Namíbia debate acordo com Alemanha sobre genocídio
Cai Nebe | Sakeus Iikela de Windhoek
21 de setembro de 2021
Suspenso há três meses devido à pandemia, acordo está cercado por obstáculos. Etnias vítimas de massacres de 1904 a 1908 se sentem excluídas das decisões e consideram 1,1 bilhão de euros em ajuda "um insulto".
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O Parlamento da Namíbia retomou nesta terça-feira (21/09) o debate sobre a assinatura de uma declaração conjunta com a Alemanha, em que a ex-potência colonial reconheceria o genocídio perpetrado no início do século 20 contra as etnias nama e herero.
Em junho, os debates parlamentares foram suspensos pois o país africano se defrontava com uma devastadora onda de casos de covid-19. Assim, atrasou-se a aprovação, pela Assembleia Nacional, da oferta de Berlim de uma desculpa formal pelo genocídio da Namíbia entre 1904 e 1908.
O pedido de desculpas implica um acordo de assistência de 1,1 bilhão de euros, a serem pagos ao longo de 30 anos. O governo em Windhoek inicialmente saudou o consenso, com o presidente Hage Geingob referindo-se a "um passo na direção certa".
No entanto, a Alemanha ressalvou explicitamente que os pagamentos à Namíbia não deveriam ser interpretados como reparações no sentido legal do termo. Alguns namibianos interpretaram o fato como um sinal de que Berlim não estaria disposto a ser integralmente responsabilizado pelas ações dos soldados e comandantes alemães durante o período colonial.
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"Queremos ser tratados como outras vítimas de genocídio"
A Alemanha se dispõe a disponibilizar os fundos para projetos de reconstrução, reconciliação e desenvolvimento, porém a soma acordada também foi alvo de duras críticas: o Conselho dos Chefes dos povos nama e herero a classificou como "inaceitável" e "um insulto".
Além disso, alguns líderes étnicos rejeitaram as negociações desde o início, sentindo-se excluídos de decisões que os afetam diretamente. Nesta terça-feira, centenas marcharam até o Parlamento namibiano para entregar uma petição apelando para que o acordo conjunto não seja submetido ao órgão legislativo, onde o partido do governo, a Organização Popular do Sudoeste Africano (Swapo) detém maioria.
"Queremos ser tratados com igualdade, como outras vítimas de genocídio que a Alemanha pagou e a quem se desculpou", comentou o deputado do Movimento Democrático Popular Vipuakuje Muharukua, descendente dos mortos pelas forças coloniais alemãs.
"Um governo deve governar para todos. Não precisamos de um governo que ceda às exigências da Alemanha, independente da situação fiscal", prosseguiu. "Temos a história do nosso lado. Nós, namibianos, não aceitaremos nada menos do que reparações justas."
Os crimes de que a Alemanha é acusada
Desde que as negociações começaram, em 2015, Berlim procurou, e acabou obtendo, um acerto bilateral com o governo da Namíbia, em vez de negociar com os grupos nama e herero separadamente. Caso a moção pela assinatura do acordo passe pela Assembleia Nacional, o desafio para o governo local será convencer as etnias implicadas a aceitarem os termos do documento.
Quando o Império Alemão ocupou o então Sudoeste Africano Alemão, de 1884 a 1915, suas forças militares reprimiram brutalmente diversas rebeliões, causando a morte de milhares. O general Lothar von Trotha, enviado para abafar o levante herero em 1904, era notório por sua violência extrema.
Os nativos herero foram expulsos de suas terras por colonos alemães e, se capturados, eram internados em campos de concentração. O consenso entre os historiógrafos é que, dos cerca de 80 mil hereros vivendo na área, até 65 mil foram mortos, assim como 10 mil de um total de 20 mil namas.
Dez fatos sobre a Alemanha colonialista
Os dolorosos legados do passado colonial alemão.
Foto: Jürgen Bätz/dpa/picture alliance
"Nosso futuro está na água"
Sob o chanceler Otto von Bismarck, o Império Alemão estabeleceu colônias nos atuais territórios da Namíbia, Camarões, Togo, partes da Tanzânia e do Quênia. O imperador Guilherme 2°, coroado em 1888, procurou expandir ainda mais as possessões coloniais através da criação de novas frotas de navios. O império queria seu "lugar ao Sol", declarou Bernhard von Bülow, um chanceler posterior, em 1897.
Foto: picture alliance/dpa/K-D.Gabbert
Colônias alemãs
Foram adquiridos territórios no Pacífico (Nova Guiné do Norte, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Ilhas Salomão, Samoa) e na China (Qingdao). Em 1890, uma conferência em Bruxelas determinou que o Império Alemão obtivesse os reinos de Ruanda e Burundi, unindo-os à África Oriental Alemã. Até o final do século 19, as conquistas coloniais da Alemanha estavam praticamente concluídas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdade
Nas colônias, a população branca formava uma minoria pequena e altamente privilegiada – raramente mais de 1% da população. Em 1914, por volta de 25 mil alemães moravam nas colônias. Desses, pouco menos da metade vivia no Sudeste Africano Alemão. Os 13 milhões de nativos nas colônias germânicas eram vistos como subordinados, sem acesso a nenhum recurso da lei.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século 20
O genocídio praticado contra os hereros e os namas no Sudeste Africano Alemão, hoje Namíbia, foi o crime mais grave da história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes hereros fugiu para o deserto, com as tropas alemãs bloqueando sistematicamente seu acesso à água. Estima-se que mais de 60 mil hereros morreram na ocasião.
Foto: public domain
Crime alemão
Somente 16 mil hereros sobreviveram à campanha de extermínio. Eles foram aprisionados em campos de concentração, onde muitos morreram. O número exato de vítimas nunca foi constatado e continua a ser um ponto de controvérsia. Quanto tempo esses hereros debilitados sobreviveram no deserto? De qualquer forma, eles perderam todos os seus bens, seu estilo de vida e suas perspectivas futuras.
Foto: public domain
Guerra colonial de longo alcance
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos se rebelou contra o domínio colonialista na África Oriental Alemã. Por volta de 100 mil locais morreram na revolta de Maji-Maji. Embora tenha sido, posteriormente, um tema pouco discutido na Alemanha, este capítulo permanece importante na história da Tanzânia.
Foto: Downluke
Reformas em 1907
Na sequência das guerras coloniais, a administração nos territórios alemães foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida ali. Bernhard Dernburg, um empresário bem-sucedido (na foto sendo carregado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado para Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas do Império Alemão para seus protetorados.
Foto: picture alliance/akg-images
Ciência e as colônias
Junto às reformas de Dernburg, foram estabelecidas instituições técnicas e científicas para lidar com questões coloniais, criando-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África para investigar a transmissão da doença do sono. Na foto, veem-se espécimes microscópicas colhidas ali.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Colônias perdidas
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Alemanha assinou o tratado de paz em Versalhes, especificando que o país renunciaria à soberania sobre suas colônias. Cartazes como o da foto ilustram o medo dos alemães de perder seu poder econômico, como também o temor da pobreza e miséria no país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições do Terceiro Reich
Aspirações coloniais ressurgiram sob Hitler – e não somente aquelas definidas no Plano Geral de Metas para o Leste, que delineou a colonização da Europa Central e Oriental através do genocídio e limpeza étnica. Os nazistas também almejavam recuperar as colônias perdidas na África, como evidencia este mapa escolar de 1938. Elas deveriam fornecer matérias-primas para a Alemanha.