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Nacionalismo violento está em ascensão na Bulgária

Tatyana Vaksberg (rc)18 de março de 2014

Aumento dos ataques a minorias preocupa observadores. Nacionalismo é apontado como causa principal da violência, enraizado no modo como os búlgaros interpretam a própria história.

Foto: BGNES

Conceder liberdade condicional a um réu que enfrenta acusações de assassinato pode provocar protestos em qualquer parte do mundo. Porém em Sófia, capital da Bulgária, a história não é o que se esperaria.

No início de março, na capital búlgara, Sófia, foi libertado um homem que não só é acusado de assassinato, mas também é visto como símbolo de um movimento de violência de motivação racista, que vem se alastrando no país de forma basicamente impune, há já algum tempo.

Em 2013, o guarda de segurança Petko Elenkov, de 50 anos, matou a tiros um adolescente da etnia nômade rom, que haveria pulado o muro de um depósito de geladeiras para roubar sucata metálica. Elenkov nega ter cometido qualquer delito.

Um ano depois, ainda não foi iniciado o julgamento do caso, e o acusado foi libertado após pagamento de uma fiança de 5 mil leva (cerca de 2.500 euros). Grupos de roma protestaram nas ruas, clamando por justiça. Manifestações nacionalistas e pró-nazistas se sucederam, em reação.

"O nacionalismo está em ascensão na Bulgária", comentou à DW Daniela Mikhaylova, diretora da ONG Equal Opportunities Initiative, sediada no gueto rom de Sofia. Segundo ela, este "novo nível de violência é o resultado de uma atitude nacionalista específica que, há tempo demais, não tem encontrado oposição. Quando uma violência dessas acontece, e tem gente que escreve em fóruns da internet coisas como 'Muito bem, os ciganos tiveram o que mereciam', as pessoas começam a pensar que essa reação é natural e até legítima".

Discriminação generalizada

Segundo estatísticas oficiais, a comunidade rom conta cerca de 400 mil membros na Bulgária. É o maior grupo étnico do país e o que mais sofre ataques, mas, nem de longe, a única vítima de discursos odiosos e discriminação.

"O alvo dos nacionalistas é 'o Outro'", explica Solomon Bali, presidente do braço búlgaro da organização judaica B'nai B'rith. "Isso inclui muçulmanos, judeus, a comunidade gay e os refugiados estrangeiros. E os ataques se tornaram mais frequentes, mais agressivos e mais veementes, nos últimos anos."

Na última década, Bali recorda eventos como a profanação do cemitério judaico da cidade de Kyustendil, o incêndio da sinagoga de Burgas, além do "campo ilimitado para propaganda antissemita e fanatismo, que a internet e as mídias sociais oferecem".

A imprensa noticiou pelo menos uma dezena de atos de violência armada contra refugiados africanos ou asiáticos, nos últimos meses. Em fevereiro, um grupo de nacionalistas apedrejou uma mesquita na cidade de Plovdiv, quebrando as janelas do edifício que data do século 15.

"Até onde me lembro, apenas uns poucos desses casos foram tratados pela acusação como sendo étnica ou religiosamente motivados. E num deles um rom foi julgado por ofender cidadãos búlgaros", conta Krassimir Kanev, presidente da organização de defesa dos direitos humanos Comitê Helsinque, na Bulgária.

Comunidade rom na Bulgária soma cerca de 400 mil membrosFoto: picture-alliance/dpa

Apoio parlamentar

Membro da União Europeia desde 2007, a Bulgária ainda está sujeita a monitoramento especial pela Comissão Europeia. Esta ainda não abordou explicitamente o quesito da persecução dos crimes de discriminação, contudo, o volume de casos búlgaros levados à Corte Europeia dos Direitos Humanos já deixa entrever a dimensão do problema.

