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Nacionalistas entram no Parlamento alemão

24 de setembro de 2017

Menos de quatro anos depois de sua fundação, Alternativa para a Alemanha capitaliza crise dos refugiados e vira terceira maior força do Bundestag, graças a discurso xenófobo e anti-islâmico.

Alexander Gauland, um dos líderes da AfD: político prometeu "caçar o governo"
Alexander Gauland, um dos líderes da AfD: político prometeu "caçar o governo"Foto: Reuters/W. Rattay

Os nacionalistas voltaram ao parlamento da Alemanha. Em uma eleição essencialmente previsível, que funcionou como um referendo para um quarto mandato da chanceler federal Angela Merkel, a grande novidade foi a ascensão da Alternativa para Alemanha (AfD), o partido populista de direita com retórica xenófoba fundado há pouco mais de quatro anos.

Resultados preliminares apontam que o partido deve conquistar 12,6% dos votos e se tornar a terceira maior bancada do Bundestag (Parlamento alemão), com 94 cadeiras, à frente de grupos tradicionais que atuam há décadas, como A Esquerda e os verdes. 

A base de seu eleitorado está majoritariamente no leste da Alemanha – no estado da Saxônia, a AfD foi o partido mais votado, com 27%, superando em 0,1 ponto percentual a União Democrata Cristã (CDU), de Merkel. A AfD obteve 20,5% dos votos no leste alemão, e apenas 10,7% dos votos no oeste do país. Independentemente de como Merkel rearranjar sua coalizão governista, a AfD será um dos principais partidos de oposição à chanceler.

A última vez que a Alemanha do pós-guerra viu um partido nacionalista chegar tão longe foi no início da década de 1960, quando agremiações como os extintos Partido Alemão e o BHE (o braço político da liga dos alemães expulsos do leste da Europa) chegaram a ocupar cadeiras no Parlamento federal, mas nenhum deles chegou a ter uma votação tão expressiva como a da AfD neste domingo.

Programa

À época, o programa desses partidos focava no anticomunismo, no restabelecimento das fronteiras alemãs do pré-guerra e na reabilitação dos militares que lutaram na Segunda Guerra Mundial.

Já a AfD nasceu em 2013 essencialmente como um partido eurocético, na esteira da crise financeira da Grécia, levantando a bandeira da rejeição de qualquer ajuda dos cofres alemães ao país mediterrâneo. Em sua primeira eleição federal em 2013, conquistou 4,7% dos votos, mas ficou de fora do Parlamento por causa da cláusula de barreira de 5%.

No entanto, rapidamente o partido passou por um processo de radicalização e adotou posições abertamente nacionalistas e bandeiras anti-imigração e anti-islâmicas, que foram reforçadas com a crise dos refugiados de 2015. A guinada à direita rendeu frutos eleitorais. Antes mesmo da votação deste domingo, a AfD já havia conquistado cadeiras em 13 dos 16 parlamentos estaduais da Alemanha.

Entre as principais plataformas da AfD estão o restabelecimento do controle de fronteiras (em desafio ao acordo de Schengen), a proibição da exibição de indumentárias islâmicas e do financiamento estrangeiro de mesquitas na Alemanha, além da expulsão rápida de imigrantes ilegais e de refugiados que tiveram seus pedidos de refúgio negados. Seu programa tem até mesmo uma seção dedicada a explicar por que "o islã não pertence à Alemanha". Todos esses itens e a retórica de alguns de seus membros levaram críticos a acusarem o partido de abrigar tendências neonazistas.

Embora menos destacada hoje, a rejeição à União Europeia continua no seio da sigla. O programa tem apelo particularmente forte em partes da antiga Alemanha Oriental comunista - ainda que a região concentre poucos imigrantes.

Mensagem

Para propagarem suas mensagens nessa campanha, os principais membros do partido trataram de testar todos os limites do debate público na Alemanha com declarações politicamente incorretas, muitas vezes ultrajantes. O próprio programa eleitoral da sigla, divulgado no ano passado, foi explícito em demonstrar como funciona essa estratégia midiática. "A AfD vive bem com sua fama de quebrar tabus e de partido de protesto", assinalou o documento.

Cartaz da AfD: "Burcas? Nós preferimos biquínis"Foto: AfD

Entre essas quebras de tabu se destacaram a declaração de Björn Höcke, deputado estadual da AfD na Turíngia, que condenou o memorial do Holocausto em Berlim. Ele disse que os alemães são "as únicas pessoas no mundo que plantaram um memorial de vergonha no coração de sua capital".

