectador) torna tridimensional as nuances dramáticas da elaborada escrita desse dramaturgo, um dos mais importantes do pós-guerra.

Voz do stalinismo monológico

Em sua montagem de Hamletmaschine, recém-estreada no Deutsches Theater de Berlim, Gotscheff cinzela os blocos monolíticos deste breve drama em uma apresentação de ritmo ímpar. O diretor que, no início da década de 80, atraiu grande atenção com sua encenação de Philoktet em Sófia, descobre nessa desmontagem de Shakespeare por Müller um vasto repertório de motivações expressivas, transformando o texto no verdadeiro protagonista da apresentação.

Heiner Müller, cuja obra redescobre o presente histórico do socialismo real e do pós-guerra europeu em antecessores dramáticos como os gregos antigos ou Shakespeare, começou a escrever Hamletmaschine na Bulgária, em 1977. Sua concepção inicial – com referências ao Levante Húngaro, de 1956, à atuação dos ativistas de extrema esquerda da RAF na Alemanha, entre outras rupturas históricas – começou a ser escrita enquanto ele trabalhou numa tradução de Hamlet para o diretor Benno Besson.

"E então surgiu bem rapidamente essa peça de nove páginas, Hamletmaschine. Como eu já tinha notado na Bulgária, era impossível chegar a diálogos com essa matéria, tranportar essa matéria para o mundo do chamado socialismo-stalinismo realmente existente. Pois lá já não havia mais diálogos. Tentei várias vezes engatar diálogos, mas não dava, não havia diálogo nenhum, apenas blocos monológicos, e então o todo acabou se encolhendo neste texto", descreveu Müller a gênese da peça.

Dentro da engrenagem hamletiana

Em Hamletmaschine, a ausência de diálogos cede espaço a uma complexa polifonia de reflexões através da boca da personagem Hamlet, de um ator no papel de Hamlet, e de Ofélia, cujos discursos refletem complexas referências à história européia desde a Segunda Guerra.

Na encenação de Dimiter Gotscheff, protagonizada pelo próprio diretor, a densa colagem de citações de Müller é traduzida em um vasto repertório de interpretações e formas de recitação. A máquina textual de Müller é potencializada pela multiplicação da palavra em gravações e na repetição do papel de um ator por outro ator, o que elimina qualquer impressão de que se trate de personagens. O público sabe se encontrar diante de vozes movidas pelo mecanismo hamletiano.

Heiner Müller, em 1986Foto: dpa

O maior paradoxo de Heiner Müller é criar dramas universais a partir de referências históricas bastante específicas, muitas das quais ameaçam perder a atualidade ou até cair em esquecimento após a dissolução do socialismo na Europa. Em sua recente encenação de Hamletmaschine, Gotscheff consegue tornar vivo – apesar das enigmáticas referências da peça – o drama do intelectual paralisado diante de um desafio histórico.

"É uma peça sobre um jovem membro da classe dominante", sintetizou Müller a peça de Shakespeare, "que por meio de Wittenberg também é um intelectual. E então ocorre uma ruptura entre duas épocas. E é nessa ruptura que ele afunda." Nada mais atual.

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