Na Grécia, um capítulo esquecido da barbárie nazista
Alexandra Kosma md
6 de outubro de 2016
Em 1944, tropas de Hitler massacraram quase toda a população do vilarejo de Distomo. Livro resgata história de menino de quatro anos que sobreviveu e chama a atenção para questão das reparações de guerra pela Alemanha.
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O menino tem apenas quatro anos, mas deixa uma marca quando aparece na televisão. O tema do programa Die Anstalt, da rede estatal alemã ZDF, é Grécia, a crise do euro e as reparações de guerra. Ele mostra de forma curta a história de Distomo, uma pequena cidade no centro da Grécia, onde os nazistas foram tão cruéis como em nenhum outro lugar do país. Quase ninguém sabe disso.
Durante a exibição, o tempo todo pode ser visto no fundo da imagem esse menino. Seu nome: Argyris Sfountouris. Quando, em 1944, as tropas da SS colocaram fogo em Distomo, estupraram mulheres e mataram seus filhos, a criança estava lá. Os pais dele foram brutalmente assassinados, assim como 32 outros parentes seus. Sua irmã o salvou no último segundo da casa em chamas.
O programa foi assistido também pelo jornalista alemão Patric Seibel. Aos 76 anos, Argyris conta ao vivo o que aconteceu em sua aldeia na época e que ele até agora não recebeu indenização ou pedido de desculpas oficial do governo alemão. Seibel se emocionou ao ouvir a história. E, após o programa, decidiu conhecer Argyris Sfountouris melhor.
O massacre
Patric Seibel investigou o passado de Argyris – e o terror nazista na Grécia, pouco lembrado hoje em dia. A história de Distomo é particularmente trágica e cruel. Em 10 de junho de 1944, tropas alemãs da SS receberam a ordem de matar todos os habitantes da aldeia e acabar com o povoado. Aquilo era um ato de vingança por um ataque de combatentes da resistência grega que matara sete soldados alemães. O massacre de Distomo terminou com 218 civis mortos, quase nenhum dos moradores do vilarejo escapou.
Seibel descreve esses eventos históricos em seu livro. O foco, entretanto, é Argyris Sfountouris, cuja história de vida impressionou profundamente o jornalista, como ele mesmo enfatiza em seu livro, intitulado Ich bleibe immer der vierjährige Junge von damals ("continuo o menino de quatro anos de então", em tradução livre). A frase é do próprio Argyris.
"Quando olho para trás e lembro o que aconteceu, não penso com o intelecto que tenho hoje", diz Argyris em entrevista à DW. "Mas como eu, na época, tentei entender essas experiências."
Com oito anos, ele deixou sua Grécia natal e foi para um orfanato em Trogen, na Suíça. Nele, cresceu junto com outros órfãos de guerra, foi para a escola, para a universidade e depois trabalhou como professor de física. Ele também trabalhou como voluntário em vários projetos de ajuda ao desenvolvimento na África e na Ásia.
Um santo moderno
No livro, publicado mês passado na Alemanha, a história pessoal de Argyris se confunde com a grega. Mesmo quando morava em Zurique, acompanhava os acontecimentos políticos na terra natal. Na década de 1970, prevalecia a ditadura militar no país. Argyris Sfountouris contribuía com a sua parte para a luta contra a ditadura grega traduzindo para o alemão textos proibidos na Grécia.
Mas não só sua história de vida é notável. Patric Seibel também foi surpreendido pela personalidade forte de Argyris Sfountouris. "Apesar de ter, como criança, experimentado algo terrível, ele é um homem que impressiona incrivelmente, por sua bondade e sua tranquilidade", diz o autor.
"Ele não tem nada de amargo. Embora também tão tenha esquecido nada. Ele permaneceu persistente, é um homem com princípios muito claros", continua. "Talvez o termo seja um pouco forte demais, mas, para mim, ele se parece com um santo moderno."
Luta por justiça
Quando Seibel fala sobre a perseverança de Argyris Sfountouris, ele também se refere à luta dele pelo pagamento das reparações da Alemanha para a Grécia. A história do menino de Distomo fez com que o autor passasse a pesquisar intensamente os crimes de guerra dos nazistas na Grécia.
E também o que aconteceu – ou não aconteceu – após a Segunda Guerra Mundial. Um dos capítulos do livro é dedicado à questão dos pagamentos de indenizações do lado alemão e à posição intransigente da Alemanha em considerar este assunto delicado como encerrado.
"A culpa alemã é clara, legal e moral, penso eu. Mas também não acredito que o atual governo vá mudar sua atitude", pondera.
Mas Argyris Sfountouris não desiste da luta. Há 20 anos ele tenta se fazer ouvir pelos políticos alemães. Ele aprova o passo do governo grego, ao levantar a questão publicamente, mesmo que para muitos tenha sido no pior momento possível. E ressalta que a Grécia tenta se recuperar financeiramente e lutar pela confiança de seus parceiros da UE.
"É difícil encontrar o momento certo. Para os alemães, não há momento certo. Então, tem que haver alguma pressão. Eu disse a Alexis Tsipras, quando o visitei no ano passado, que acredito que esta reivindicação deve se dar a nível internacional", conclui.
Memoriais do Terror Nazista
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, diversos memoriais foram inaugurados na Alemanha para homenagear as vítimas do conflito e os perseguidos e mortos pelo regime nazista.