Já Alexander Gauland, de 76 anos, candidato da AfD nestas eleições, assumiu a posição de principal incendiário retórico da sigla. No ano passado, ele provocou indignação ao fazer comentários derrogatórios sobre o jogador da seleção alemã Jérôme Boateng, que é de origem africana. "As pessoas gostam dele como jogador, mas não gostariam de um Boateng como vizinho".

Ele também afirmou recentemente que os alemães deveriam ter "orgulho" dos soldados que lutaram nas duas guerras mundiais, inclusive dos membros da antiga Wehrmacht (as forças armadas do regime nazista). "Se os franceses têm razão em ter orgulho do seu imperador e os britânicos de Churchill e do almirante Nelson, nós temos que ter orgulho das realizações dos soldados alemães nas duas guerras", disse.

Em todas as ocasiões, essas declarações foram repercutidas e amplificadas pela imprensa alemã. O partido também fez uso de propagandas anti-islâmicas que usavam bom humor. "Burcas? Nós preferimos biquínis", mostrou um dos cartazes da AfD nesta campanha, ilustrado com jovens em uma praia. Outras mensagens usaram slogans nacionalistas e palavras que lembravam a antiga propaganda do regime nazista.

Alice Weidel e Alexander Gauland: os rostos da AfD nestas eleições Foto: Reuters/F. Bensch

Personagens

Assim como ocorre com outras siglas nacionalistas da Europa, como a Frente Nacional, na França, o Ukip, no Reino Unido, a AfD reúne uma galeria de personagens que contrastam com a formação de antigos partidos nacionalistas, que focavam principalmente no conservadorismo de costumes. Ao lado de Alexander Gauland, o principal rosto do partido nesta eleição foi Alice Weidel, de 38 anos, que é abertamente lésbica e vive parte do tempo com sua parceira na Suíça.

Mas nacionalistas mais "tradicionais" ainda estão presentes, como Wilhelm von Gottberg, de 77 anos, que preside uma organização que reúne alemães expulsos da antiga Prússia Oriental (hoje parte da Rússia) e já chamou o Holocausto de "instrumento eficaz para a criminalização dos alemães e de sua história".

Essa galeria diversificada também já fez com que diferentes setores entrassem em conflito. Apesar da sua curta história, a AfD já foi marcada por uma série de disputas internas pelo poder. Em 2015, Bernd Lucke, cofundador da sigla que promovia principalmente a rejeição da ajuda alemã aos gregos, perdeu a posição de liderança para Frauke Petry, a quem coube dar ao partido uma guinada à direita. Em abril de 2017, foi a vez de a própria Petry perder uma queda de braço com outras facções e ter que ceder a cabeça da campanha eleitoral a Alice Weidel e Alexander Gauland.

Os desafios

Um dos desafios da AfD agora deve ser como manter o que já foi conquistado, sem repetir a sina de outros partidos de protesto da história política alemã, como o Partido Pirata, que foi uma sensação eleitoral no país entre 2011 e 2012, entrando em diversos parlamentos estaduais. Cinco anos depois, o Partido Pirata é uma sigla praticamente irrelevante da política alemã.

Para o mundo político alemão, dominado por políticos tradicionais, o desafio vai ser conviver com o populismo da AfD e o choque de lidar no dia a dia com deputados nacionalistas no Parlamento pela primeira vez em mais de 50 anos. Analistas se perguntam se os nacionalistas vieram mesmo para ficar, e se a cada futura eleição a Alemanha vai seguir o mesmo caminho da França, onde a extrema-direita só amplia seu eleitorado a cada pleito.

Há duas semanas, o ministro do Exsterior e vice-chanceler, o social-democrata Sigmar Gabriel, deu o tom de como seu partido enxerga a AfD. "Pela primeira vez desde 1945, nazistas reais poderão ocupar a tribuna do Reichstag [edifício do Parlamento]".

Outras figuras também pedem para que o fenômeno da AfD seja compreendido de modo que sua mensagem nacionalista possa ser mais bem combatida. Analistas culpam o vazio da política dominada pelos partidos tradicionais, que não conseguem atender a diferentes anseios da população, e o aumento da desigualdade social.

O colunista Jakob Augstein, da revista Der Spiegel, acredita que a principal responsável pela presença do AfD no Parlamento seja a chanceler federal Angela Merkel. "Merkel é a mãe do monstro. Ela é responsável pelo mais importante e devastador desdobramento político e social dos últimos 25 anos”, escreveu Augstein em um artigo que intitulou "A Mãe do AfD".

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