Narcotours dão vida à história de Pablo Escobar em Medellín
Andreane Williams Medellín
5 de setembro de 2017
Lugares relacionados a narcotraficante tematizado em popular série de TV atraem turistas à metrópole colombiana. Prefeitura afirma que operadoras de turismo se aproveitam do passado negro da cidade.
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O guia turístico colombiano Jesus tinha apenas 13 anos de idade quando viu Pablo Escobar pela primeira vez. Era época de Natal, e um de seus amigos lhe disse que um homem chamado Pablo viria à vizinhança com presentes para todos.
"Milhares de pessoas esperavam por ele. Então, dois caminhões de 18 rodas chegaram abarrotados de sacos de dinheiro e comida. Pablo saía do carro e desejava a todos um feliz Natal. Eu recebi 5 mil pesos. Naquela época, nosso aluguel mensal era de 500 pesos", conta Jesus ao guiar um grupo de turistas pelo tráfego matinal de Medellín.
Do cemitério Montesacro, onde Escobar está enterrado, para a "catedral", a prisão particular do barão da droga, Jesus, hoje com 50 e poucos anos, ganha a vida narrando a história do narcotraficante mais famoso do mundo.
"Estamos somente contando a nossa versão da verdade. [...] O governo culpou Pablo por muitas coisas que ele não fez. Agora, eles estão tentando apagar tudo", disse o guia.
No fim do tour, Jesus leva os turistas para o destino final: a casa do irmão do ícone do narcotráfico. Hoje com 70 anos, Roberto Escobar era contador do Cartel de Medellín e passou 14 anos na prisão por esse motivo. Agora, ele conta as lendas dos Escobar e seu famoso cartel de drogas a grupos de viajantes que vêm a sua casa todos os dias.
"Muitas coisas foram ditas, e as histórias mudam com o tempo. É por isso que preciso contar minha história familiar", justificou Roberto Escobar.
Casa de Escobar
A casa onde Pablo Escobar comeu sua última refeição antes de ser morto, em dezembro de 1993, se localiza no topo de El Poblado, um bairro de Medellín. Ainda se veem as marcas de tiros deixadas durante uma tentativa de rapto de Roberto Escobar, há uma década.
Roberto transformou o bangalô num museu em homenagem à família, com imagens de Pablo em seu jato particular ou passeando de elefante em seu zoológico penduradas nas paredes. Na entrada, os turistas são encorajados a tirar fotos num caminhão cravejado de balas ou no jet-ski de Pablo Escobar.
"Os policiais torturaram e mataram meu primo diante da família dele. O governo sabia que nossos familiares estavam sendo perseguidos pela polícia colombiana, que estava à procura de Pablo, mas não fez nada contra isso, e, certamente, essas histórias nunca foram contadas ao mundo. Tudo que fizemos foi reagir à crueldade do nosso governo", contou Roberto a um grupo de turistas mexicanos e israelenses reunidos em torno da mesa de jantar.
No final da visita, o senhor de idade leva os convidados para tomar um café no terraço da casa, onde ele se oferece para autografar fotos do irmão com a sua digital.
"Sei que ele era uma pessoa má, mas estou bastante empolgada de estar aqui. Li tudo que existe para ler sobre Pablo Escobar", conta a turista mexicana Lulu Rodríguez.
De policial a guia turístico
Carlos Palau passou anos caçando Pablo Escobar. Quando era mais jovem, o colombiano de 52 anos fazia parte de uma equipe de busca encarregada de capturar o traficante de drogas. Agora, assim como Jesus, ele também conduz turistas por Medellín, contando a história de uma guerra que ainda o assombra. Dos 150 policiais que fizeram parte de seu grupo de treinamento, somente três ainda estão vivos.
"É irônico, mas é como uma terapia para mim", disse Palau a caminho do cemitério Montesacro. "Olhe para os policiais, Eles estão relaxados, falando no meio da rua. Isso seria impossível naqueles dias", afirmou, apontando da janela do carro.
"Algumas pessoas acreditam que Pablo Escobar tenha sido um herói, mas para um policial como eu, ele é um idiota", acrescentou Carlos Palau.
O túmulo de Escobar se tornou um lugar de peregrinação para seus apoiadores, e os turistas não hesitam em posar para fotos no local.
"Toda vez que venho aqui, faço uma oração. Eu digo: 'Você tentou me matar muitas vezes. Mas é você quem está morto agora'", diz Palau.
Explosão de interesse
Enquanto os chamados narcotours e o legado de Escobar atraem turistas, eles também reacendem um passado doloroso para os moradores da cidade.
"Criamos o nosso primeiro 'Pablo tour' dez anos atrás, mas a demanda explodiu depois que o Netflix começou a transmitir a série Narcos", explicou Camilo Uribe, diretor da agência de viagens Medellín City Services, citando a produção protagonizada pelo ator brasileiro Wagner Moura.
