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Entrevista

Felipe Tadeu16 de fevereiro de 2009

A DW-WORLD.DE ouviu o relato do percussionista brasileiro Naná Vasconcelos sobre os discos que fez na gravadora ECM, dando destaque ao trabalho no trio Codona.

Naná VasconcelosFoto: Sergio Fogaca

Naná Vasconcelos é um dos músicos brasileiros mais respeitados no exterior. Sua vida artística começou a deslanchar na década de 1960 no Rio de Janeiro, numa época em que os bateristas no Brasil só queriam saber de bossa nova. Arisco, Naná resolveu então partir para a percussão, que ele já praticava no candomblé.

Até que conheceu Milton Nascimento ainda em início de carreira, e sua sorte começou a mudar. Com ele, angariou o reconhecimento para seguir em frente com o seu trabalho de forte cunho autoral. Sua participação na canção Pai Grande, do cantor e compositor mineiro, é considerada mitológica.

A partir daí, Juvenal de Hollanda Vasconcelos, seu nome de batismo, realizou discos de qualidade inquestionável. Atuando solo ou nas formações mais diversas, o percussionista sempre deixou as digitais de seu talento nos álbuns de que participou. Foi assim com Caetano Veloso, com o argentino Gato Barbieri, com o francês Jean-Luc Ponty, com o norte-americano Paul Simon e com Marisa Monte, entre muitos outros.

DW-WORLD.DE: Como foi que vocês do Codona se conheceram?

Naná Vasconcelos: Eu conheci Don Cherry na época em que eu morava em Paris, através de Abdulah Ibrahim, com quem fizemos um quarteto, que também tinha Johnny Dyani, um contrabaixista sul-africano. Depois fui para a casa de Don na Suécia e fiquei lá com ele, trabalhando num projeto chamado Organic Music Theater.

Aí eu comecei a trabalhar para a ECM, fazendo o Dança das Cabeças com Egberto Gismonti, e acabei conhecendo também o Collin Walcott numa turnê ECM com vários artistas, como o quarteto Oregon, Keith Jarrett e outros. Quando Collin foi fazer o primeiro disco para a ECM, convidou o Don e logo falou que ele tinha que me levar também. E fomos os três para a ECM gravar o tal disco do Collin. Quando terminamos a primeira música, o Collin disse para a gente que o disco não seria só dele. O Codona surgiu assim, como coisa imprevista, e foi um trio que me abriu um leque enorme de possibilidades.

Foi uma combinação nunca pensada antes, com três cabeças totalmente livres. Don era filho de negro e índio, um homem que vinha do free-jazz, que tinha tocado com Coltrane e acima de tudo com Ornette Coleman. Já Collin Walcott tinha aprendido a tocar cítara com Ravi Shankar e tabla com Alla Rakha, depois de ter sido roadie dos dois. Eu vinha com a cultura nordestina, de trabalhos como Memórias de Dois Cantadores com Geraldo Azevedo e Terezinha Calazans, tendo feito uma pesquisa sobre todo o folclore brasileiro. Isso interessava ao Don e ao Collin, que queriam saber como era aquele mundo que é o Brasil, de índio, negro e europeu, onde em cada estado brasileiro se deu uma África diferente.

Havia muito conflito pelo fato de vocês três tocarem percussão?

Codona: Um trio que expandiu os limites da música

Não, pelo contrário, era isso exatamente que ajudava nas combinações de timbre, em tudo. Quando a gente chegava numa cidade para tocar, se o clima estava bom, com primavera ou verão, a gente saía tocando pela rua. Os promotores do show do Codona ficavam danados, achando que ninguém iria pagar para nos ver, se ficássemos tocando pela cidade (risos).

Eu pegava o berimbau, Collin a sanza e Don Cherry o doussn' gouni e fazíamos o maior som pela rua. Uma vez, em Nova York, nós três fomos ao escritório da Warner Bros., que distribuía os discos da ECM nos Estados Unidos, e tocamos em plena Quinta Avenida. A nossa comunicação era de uma espontaneidade incrível, que atraía os jovens, os hippies, todo mundo.

Vocês davam a impressão de se admirarem muito mutuamente.

Collin e Don eram cabeças realmente abertas, tanto que Ravi Shankar aceitava que Collin usasse a cítara dentro de uma coisa que não era música indiana. Collin sempre foi muito respeitado por Ravi e Alla Rakha, e o Don era uma espécie de conservatório ambulante, um homem que abriu a minha vida para ouvir música chinesa, africana e a indiana, que eu já conhecia, mas não tanto. Don tocava vários instrumentos, e era normal dele sempre ter um no bolso, podia ser uma ocarina ou uma flauta. E sempre que ele telefonava para alguém, ele tocava uma música no telefone.

Vocês sempre foram músicos muito requisitados. O Codona encontrava tempo para realizar muitos concertos? Em que país vocês eram mais bem-sucedidos?

Na Alemanha, todas as coisas da ECM eram quentes, com a novidade daquela sonoridade que o americano, depois ao distribuir, reparou que o que era de qualidade também estava gerando quantidade. Aí eles criaram a tal new-age, que era pura imitação americana da ECM. O Codona fazia três turnês anuais na Europa, mas com o tempo foi ficando complicado porque eu tocava também com Egberto Gismonti e com Pat Metheny. Houve uma ocasião em que o Pat tinha uma turnê enorme. No meio dela, houve um concerto do Codona importante no 1° Womad Festival, do Peter Gabriel.