"Um dos últimos casos levados à Corte está relacionado ao ataque brutal dos nacionalistas à principal mesquita do centro de Sófia", conta Kanev. Em maio de 2011, nacionalistas pularam as grades, agrediram brutalmente o vigia e invadiram a mesquita, apenas minutos antes do início das preces matinais. Depois, atacaram os demais muçulmanos com pedras, aos gritos de: 'Terroristas! Voltem para a Turquia! Não sujem o nosso país!'"

Os criminosos, porém, foram apenas acusados de insultar um policial. A corte búlgara sequer mencionou a dimensão religiosa do crime. "O fracasso das instituições públicas da Bulgária em impor o rigor da lei é explorado para transformar minorias perseguidas em espantalhos políticos e sociais", denuncia Hristo Ivanov, diretor do Instituto Búlgaro de Iniciativas Legais.

Atualmente, muitas dessas instituições sofrem influência do Ataka, partido nacionalista que conseguiu representação no Parlamento pela primeira vez em 2005, com quase 9% dos votos. Atualmente, a Comissão Parlamentar de Ética é presidida por um deputado seu, e o Ataka tem representante próprio na Comissão de Proteção contra a Discriminação. "Não é grande surpresa que muitas vezes as decisões [das comissões] apoiem a discriminação, ao invés de combatê-la", lamenta Kanev.

Judeus entre grupos discriminados na BulgáriaFoto: BGNES

Estatísticas alarmantes

"Nossas estimativas sugerem que em torno de 30% dos eleitores ficariam felizes se a nossa sociedade se tornasse monoétnica." Assim Solomon Bali, do B'nai B'rith, comenta a tendência de xenofobia crescente, na política e sociedade búlgaras.

Os dados sociológicos confirmam: Petra Kabakchieva, diretora do Departamento de Sociologia da Universidade de Sófia, registra a clara tendência para formação de bairros segundo critérios étnicos. "Metade das pessoas afirma que não gostaria de viver num bairro com gente de origem africana, rom, árabe ou chinesa."

Menos de 30% aceitaria trabalhar numa empresa dirigida por membros da etnia rom. Entretanto, 70% trabalharia num ambiente onde estes fossem faxineiros. Isso "indica claramente atitudes racistas", concluiu Kabakchieva, classificando os resultados como "alarmantes".

Mesquistas também têm sido alvo de atentados e agressõesFoto: BGNES

Visão seletiva da história nacional

"A retórica abertamente nacionalista e xenófoba é viabilizada pelo modo como a história é compreendida e ensinada nas escolas", aponta Hristo Ivanov. Ele cita estudiosos segundo os quais a percepção da história na Bulgária levou à ascensão da violência nacionalista.

Uma década atrás, a Bulgária se autopromovia como país com um "modelo étnico" único de tolerância, geralmente citando dois exemplos: em 1943, juntamente com a Igreja Ortodoxa, políticos conseguiram salvar da perseguição nazista todos os 50 mil judeus que viviam no atual território búlgaro. Além disso, em 1989, logo após a queda do Muro de Berlim, o país restaurou os direitos dos quais a minoria turca havia sido anteriormente privada pelo regime comunista.

Mas tais exemplos são apenas parte da história. Muitos búlgaros negam o papel do Estado na deportação dos judeus gregos e macedônios para os campos de concentração. "Mais ainda: quando os de origem judaica mencionam esse fato, são geralmente tachados de ingratos", relata Bali.

Além disso, a maioria dos búlgaros não admite a perseguição à minoria muçulmana, que atravessou todo o século 20. Esses são dois grandes episódios negativos da história da Bulgária que não constam dos livros escolares. "Nas escolas e em grande parte do discurso oficial, a história búlgara continua a ser a história política da maioria, deixando praticamente nenhum espaço para a perspectiva das minorias", explica Ivanov.

Em sua opinião, a história é escrita com base em confrontações monolíticas do tipo "nós contra eles". "Desse modo, somos levados a nos identificar coletivamente como vítimas de diferentes delitos, e deixados com a opção de temer os nossos vizinhos ou torcer por vingança."

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