Foto: picture-alliance/dpa
Campo de concentração de Dachau
Um dos primeiros campos de concentração criados durante o regime nazista foi o de Dachau. Poucas semanas depois de Hitler chegar ao poder, os primeiros prisioneiros já foram levados para o local, que serviu como modelo para os futuros campos do Reich. Apesar de não ter sido concebido como campo de extermínio, em nenhum outro lugar foram assassinados tantos dissidentes políticos.
Foto: picture-alliance/dpa
Reichsparteitagsgelände
A antiga área de desfiles do Partido Nacional-Socialista em Nurembergue, denominada "Reichsparteitagsgelände", foi de 1933 até o início da Segunda Guerra palco de passeatas e outros eventos de propaganda do regime nazista, reunindo até 200 mil participantes. Lá está atualmente instalado um centro de documentação.
Foto: picture-alliance/Daniel Karmann
Casa da Conferência de Wannsee
A Vila Marlier, localizada às margens do lago Wannsee, em Berlim, foi um dos centros de planejamento do Holocausto. Lá reuniram-se, em 20 de janeiro de 1942, 15 membros do governo do "Terceiro Reich" e da organização paramilitar SS (Schutzstaffel) para discutir detalhes do genocídio dos judeus. Em 1992, o Memorial da Conferência de Wannsee foi inaugurado na vila.
Foto: picture-alliance/dpa
Campo de Bergen-Belsen
De início, a instalação na Baixa Saxônia servia como campo de prisioneiros de guerra. Nos últimos anos do conflito, eram geralmente enviados para Bergen-Belsen os doentes de outros campos. A maioria ou foi assassinada ou morreu em decorrência das enfermidades. Uma das 50 mil vitimas foi a jovem judia Anne Frank, que ficou mundialmente conhecida com a publicação póstuma do seu diário.
Foto: picture alliance/Klaus Nowottnick
Memorial da Resistência Alemã
No complexo de edifícios Bendlerblock, em Berlim, planejou-se um atentado fracassado contra Adolf Hitler. O grupo de resistência, formado por oficiais sob comando do coronel Claus von Stauffenberg, falhou na tentativa de assassinar o ditador em 20 de julho de 1944. Parte dos conspiradores foi fuzilada no mesmo dia, no próprio Bendlerblock. Hoje, o local abriga o Memorial da Resistência Alemã.
Foto: picture-alliance/dpa
Ruínas da Igreja de São Nicolau
Como parte da Operação Gomorra, aviões americanos e britânicos realizaram uma série de bombardeios contra a estrategicamente importante Hamburgo. A Igreja de São Nicolau, no centro da cidade portuária, servia aos pilotos como ponto de orientação e foi fortemente danificada nos ataques. Depois de 1945 não foi reconstruída, e suas ruínas foram dedicadas às vítimas da guerra aérea na Europa.
Foto: picture-alliance/dpa
Sanatório Hadamar
A partir de 1941, portadores de doenças psiquiátricas e deficiências eram levados para o sanatório de Hadamar, em Hessen. Considerados "indignos de viver" pelos nazistas, quase 15 mil – de um total de 70 mil em todo o país – foram mortos ali com injeções de veneno ou com gás. O atual memorial engloba a antiga instituição da morte e o cemitério contíguo, onde estão enterradas algumas das vítimas.
Foto: picture-alliance/dpa
Monumento de Seelow
A Batalha de Seelow deu início à ofensiva do Exército Vermelho contra Berlim, em abril de 1945. No maior combate em solo alemão, cerca de 100 mil soldados das Wehrmacht enfrentaram o Exército soviético, dez vezes maior. Após a derrota alemã, em 19 de abril o caminho para Berlim estava aberto. Já em 27 de novembro de 1945 era inaugurado o monumento nas colinas de Seelow, em Brandemburgo.
Foto: picture-alliance/dpa
Memorial do Holocausto
O Memorial ao Holocausto em Berlim foi inaugurado em 2005, em memória aos 6 milhões de judeus assassinados pelos nazistas na Europa. Não muito distante do Bundestag (parlamento), 2.711 estelas de cimento de tamanhos diferentes formam um labirinto por onde os visitantes podem caminhar livremente. Uma exposição subterrânea complementa o complexo do Memorial.
Foto: picture-alliance/dpa
Monumento aos Homossexuais Perseguidos
De formas inspiradas no Memorial do Holocausto e próximo a ele, o monumento aos homossexuais perseguidos pelo nazismo foi inaugurado em 27 de maio de 2008, no parque berlinense Tiergarten. Uma abertura envidraçada permite ao visitante vislumbrar o interior do monumento, onde um vídeo infinito mostra casais de homens e de mulheres que se beijam.
Foto: picture alliance/Markus C. Hurek
Monumento aos Sintos e Roma Assassinados
O mais recente memorial central foi inaugurado em Berlim em 2012. Em frente ao Reichstag, um jardim lembra o assassinato de 500 mil ciganos durante o regime nazista. No centro de uma fonte de pedra negra, está uma estela triangular: ela evoca a forma do distintivo que os prisioneiros ciganos dos campos de concentração traziam em seus uniformes.
Foto: picture-alliance/dpa
'Pedras de Tropeçar'
Na década de 1990, o artista alemão Gunter Demnig começou um projeto de revisão do Holocausto: diante das antigas residências das vítimas, ele aplica placas de metal onde estão gravados seus nomes e as circunstâncias das mortes. Há mais de 45 mil dessas "Stolpersteine" (pedras de tropeçar) na Alemanha e em 17 outros países europeus, formando o maior memorial descentralizado às vítimas do nazismo.