"Nada de novo no front", uma advertência tristemente atual
Aygül Cizmecioglu
22 de junho de 2023
Nascido há 125 anos, Erich Maria Remarque tornou-se internacionalmente famoso com seu romance antibélico. Mais recente versão cinematográfica do livro conquistou quatro Oscars.
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Publicado em 1929, Nada de novo no front é o romance antibélico por excelência. Nele, o alemão Erich Maria Remarque traça o retrato de uma geração que, recém-saída dos bancos escolares, partiu eufórica para o front para acabar sendo massacrada por uma máquina de guerra assassina.
"Nada de novo no front": a guerra não conhece heróis
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A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi praticamente a realização do desejo de muitos homens da época. Os tempos eram de grandes rupturas e incertezas. O progresso tecnológico ditava o compasso: fábricas, automóveis, descobertas científicas. A sociedade patriarcal apresentava fissuras, as mulheres se rebelavam contra os papéis predeterminados, exigiam em alta voz mais direitos.
O antigo se despedia, o novo se precipitava sobre os europeus, sobrecarregando sua capacidade de compreensão e processamento, sobretudo no universo masculino. A guerra, esperavam eles, poderia ser a "força purificadora" que conteria a transformação. Eles aclamaram a eclosão do conflito, no verão de 1914, e acreditavam firmemente que estariam em casa para o Natal.
Mas a realidade era outra: "Aprendemos que um botão bem polido era mais importante do que quatro volumes de Schopenhauer. De início perplexos, depois amargos, e por fim indiferentes, reconhecemos que a coisa decisiva aparentemente não era o intelecto, mas [...] o treinamento."
Horror cotidiano nas trincheiras
A carnificina nas trincheiras, a noite sob a chuva de granadas, o tédio entre as batalhas: o narrador na primeira pessoa de Remarque, um jovem recruta, vivencia tudo isso à flor da pele. De colegial sensível, ele se torna uma meia criatura brutalizada.
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"Um sargento [...] arrasta os joelhos destroçados atrás de si, um outro se dirige à estação de ataduras, e os intestinos transbordam sobre suas mãos que os estão segurando. [...] O horror é suportável enquanto a pessoa simplesmente se esquiva, mas mata quando se reflete a respeito."
Por mais drásticas que sejam as suas descrições, o próprio autor só teve que lutar no front por pouco tempo. Recrutado compulsoriamente aos 16 anos, ainda colegial, foi ferido pouco mais tarde e transferido para um hospital de campanha.
Lá, escutava as histórias dos feridos graves e tomava notas, que iriam resultar em seu romance. Para fins de marketing, porém, Remarque afirmou ter vivenciado tudo pessoalmente. Nada de novo no front só foi publicado em 1929, tornando-se de um dia para o outro um dos maiores sucessos da literatura alemã. Críticos de todo o mundo o celebraram como uma denúncia pacifista contra a guerra.
Condenado pelos nazistas
Os meios de direita da Alemanha, por outro lado, consideraram o romance uma ofensa à memória de seus soldados. Em 1933, após a tomada de poder pelos nacional-socialistas, ele foi queimado publicamente e banido. Seu autor já havia emigrado para a Suíça.
Remarque seguiu se beneficiando de sua imagem de pacifista e do sucesso precoce, sem conseguir repeti-lo, apesar de seguir escrevendo. Apenas anos mais tarde ele confessou ter sempre sido um cidadão apolítico.
Desde o lançamento, seu romance já foi levado às telas três vezes: logo em 1930 por Hollywood; em versão para a TV americana em 1979; e em 2022 na produção alemã dirigida por Edward Berger e várias vezes premiada, inclusive com os Oscars de Melhor Filme Internacional, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Trilha Sonora.
Filho de imigrantes franceses, Erich Maria Remarque nasceu em 22 de junho de 1898 em Osnabrück, no noroeste da Alemanha. A partir de 1933, viveu alternadamente na Suíça e nos Estados Unidos, até morrer em 1970 na localidade suíça de Locarno.
Os 10 candidatos ao Oscar 2023 de Melhor Filme
Alemães, irlandeses, asiáticos: a lista para a 95ª edição do prêmio da Academia de Hollywood é bem diversa. Até certo ponto: dependendo da categoria e apesar de protestos, segue imperando o princípio #OscarsTãoMachos.
Foto: TANNEN MAURY/dpa/icture alliance
Favorito absoluto: 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo'
Com 11 indicações, essa comédia entre fantasia e ficção científica foi a vencedora do 95º Oscar. Os realizadores Daniel Kwan e Daniel Scheinert ("Os Daniels") detonam as convenções de gênero ao contar as aventuras de uma dona de lavanderia (Michelle Yeoh) que, além dos problemas com impostos, o marido e a filha, se vê obrigada a combater o mal em múltiplos universos paralelos.
