Às vezes saber um pouco é mais perigoso do que não saber nada. O que é um "Halver Hahn"? "Eine Billion" não é um bilhão? Como se diz "celular" em alemão? E onde está rolando essa "Wasserfest"?
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Uma palavra é uma palavra é uma palavra. Mas um termo mal interpretado também pode redundar em espírito festeiro frustrado, erros contábeis astronômicos, saladas e pudins de leite gorados, e constrangimentos de toda ordem. E aqui, o complexo idioma germânico não é exceção.
O risco é tanto maior quanto mais você confia em seu poder de dedução e no "pouquinho" do vocabulário que conhece. Sobretudo no alemão, que permite criar novos conceitos por mera justaposição de termos, a simples dedução é uma faca de dois gumes. Não só ocorrem, no dia a dia, variações a partir do significado original, como há empregos figurados, falsos cognatos, desvios semânticos e adaptações arbitrárias à realidade local.
A seguir, um rápido guia para se livrar de algumas das armadilhas mais comuns para turistas e recém-chegados:
Billion – Alguém lhe prometeu "eine Billion Euro". Alegre-se mesmo: você será trilionário! Não é um erro de digitação: entre a ordem de grandeza Million (10^6) e Billion (10^12), o Milliarde equivale ao nosso bilhão.
Wasserfest – Wasser é água. Bem, já que Oktoberfest é "festa de outubro" (comemorada em Munique, diga-se de passagem, no fim de setembro), wasserfest só pode ser alguma festa aquática, certo? Errado: o "fest" neste caso nada tem a ver com festividade, é um adjetivo significando "firme", "resistente", portanto "à prova de". Da mesma forma, feuerfest é "à prova de fogo".
Não há como negar: além de ser, sabidamente, o lugar mais perigoso da casa, a cozinha também é o mais propício a equívocos linguísticos:
Chicoree x Endivien – Ambas são verduras, ambas meio amargas e podem ser comidas cruas ou cozidas, mas têm aparências completamente diferentes. E nomes tão... lógicos.
Só que, acredite se quiser, a lógica funciona exatamente ao contrário em alemão: endiva (também conhecida como endívia belga ou endives: folhas pontudas e lisas, verde esbranquiçado) é Chicoree; enquanto a chicória (chicarola ou escarola: folhas largas e crespas, verde-escuro) é Endivien.
Durma-se com um barulho desses! A chave do mistério é que ambas pertencem ao gênero botânico Cichorium.
Nuss – Um caso semelhante: embora seja um termo genérico e conste do dicionário como "noz", o default para frutos secos na língua alemã é avelã (Haselnuss). Noz é Walnuss.
Kondensmilch – Você está morrendo de saudades do Brasil. Nenhuma jabuticaba à vista, a única cura seria um belo pudim de leite condensado. No supermercado, você encontra os ingredientes e segue a receita à risca. Mas o pudim sai um horror. O que aconteceu?
O Kondensmilch da Alemanha não tem açúcar, é um leite mais espesso, para temperar o café sem esfriá-lo muito. Mas seu sonho de um pudim ainda não está perdido: ou pergunte por Milchmädchen, da marca também popular no Brasil, ou – em geral, mais fácil de achar e mais barato – recorra ao "gezuckerte Kondensmilch" (leite condensado doce) de outras marcas.
Halver Hahn – Se você pedir um "meio galo" num bar ou restaurante de Colônia, receberá apenas um pãozinho de centeio com (muita) manteiga, duas fatias grossas de queijo gouda e um montinho de mostarda. Um equívoco intencional, nascido do safado humor renano.
"Das ist mir zu viel!" – Você fez uma proposta a alguém, a pessoa respondeu assim, e você pensa que está abafando. Afinal, a tradução literal é: "É demais para mim!". Condolências: você acabou de levar um fora e nem sabe.
Enquanto para um brasileiro o excesso é positivo, "ser demais" é percebido pelos alemães como negativo. Interessante objeto de estudo para filólogos, psicólogos e sociólogos.
Como se diz "telefone celular" em alemão? – Esta é para adiantados. Os alemães não falam ao "Zelltelefon" (como brasileiros e americanos), nem por "Mobilfon" (mobile para os ingleses, telemóvel em Portugal), ou "tragbares Telefon" (portable na França), e muito menos "Telefönchen" (telefonino na Itália). Aliás, cada país parece querer ser mais original do que o outro ao dar nome a esse melhor amigo do ser humano moderno.
A denominação do celular na Alemanha (e Áustria) é um pseudo-anglicismo: Handy ou (horror supremo!) Händi. Também adotado em vários países asiáticos, o vocábulo vem do inglês, não está bem claro se a partir de handphone (telefone de mão) ou handy phone (telefone prático).