Eles queriam o Codona de qualquer maneira, pois éramos considerados uma espécie de Pink Floyd acústico. Mas aí o Pat falou para mim: ou a turnê ou o show no Womad. E eu disse que ficaria com o show. Resultado: o Pat teve que cancelar o concerto dele naquele dia, que ainda por cima era na cidade dele, para que eu pudesse ir a Londres, fazer o show do Codona no Womad e depois retomar à turnê do Pat. Eu preferia o Codona, que era um trabalho nosso, de criação livre total. Com o Pat, eu tocava a música dele.

Sua passagem pelo grupo de Mr.Metheny também é gloriosa.

Fui eu que coloquei voz na música dele. Ele começou a compor pensando em voz por minha causa. Uma vez, eu estava terminando uma turnê com Egberto pelo Japão, depois da gente ter estado na Índia e nos Estados Unidos, e o promotor nos disse que dois dias depois iria começar uma turnê do Pat Metheny. E o Pat já estava lá. Então houve um jantar para gente de despedida, e aí fomos eu, Egberto, o Pat e a banda dele.

Depois do jantar, voltamos todos andando para o hotel, e aí eu comecei a cantar uma música do Pat. Ele parou e disse: "momento, eu nunca vi minha música sendo cantada!" Aí passou um tempo, eu fui para Nova York, na época em que morei por lá, e o Pat ligou para mim, dizendo para eu participar do primeiro disco de Lyle Mays, que antes seria um duo.

Era As Falls Wichita So Falls Wichita Falls, que foi onde eu cantei pela primeira vez com eles. Aí eles me convidaram para ser da banda, mas eu não podia, pois já tinha o Codona. O Pat estava muito ligado ao Brasil, a músicos como Milton Nascimento, Toninho Horta, por quem é apaixonado. Há muitas coisas de Pat inspiradas em Milton.

Se Collin Walcott não tivesse morrido em 1984, o Codona teria continuado?

Totalmente! Quando Collin morreu, eu e Don chegamos a fazer vários concertos juntos, mas, claro, nunca mais como Codona. Até hoje, sempre que faço meus shows solo, faço homenagem a Collin e Don [Don Cherry faleceu em 1995].

A ECM está comemorando 40 anos. Você fez muita coisa na gravadora, não é?

'Saudades': Concerto para berimbau e orquestra

Sim, nas mais diferentes combinações. Comecei com o Dança das Cabeças, com o Egberto, teve o Eventyr com Jan Garbarek e John Abercrombie. Houve os três do Codona, depois o meu Saudades etc. Só com o Garbarek eu tenho cinco discos, e com o Arild Andersen também quatro, ou cinco.

O Dança das Cabeças foi premiado aqui na Alemanha e no exterior também deu o que falar. Conte mais um pouco sobre o surgimento desse disco.

Quando eu vivia em Paris, uma vez chegou o Egberto por lá e telefonou para mim. "Oi, campeão, eu vim para Paris para pegar um violão que eu mandei um luthier fazer com oito cordas", disse. Eu só conhecia o Egberto do Brasil de "oi, como vai, tudo bem?". Aí a gente se encontrou e ele me contou que estava indo gravar o primeiro disco com o quarteto dele (Egberto, Robertinho Silva, Mauro Senise e Luís Alves) na ECM.

Acontece que, naquela época, quem viajava para o estrangeiro tinha que pagar um depósito compulsório caro que o governo brasileiro devolveria depois, na volta. Mas os músicos não tinham esse dinheiro todo, e o governo não os liberou. Egberto ficou apavorado quando soube, ligou logo para a ECM e contou sobre o problema que estava tendo. Aí o Thomas da ECM perguntou de onde que o Egberto estava falando e ele disse que estava na minha casa em Paris. E o Thomas então disse: "Traga o Naná, o homem é esse aí!"

Como é trabalhar com Manfred Eicher?

Quando gravei o Dança das Cabeças, Manfred me perguntou se eu não queria fazer um disco meu com a ECM. Eu falei que sim, que gostaria de fazer um concerto para berimbau e orquestra. Ele me perguntou se eu teria alguém para escrever o trabalho, e eu disse que Egberto faria, pois estávamos trabalhando juntos naquela época. E o Manfred respondeu que, quando o trabalho estivesse pronto, era só marcar a data para a gravação.

Ele é sensacional, está aberto para todo tipo de música e, claro, às vezes dá sugestões muito felizes. É muito simples trabalhar com ele, pois é uma pessoa muito direta. Outra vez, eu estava gravando no estúdio com o Jan Garbarek e com John Abercrombie, e o Manfred estava lá no controle. Aí a gente acabou de gravar a música e resolvemos ir ouvi-la lá na sala em que estava o Manfred. Saí do meu canto cantarolando a música naturalmente, o Manfred ouviu de lá do controle e falou que era para eu parar ali, refazer o caminho e repetir o que eu estava cantando. Eu fiz, ele gravou de longe e acabou entrando no disco.

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