Na Libéria, ebola afeta também pacientes com malária e aids
Julius Kanubah / Philipp Sandner (rc) 20 de setembro de 2014
Epidemia do vírus sobrecarrega hospitais, levando à falta de medicamentos e à exaustão das equipes médicas. Liberianos que precisam de tratamento para outras doenças graves acabam negligenciados.
Foto: DW/Julius Kanubah
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O medo prevalece na Libéria. Desde março deste ano, mais de 1.400 pessoas morreram em razão da epidemia do vírus ebola no país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que os números de novos casos devem aumentar exponencialmente. No entanto, a contaminação pelo ebola não é o único fator que assombra os liberianos. É grande o medo entre os pacientes de serem erroneamente classificados como infectados pelo vírus.
"Os hospitais me amedrontam muito", diz Roland Shad, morador da capital Monróvia. "O ebola é o grande assunto. Até mesmo quando você tem uma simples infecção de malária, eles [serviço médico] vão dizer que é ebola", conta Shad, antes de mencionar que a perspectiva de um diagnóstico equivocado, seguido de dias ou semanas de isolamento, não o agrada.
Annie Chea, que vive na favela de New Kru Town, concorda com Shad. Ela diz que até mesmo casos de dores de cabeça são tratados como se fossem ebola. "É por isso que tenho medo de ir ao hospital", confessa.
Diarreia e febre alta são sintomas do vírus ebola, mas também ocorrem em pacientes com malária. Porém, de acordo com o Ministério da Saúde da Libéria, todos os doentes com esses sintomas devem ser tratados como casos suspeitos de contaminação pelo ebola.
Sistema de saúde é desolador
Em New Kru Town fica o renomado hospital Redemption, que possui a sua própria ala de isolamento para pacientes com ebola. Lá trabalha o enfermeiro James Gbatah, que tem uma mensagem direta aos liberianos: "Não tenham medo! Não pensem que os hospitais não são seguros. São os melhores lugares para todos os pacientes. É lá [nos hospitais] que vão receber ajuda, quando não puderem compreender qual doença os aflige".
James Gbatah, enfermeiro na capital Monróvia, pede para que o povo não tenha medo dos hospitaisFoto: DW/Julius Kanubah
Mas o que nos casos normais é uma verdade, se torna questionável quando se trata do ebola. Há um bom tempo, o desespero tomou conta também das equipes médicas. "Após o início da epidemia, em julho, perdemos o doutor Samuel Brisbane", lembra Daylue Goah, relações públicas de um dos maiores hospitais da Monróvia, o John F. Kennedy Memorial Center.
"Após sua morte, a maioria dos funcionários literalmente correu para salvar suas próprias vidas. Sem enfermeiras, os pacientes também resolveram fugir – eles assinaram um termo de responsabilidade admitindo que deixaram o hospital contrariando as recomendações médicas", explica Goah. O exemplo mostra como o sistema de saúde na Libéria literalmente sucumbiu em consequência da epidemia.
Pacientes de aids sem atendimento
A atenção maior dedicada ao ebola encobre, assim, outros problemas. Apesar do grande número de mortes na África Ocidental, a doença ainda está longe de ser a mais letal. Além da malária, a aids também está entre as doenças mais perigosas e provoca cerca de 1,6 milhão de mortes anualmente – em grande parte, no continente africano.
Cynthia Quaqua, da associação Reforço do Papel da Mulher: "Por causa do ebola, a aids não é mais assunto na Libéria".Foto: DW/Julius Kanubah
Somente na Libéria, são mais de dez mil pessoas contaminadas. Um desses, Joejoe Baysah, conta que "desde o início do surto de ebola, as campanhas contra o vírus HIV foram praticamente interrompidas". O homem de 45 anos recebe tratamento antiretroviral há 12 anos. "O acesso a medicamentos é problemático, porque muitos hospitais estão fechados", reclama Baysah.
Segundo ele, muitos centros de tratamento da aids, designados a prevenir a contaminação de mães para filhos, também estão de portas fechadas.
Para Cynthia Quaqua, presidente da rede liberiana para o Reforço do Papel da Mulher, isto é escandaloso. "Seres humanos estão morrendo. Não temos mais centros de tratamento de boa qualidade, o mundo todo só se preocupa com o ebola", lamenta. Ela acaba de saber da morte de mais uma criança, que foi infectada pela mãe em seu nascimento. "Hoje em dia, a aids não é mais assunto na Libéria."