É, às vezes, o alemão não é tão "fácil" quanto parece.
Mas não perca a coragem!
Palavras alemãs no cotidiano brasileiro
O idioma alemão está mais presente no nosso dia a dia do que se imagina. Além de termos como blitz, kitsch ou diesel, outras palavras, como encrenca, chique e até mesmo o nome da Torre Eiffel, têm origem germânica.
Foto: Picture-alliance/dpa/M. Becker
Química e guerra
Boa parte das palavras alemãs presentes no nosso cotidiano está ligada ao setor militar ou a elementos químicos, fato explicado pela autoridade que a Alemanha, durante muito tempo, exerceu nessas áreas. O que nem todos sabem é que na língua portuguesa, como também em outros idiomas, palavras que nada têm a ver com química ou guerra e que não soam alemãs também têm origem germânica.
Foto: Colourbox
Torre Eiffel
A família de Alexandre Gustave Eiffel, engenheiro que deu nome à celebre construção parisiense, veio de uma área montanhosa no oeste alemão chamada Eifel. Na verdade, seu sobrenome era Bönickhausen, algo impronunciável para muitos franceses. A família adicionou, então, o nome da região de origem e passou a se chamar Bönickhausen Eiffel. E o engenheiro entrou para a história com o novo sobrenome.
Foto: picture-alliance/epa/J. Rodriguez
O que é isto?
Numa competição de migração de palavras organizada pelo Conselho da Língua Alemã (Deutscher Sprachrat), pessoas de 70 países sugeriram termos germânicos que "viajaram" para outros idiomas. Das seis mil palavras apresentadas, a mais recorrente foi "vasistas", termo francês para janela basculante ou claraboia. A palavra vem do alemão "was ist das?" – literalmente, "o que é isto?".
Foto: picture-alliance/dpa
Encrenca
Nem todos sabem que a palavra "encrenca" tem origem alemã. Quando achavam que um cliente tinha uma doença venérea, as prostitutas que chegaram ao Brasil no final do século 19 e que falavam iídiche, um dialeto alemão da Europa Central, falavam "ein krenke" ("krank" significa doente em alemão). Assim nascia o termo "encrenca", usado hoje no português do Brasil para designar uma situação difícil.
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Níquel e cobalto
Níquel e Cobalto, do alemão Nickel e Kobalt, eram gnomos que habitavam, na crença dos mineiros da Idade Média, as montanhas alemãs. Os trabalhadores medievais acreditavam que espíritos maus ("Kobold" em alemão) eram responsáveis pela presença de níquel e cobalto, considerados impurezas, na prata, no ferro e no cobre.
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Chope não é cerveja
O chope de cada dia não tem a ver, na sua etimologia, com a palavra cerveja. Trata-se de uma unidade de medida originada do alemão "Schoppen", equivalente a cerca de meio litro. O termo foi integrado ao português através do francês, depois que a corte portuguesa, fugindo de Napoleão, chegou ao Rio de Janeiro, no início do século 19.
Foto: volff/Fotolia
Schick, chic e chique
Já a palavra chique, considerada por muitos um patrimônio da língua francesa, é na verdade um termo alemão que chegou ao português através do francês. Muito antes de os costureiros franceses arrasarem nas passarelas, os alemães usavam expressões como "schicklich" ou "sich schickt" para designar apropriado ou bem arrumado. No alemão medieval, a palavra "schick" significa forma, costume.
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Fanta
Devido à escassez de matéria-prima, a Coca-Cola da Alemanha foi impedida de produzir seu principal produto durante a Segunda Guerra. Para garantir a própria subsistência, a companhia desenvolveu um novo refrigerante, que na época era feito à base de soro de leite. Um concurso entre os empregados da empresa resultou no nome "Fanta", pois a nova bebida era fantástica – em alemão, "fantastisch".
Foto: imago/Steinach
Bulevar
Quando Luís 14 derrubou as muralhas de Paris, que se tornaram obsoletas para fins de defesa, mandou fazer um anel viário ou bulevar ao redor da cidade. A origem do nome dos antigos baluartes vem do alemão "Bollwerk" – literalmente, paliçada, barreira. "Boulevard" era a forma como os franceses pronunciavam "Bollwerk", termo que acabou dando nome às largas avenidas que substituíram as fortificações.
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Blitz, hamster e kombi
Há muitas outras palavras de origem alemã, como blitz, de "Blitz" (raio); Kombi, de "Kombinationsfahrzeug" (veículo combinado) ou hamster, de "hamstern" (juntar), devido às bochechas dos roedores que acumulam alimentos. Já o termo gás, que muitos creem ser de origem germânica, vem do holandês. A palavra foi cunhada pelo químico flamengo Jan Baptista van Helmont, a partir do termo grego "caos".