1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Na Paulista, os "inimigos" agora são Maia e STF

Yan Boechat de São Paulo
27 de maio de 2019

Palco tradicional de protestos, avenida em São Paulo vê desta vez os gritos se voltarem contra o presidente da Câmara e o Supremo, em ato que testa o apoio das ruas ao governo Bolsonaro em momento delicado.

Protestos pró-Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo
O STF é visto pelos bolsonaristas como determinado a dificultar as mudanças que o presidente quer implementarFoto: DW/Y. Boechat

O dia ensolarado e a temperatura amena deste início de outono contribuíram para que um clima de déjà-vu tomasse conta da Avenida Paulista, na região central de São Paulo, neste domingo (26/05). Como nos protestos que pediam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) entre 2014 e 2016, dezenas de milhares de pessoas vestidas com camisas da seleção brasileira de futebol ou com peças de roupas nas cores verde e amarela voltaram a este que é um dos pontos símbolos da capital paulista para protestar.

Desta vez, no entanto, o alvo dos manifestantes foram antigos aliados dos movimentos de direita que, primeiro, exigiam a saída do PT do poder e, depois, pediam votos para que Jair Bolsonaro fosse eleito presidente do Brasil.

Em vez dos tradicionais gritos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desta vez o político escolhido como inimigo comum foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto pelos bolsonaristas como o representante máximo do que chamam de velha política e do estilo "toma lá, dá cá" de negociação.

O "Foro de São Paulo", visto como uma ameaça imediata pelos manifestantes de direita à soberania nacional, foi trocado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), visto agora como uma instituição determinada a dificultar as mudanças que Bolsonaro pretende implementar no país.

Não sobrou nem mesmo para o MBL (Movimento Brasil Livre), um dos protagonistas na campanha pelo impeachment de Dilma e força importante na mobilização digital que ajudou Bolsonaro a chegar ao poder. Agora, Kim Kataguiri, Mamãe Falei e Fernando Holliday, parlamentares eleitos com a chancela do grupo, são vistos como traidores por não apoiarem as manifestações deste domingo.

Pedro dos Santos acredita que parte das dificuldades enfrentadas por Bolsonaro se deve ao presidente da CâmaraFoto: DW/Y. Boechat

Como eles, uma parcela importante de deputados do PSL, o partido do presidente, aliados de primeira hora como o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), e celebridades desse novo mundo conservador que emergiu a partir de 2014, como a deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), decidiram não só boicotar as manifestações marcadas para este domingo, como também criticá-las abertamente.

Temiam que o iminente confronto entre a ala bolsonarista mais radical, que conta com o apoio quase explícito do presidente, pudesse tornar a relação entre o Executivo e o Legislativo ainda mais tensa e improdutiva. Temiam, ainda, que as pautas antidemocráticas, como o pedido de fechamento do Congresso e do STF pudessem enfraquecer ainda mais Jair Bolsonaro no complexo jogo político de Brasília.

Os sete caminhões de som estacionados ao longo da Avenida Paulista por grupos que apoiam Bolsonaro foram, até certo ponto, cautelosos. Preferiram focar suas demandas em uma pauta baseada nos projetos que tramitam no Congresso e sobre os quais o Executivo tem interesse direto, como a reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, elevado, como nos protestos que pediam a saída do PT do poder, ao papel de super-herói. Em Brasília, um boneco inflável do ministro vestindo as roupas do Super-Homem adornou o gramado em frente ao Congresso.

Manifestantes de verde e amarelo tomaram ao menos sete quarteirões da Paulista neste domingoFoto: DW/Y. Boechat

Defendiam também a aprovação integral da MP-870, que, entre outras medidas, reorganiza o governo reduzindo ministérios e transfere o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a pasta da Justiça.

"Vocês precisam entender que a gente não pode falar tudo que a gente quer lá no Congresso, não podemos falar o que vocês falam na rua", disse a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) em um dos carros de som, dando a entender que, oficialmente, as demandas que muitos levavam em cartazes durante a manifestação não podiam ser defendidas publicamente pelo governo. "Vocês não sabem o mal que faz não poder falar tudo o que a gente quer", afirmou ela, pouco antes de mencionar o nome de Rodrigo Maia e perguntar se ele merecia aplausos ou vaias.

