Na Berlinale, Zelenski insta artistas a escolherem um lado
Torsten Landsberg
17 de fevereiro de 2023
Em discurso na abertura da 73ª edição do Festival de Cinema de Berlim, presidente ucraniano afirma que cinema deve se posicionar politicamente e que arte e cultura devem decidir se apoiam "a tirania ou a civilização".
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O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, discursou na noite desta quinta-feira (16/02) na abertura da 73ª edição da Berlinale, o Festival de Cinema de Berlim. Ele fez um paralelo entre o muro de Berlim e a guerra na Ucrânia e instou os artistas a se posicionarem.
Logo que apareceu em vídeo no telão da cerimônia, Zelenski traçou uma linha entre a guerra e o cinema. Atualmente, ele rompe a chamada quarta parede - uma alusão à demarcação imaginária entre filme ou palco, de um lado, e o público, do outro.
"O cinema pode superar essas barreiras, tanto reais quanto ideológicas", disse Zelenski, referindo-se ao filme alemão Asas do Desejo (1987), do diretor de Wim Wenders, no qual anjos atravessaram o Muro de Berlim.
Onde antes ficava o Muro, hoje bate o coração da Berlinale.
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Civilização ou tirania?
"Hoje é a Rússia que quer construir esse muro na Ucrânia: entre nós e você", disse Zelenski. A arte e a cultura precisam responder de qual lado querem estar: da civilização ou da tirania.
"O cinema deve ficar fora da política?", perguntou Zelenski, para logo após responder: "Não se for uma política de crimes em massa, assassinato e terror, a política da Rússia de hoje". Ficar em silêncio só ajuda o "mal".
A Berlinale decidiu apoiar a Ucrânia. Zelenski citou o lema da primeira Berlinale, em 1951: vitrine do mundo livre.
"Hoje, a Ucrânia é uma fortaleza do mundo livre, que resiste há um ano", afirmou.
Na cerimônia de abertura, a coordenadora da Berlinale, Mariette Rissenbeek, leu uma declaração: "A Berlinale e todos os cineastas declaram sua solidariedade com o povo da Ucrânia em sua luta pela independência e condenam a guerra de agressão nos termos mais fortes possíveis".
Além da estreia mundial de Superpower, de Sean Penn, outros trabalhos da Berlinale abordam a situação da Ucrânia, às vésperas da data que marca um ano do início da guerra. É o caso do documentário Eastern Front, filmado por Vitaly Mansky e Yevhen Titarenko na linha de frente de combate.
Iron Butterflies, um ensaio poético de Roman Liubyi, tem como ponto de partida o avião de passageiros MH17, da Malásia, que foi abatido sobre o leste da Ucrânia em 2014.
Já o documentário In Ukraine, de Piotr Pavlus e Tomasz Wolski, mostra, segundo o festival, a "realidade em que o país vive desde 24 de fevereiro de 2022".
Guerra mudou os planos de Sean Penn
O vencedor do Oscar Sean Penn retornou recentemente de Kiev. "Nada mudou na vontade do povo ucraniano", disse Penn, cujo documentário Superpower fará sua estreia mundial nesta sexta-feira na Berlinale.
Originalmente, Penn queria fazer um filme sobre a trajetória de Zelenski de ator e comediante de stand-up a presidente. Mas, em 24 de fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia. "Isso mudou tudo", disse Penn, que estava na Ucrânia no início da guerra e conheceu Zelenski um dia antes da invasão russa.
Em solidariedade aos protestos no Irã
"Qualquer um que faça filmes e mostre filmes em tempos sombrios resiste à falta de liberdade", disse a ministra da Cultura alemã, Claudia Roth, em seu discurso na cerimônia.
Ela disse que gostaria de entregar um prêmio a todas as pessoas "que esta noite não caminham em tapetes vermelhos, que não estão no centro das atenções, mas que resistem nos porões, nas estações de metrô ou na linha de frente".
A noite de abertura foi seguida pela exibição do filme She Came to Me, que está fora de competição no festival. Na comédia de Rebecca Miller, Peter Dinklage (Game of Thrones) interpreta um compositor em crise.
Dez grandes cineastas alemães
A Alemanha conquistou um lugar próprio no cenário do cinema ocidental pós-guerra. Dos filmes de autor dos anos 1960 até a produção contemporânea, alguns nomes merecem ser especialmente lembrados.