Maior surto de ebola da história
A África enfrenta a pior epidemia de ebola. Não existem medicamentos ou vacina para conter a doença. Perante surto, a Organização Mundial da Saúde liberou o uso de substâncias experimentais em pacientes infectados.
Foto: Reuters
Conhecido desde 1976
O vírus do ebola foi descoberto em 1976 na República Democrática do Congo por uma equipe de pesquisadores da Bélgica. A doença foi batizada com o nome do rio que passa pelo vilarejo onde ela foi identificada pela primeira vez. Desde então, já houve 15 epidemias nos países africanos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Foto: Reuters
Chances mínimas
Há diversas variações do vírus, e apenas algumas causam a febre hemorrágica. Ainda não há vacina ou medicamentos aprovados para combater o ebola. A doença é fatal na maioria dos casos: a taxa de mortalidade é de 90%. O diagnóstico é feito através de exames laboratoriais.
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Sintomas
Os sintomas, que aparecem entre 2 e 21 dias após a infecção, são fraqueza, dores de cabeça e musculares, calafrios, falta de apetite, dor de estômago e de garganta, diarreia, vômitos e febre hemorrágica. As principais regiões do corpo afetadas são o aparelho digestivo, o baço e o pulmão.
Foto: picture alliance/AP Photo
Contágio
A transmissão do ebola ocorre apenas através de fluídos corporais, ou seja, deve haver contato direto entre as pessoas ou animais infectados, e também por meio do contato com ambientes contaminados. Ele se propaga, por exemplo, em hospitais, entre enfermeiros e médicos que tratam de pessoas infectadas. Além disso, pode ser transmitido ao se tocar no corpo de pessoas que morreram dessa doença.
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De animais para humanos
Animais infectados também transmitem a doença. O ebola foi introduzido na população humana através de contato com sangue, secreções, órgãos e fluídos corporais de animais que carregavam o vírus. Morcegos, por exemplo, são hospedeiros do vírus, mas eles não adoecem e podem carregar o ebola consigo até o fim da vida.
Foto: picture-alliance/dpa
Informação é o melhor remédio
Campanhas de esclarecimentos sobre o ebola são fundamentais para conter o avanço da epidemia. A única maneira de evitar uma infecção são medidas preventivas, como melhores condições de higiene nos hospitais, uso de luvas e a quarentena.
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Atual epidemia
Os primeiros casos do atual surto de ebola foram confirmados em março deste ano na Guiné. Desde então, a pior epidemia dessa doença da história já se alastrou por seis países africanos. Casos já foram registrados na Libéria, em Serra Leoa, na Guiné, na Nigéria, na República Democrática do Congo e no Senegal.
Foto: picture-alliance/dpa
Fronteiras fechadas
Os governos de Serra Leoa, Libéria e Nigéria decretaram estado de emergência devido à epidemia. O surto levou alguns países africanos a colocar em quarentena regiões fortemente atingidas pela doença. Além disso, para tentar evitar a propagação da epidemia, países como Guiné, Libéria e Costa do Marfim fecharam suas fronteiras.
Foto: Reuters
Mais de mil mortes
A OMS considerou o atual surto de ebola com o maior e pior da história. Desde março, mais de 3 mil casos da doença já foram confirmados e mais de 1.500 pessoas morrem de ebola. Entretanto, a agência teme que mais de 20 mil pessoas possam ser infectadas até que a epidemia seja controlada.
Foto: DPA
Vida em risco
No atual surto há uma elevada taxa de infecção entre profissionais de saúde que cuidam de pacientes com ebola. Mais de 240 médicos e enfermeiros já foram infectados e mais de 120 morreram. A falta de roupas de proteção e o cansaço após jornadas exaustivas de trabalho são as razões para essas infecções. Alguns deles estão recebendo o tratamento em países europeus e nos Estados Unidos.
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Medicamentos experimentais
O médico americano Kent Brantly foi tratado nos Estados Unidos com o soro experimental ZMapp. Após três semanas de isolamento ele foi curado. Mas a eficácia desse medicamento é controversa. Um padre espanhol tratado com esse soro não sobreviveu. Perante a gravidade da crise, a OMS aprovou em meados de agosto a utilização de substâncias experimentais contra o ebola.