No asfalto, vaias foram as críticas mais leves destinadas ao presidente da Câmara. Em cartazes, falas ou gritos, Maia era chamado de "ladrão", "corrupto", "aproveitador" e um sem número de palavrões impublicáveis.

O corretor de imóveis Pedro dos Santos, de 67 anos, saiu da Zona Leste de São Paulo para passar o dia com um cartaz em que se lia "R. Maia FDP". Ele, um eleitor de Bolsonaro levemente frustrado, acredita que boa parte das dificuldades que o presidente está enfrentando se deve à ação do presidente da Câmara – o líder, na visão dele, do conjunto de partidos de centro que ficou conhecido como "Centrão".

"O Nhonho só sabe conversar com dinheiro, é o que eles querem, tem que tirar ele dali, senão a coisa não anda." Santos, como a maior parte dos manifestantes que ocupavam a Paulista neste domingo, só se refere a Maia pelo nome do personagem gorducho e mimado do seriado Chaves. "Eu sou contra fechar o Congresso, o STF, mas com ele lá não dá", disse, com a voz começando a ficar abafada pela cantoria de um caminhão de som do grupo autointitulado fiscais da nação.

Críticas à imprensa e defesa de políticas promovidas pelo governo Bolsonaro estiveram entre as pautas da manifestaçãoFoto: DW/Y. Boechat

Formado por ex-militares e admiradores das Forças Armadas, o grupo adotou um tom levemente mais radical contra os principais alvos do protesto deste domingo. Depois de ter um padre rezando uma missa e dizendo que Bolsonaro "não é tudo aquilo que queriam, mas foi o que Deus nos enviou", o grupo iniciou duras críticas ao STF.

No ponto mais alto, tentaram puxar um grito de ordem que acabou não se tornando tão popular entre seus seguidores: "STF, preste atenção, a tua toga vai virar pano de chão."

"Olha, vou te dizer, dá para deixar uns quatro ou cinco ali, o resto precisa prender tudo, foram todos colocados por bandidos", disse, exaltado, o aposentado José Paulo, recusando-se a dar seu sobrenome. "O melhor mesmo seria o Bolsonaro, que é uma pessoa de bem, escolher os 11 logo de uma vez, esses que estão lá não prestam", contou, enquanto levantava um cartaz onde se lia "Fora STF".

Ninguém sabe ao certo quantas pessoas o protesto reuniu na Avenida Paulista. Por ao menos sete quarteirões, a avenida ficou tomada por manifestantes de verde e amarelo. Em alguns pontos, era difícil caminhar por conta da aglomeração de pessoas, em outros havia menos concentração.

Como a Polícia Militar decidiu não divulgar números, cada grupo fez sua própria contagem. Alguns falavam em 200 mil pessoas, outros em 500 mil, e houve até quem dissesse que mais de 1 milhão de manifestantes estavam na Avenida Paulista. Apesar dos exageros, a manifestação inflamada de forma velada pelo Planalto atraiu um número considerável de pessoas e foi a maior do país. Apesar de não ter participado de nenhuma delas, Bolsonaro exaltou o comparecimento dos manifestantes.

O Brasil dorme hoje com a dúvida de qual efeito elas terão sobre os heróis e vilões dos protestos bolsonaristas deste domingo. Apesar de boa parte de seus assessores políticos mais próximos terem recomendado cautela e mais diplomacia no trato com os demais Poderes, Bolsonaro tem dados repetidos sinais de que não pretende ceder nas disputas que têm pela frente.

O Congresso, na figura de Maia, e o STF por sua vez têm tentado mostrar independência e ocupar os espaços deixados por um Executivo muitas vezes confuso e reticente. As próximas semanas vão mostrar se os protestos deste domingo terão força suficiente para alterar o jogo de forças em Brasília.

______________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube 
WhatsApp | App | Instagram | Newsletter

Pular a seção Mais sobre este assunto