Foto: Vanessa-Maas/bombero international
Rainer Werner Fassbinder
Considerado um dos mais importantes diretores alemães de todos os tempos, Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) viveu apenas 37 anos, nos últimos 16 dos quais realizou 44 filmes. Maior "cronista" em imagens do país e tido como gênio, ele se tornou o mais conhecido cineasta da Alemanha no exterior. Um sem número de teses acadêmicas, livros e documentários confirma hoje a importância de sua obra.
Foto: Imago/United Archives
Wim Wenders
Um dos diretores alemães mais conhecidos fora do país, Wim Wenders realizou dezenas de filmes. Além dos lendários "Paris, Texas" e "Asas do desejo". de ficção, ele dirigiu também diversos documentários sobre música, arquitetura, dança e moda. "Pina", sobre a célebre coreógrafa alemã, realizado em 2011 em 3D, marcou o uso dessa tecnologia em filmes de arte.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Ferrari/ANSA
Werner Herzog
Ao lado de Fassbinder e Wenders, Werner Herzog é o terceiro nome mais conhecido da geração do Novo Cinema Alemão. Autodidata, começou ainda muito jovem a realizar seus filmes, tendo se tornado conhecido através de seus trabalhos com o excêntrico ator Klaus Kinski, com quem realizou cinco filmes. "Fitzcarraldo", de 1982, teve a Amazônia brasileira e peruana como cenário.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Carstensen
Margarethe von Trotta
A berlinense que nasceu em 1942 começou carreira como atriz, indo aos poucos se afirmando como diretora e roteirista de cinema. Personagens femininas são uma marca de sua obra. Margarethe von Trotta já levou às telas as trajetórias de Hildegard von Bingen, Rosa Luxemburg e Hannah Arendt, entre outras.
Foto: picture-alliance/dpa
Volker Schlöndorff
Volker Schlöndorff viveu na França, onde foi assistente de Jean-Pierre Melville, Alain Resnais e Louis Malle. Em 1966, garantiria seu posto no grupo dos grandes nomes do Novo Cinema Alemão ao levar às telas "O jovem Törless", de Robert Musil. A partir daí, consagrou-se por suas adaptações literárias, entre elas "O tambor", de Günter Grass, pelo qual recebeu um Oscar em 1980.
Foto: picture-alliance/dpa
Alexander Kluge
Nascido em 1932, Alexander Kluge foi aluno de Theodor W. Adorno na Universidade de Frankfurt, na mesma época que o filósofo Jürgen Habermas, e fez suas primeiras experiências com cinema como assistente de Fritz Lang. Kluge foi um dos mentores do "Manifesto de Oberhausen", tornado-se posteriormente um dos principais pensadores do Novo Cinema Alemão.
Foto: picture-alliance/dpa/Dedert
Werner Schroeter
Devido à radicalidade de sua obra, Werner Schroeter (1945-2010) nunca conseguiu atingir a popularidade de outros de seus contemporâneos. O gênero lírico era presença constante na obra deste cineasta, que foi também diretor de teatro e ópera. Consta que Fassbinder teria certa vez dito que Schroeter era "o único gênio que a Alemanha mereceria, se não o tivesse desprezado".
Foto: picture-alliance/dpa
Harun Farocki
Cineasta, ensaísta, videoartista e teórico de mídia, Harun Farocki (1944-2014) realizadou de mais de 90 filmes e instalações de mídia e vídeo, em parceria com museus e galerias do mundo. Considerado um dos documentaristas mais importantes de sua geração, questionou em seus filmes-ensaios diversas vezes o próprio discurso da mídia e o uso da tecnologia.
Foto: picture-alliance/dpa
Doris Dörrie
A cineasta tornou-se internacionalmente conhecida em 1985 com a comédia de costumes "Homens". Ela assina a direção de mais de 30 filmes, encenações de ópera, romances e livros infantis. Alguns de seus filmes são adaptações para a tela de seus próprios romances. Uma das características da obra de Doris Dörrie é o humor constante.
Foto: picture-alliance/Geisler-Fotopress
Fatih Akin
O turco-alemão Fatih Akin é considerado um dos grandes nomes do cinema da Alemanha. Depois de "Em julho" e "Solino", alcançou reconhecimento internacional com "Contra a parede", que em 2004 recebeu o Urso de Outro no Festival de Berlim. O cinema de Akin talvez seja o mais multicultural produzido na Alemanha, transitando entre fronteiras tanto geográficas quanto culturais.