Foto: Allyson Riggs/A24/AP/picture alliance
Um alemão no páreo: 'Nada de novo no front'
A nova versão cinematográfica do romance antibelicista de Erich Maria Remarque já entrou para a história da sétima arte com nove indicações para o Oscar, mais do que qualquer outro filme alemão. Dirigida por Edward Berger e produzida pela Netflix, ela expõe os horrores da Primeira Guerra Mundial da perspectiva de um jovem soldado.
Foto: Netflix/Zumapress/picture alliance
Tragicomédia bizarra: 'Os Banshees de Inisherin'
Com diálogo inteligente e e uma boa dose de humor negro, o roteirista e diretor Martin McDonagh narra a tragicômica escalada de um conflito interpessoal. O protagonista do filme indicado para nove Oscars é um habitante de uma ilha da Irlanda (Brendan Gleeson) que, em 1923, subitamente decide acabar a amizade com seu vizinho (Colin Farrell).
Foto: 20th Century Studios
Biografia de uma lenda: 'Elvis'
O diretor australiano Baz Luhrmann traz de volta à vida uma lenda do rock 'n' roll, numa cinebiografia que acumulou oito indicações para o Oscar. Por sua interpretação Elvis "The Pelvis" Presley, Austin Butler concorre na categoria Melhor Ator. Tom Hanks representa o esperto empresário holandês "Coronel" Tom Parker, que descobriu e promoveu o cantor, mas também se enriqueceu nas suas costas.
Foto: Prod.DB/IMAGO
Memórias de um veterano de Hollywood: 'Os Fabelmans'
O drama autobiográfico de amadurecimento de Steven Spielberg concorre a sete Academy Awards. Em sua da obra mais pessoal até hoje, o cineasta de 76 anos, retorna à infância e juventude, nas décadas de 50 e 60. Michelle Williams e Paul Dano são os pais de entusiasta do cinema, interpretado por Gabriel LaBelle.
Foto: Universal Pictures/dpa/picture alliance
Abuso de poder no mundo da música clássica: 'Tár'
No psicodrama escrito e dirigido por Todd Field, Cate Blanchett representa Lydia Tár, uma regente de orquestra fictícia, ilustrando o abuso de poder sistêmico no mundo da cultura, mais especificamente no contexto da hierarquia quase militar de uma orquestra sinfônica. Por sua atuação, a australiana já recebeu diversos prêmios.
Na sequência do blockbuster 'Top Gun', de 1986, Tom Cruise retorna como o piloto Pete "Maverick" Mitchell, agora treinando jovens profissionais para uma perigosa missão de combate. Nas impressionantes cenas de batalha foram empregados jatos F18 de verdade. O filme de ação está indicado para seis Oscars.
Foto: Picturelux/IMAGO
Ambientalismo e muito azul: 'Avatar: O caminho da água'
O épico 3D de James Cameron, candidato a quatro Oscars, também é uma sequência e estrondoso sucesso de bilheteria. Como na produção de 2009, a ação se passa no planeta Pandora, acompanhando a luta dos Na'vi contra colonizadores. E, mais uma vez, a grande estrela são os efeitos especiais.
Foto: 20th Century Studios/dpa/picture alliance
Sátira implacável: 'Triângulo da tristeza'
Com sua mais recente obra, além de três indicações para o Oscar, o original cineasta sueco Ruben Östlund (' The Square') já conquistou uma Palma de Ouro do Festival de Cannes. Situada basicamente num iate de luxo, a excêntrica sátira social ridiculariza tanto o mundo dos influenciadores das redes sociais quanto o dos superricos.
Foto: Alamode Filmverleih
Religião e violência sexual: 'Entre mulheres'
Única diretora entre os candidatos a Melhor Filme, a canadense Sarah Polley explora as consequências do abuso sexual num contexto repressivo e patriarcal: durante anos, mulheres de uma comunidade religiosa vêm sendo drogadas e violentadas à noite. Ao descobrir o fato, elas se reúnem num celeiro para discutir quais serão as consequências.
Foto: United Artists/Entertainment Pictures/ZUMAPRESS/picture alliance
#OscarsTãoMachos
Não há como ignorar: para quem é mulher, a chance de ganhar um Oscar de Melhor Direção em 2023 é zero. As indicações couberam a "Os Daniels", Todd Field, Martin McDonagh, Ruben Östlund e Steven Spielberg. Isso, apesar dos repetidos protestos por mais diversidade na Academia. E mesmo das recentes vitórias de Chloé Zhao e Jane Campion (seu segundo Oscar). "Tão machos", até quando?