"É um assunto muito sensível por aqui, porque a maioria dos moradores de Medellín perdeu familiares devido a Pablo. Eles não gostam dos nossos tours, já que não têm orgulho desse passado. Eles também reclamam ao ver turistas tirando fotos no túmulo de Pablo", acrescentou Uribe.
A prefeitura de Medellín também desaprova o fato de operadoras de turismo supostamente se aproveitarem do passado negro da cidade. "Falar sobre a história de Medellín não é uma coisa ruim. O problema é que não conseguimos construir uma história comum em torno desses acontecimentos. Infelizmente, as pessoas estão agora erguendo um negócio em torno dessa guerra", afirma Andrés Felipe Tobón Villada, funcionário da administração municipal de Medellín.
Adriana Valderrama López, diretora da Casa da Memória de Medellín, concorda com a prefeitura, mas acredita que o interesse de turistas pelos traficantes de drogas na Colômbia esteja forçando os cidadãos do país a se confrontar com a própria história.
"Foi como uma explosão por aqui, com todos esses turistas vindo a Medellín", afirmou López. "Eu não acredito que as pessoas da cidade e a prefeitura queiram apagar Pablo Escobar. Também não acho que esses tours sejam uma coisa ruim. Mas precisamos construir uma memória coletiva que seja sensata e que dê um sentido ao que aconteceu."
Cronologia do conflito e do processo de paz na Colômbia
Acordo com as Farc foi alcançado após décadas de luta armada e tensões sociais na Colômbia. País trabalha agora na implementação do pacto e na reintegração de ex-guerrilheiro à sociedade.
Foto: Imago/Agencia EFE
Longo caminho da violência à paz
As décadas de violentas tensões sociais, que chegam ao fim com o novo acordo de paz na Colômbia, têm origem na luta no campo, que opôs trabalhadores rurais e proprietários de terras desde os anos 1920. As hostilidades se intensificaram a partir da década de 1960.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
1940-1950: A Violência
Enfrentamentos sangrentos entre liberais e conservadores provocam milhares de mortes. O assassinato do liberal Jorge Elíecer Gaitán (foto), em 1948, gera protestos que ficaram conhecidos como "El Bogotazo", dando início ao período denominado "La Violencia". Membros do Partido Comunista são perseguidos, o Exército ocupa povoados e reprime os "lavradores comunistas".
Foto: Public Domain
1964: Farc e ELN
São fundadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), contra a concentração de terras, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), fruto da radicalização do movimento estudantil e apoiado por adeptos da Teologia da Libertação, que prega a opção pelos pobres. O padre Camilo Torres (foto), guerrilheiro, é morto em combate. O governo colombiano recebe ajuda dos Estados Unidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
1970-1980: M-19 e negociações fracassadas
Surgem outros movimentos clandestinos como o M-19, que protagonizou a trágica ocupação do Palácio da Justiça em 1985 (foto), com mais de 350 reféns. A retomada do prédio pelas Forças Armadas deixa 98 mortos e 11 desaparecidos. O governo abre negociação pela primeira vez com as Farc e o ELN, mas o entendimento fracassa devido ao assassinato do ministro da Justiça.
Foto: Getty Images/AFP
Meados dos anos 80: Paramilitares
Surgem numerosos grupos paramilitares de ultradireita, a serviço de grandes proprietários de terras, contra os ataques rebeldes. Ao longo do tempo, vários desses grupos se envolvem com cartéis de droga. Quatro candidatos presidenciais e numerosos políticos de esquerda são assassinados por paramilitares entre 1986 e 1990.
Foto: Carlos Villalon/Liaison/Getty Images
1989: Desmobilização do M-19
O movimento M-19 entrega as armas em outubro de 1989, optando por disputar o poder como um partido político. Seu líder, Carlos Pizarro, candidata-se a presidente. Em 1990, ele é morto durante a campanha eleitoral.
Foto: picture alliance/Demotix/K. Hoffmann
1996: Esquadrões da morte
Grupos paramilitares se reúnem no movimento Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e formam "esquadrões da morte" com até 30 mil membros.
Foto: AP
1998-99: Presidente Pastrana tenta negociar
Eleito em 1998, o presidente Andrés Pastrana inicia negociação com as Farc. Conversa também com o ELN (foto) e a AUC. Um vasto território até então controlado pelas Farc, no sul do país, comemora o recuo do grupo. Um massacre interrompe as conversas com a AUC.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Ingrid Betancourt e Álvaro Uribe
Depois que as Farc sequestram um avião, o governo interrompe o diálogo. Em 23 de fevereiro é sequestrada a candidata à presidência Ingrid Betancourt (foto). Álvaro Uribe ganha as eleições em maio, intensifica o combate militar e repudia qualquer entendimento. Ele é reeleito em 2007 e Betancourt, libertada em 2008.
Foto: AFP/Getty Images
2003-06: Recuo dos paramilitares e anistia
Após longas negociações, aproximadamente 32 mil paramilitares da AUC se rendem (foto). Até 2014, cerca de 4.200 deles são julgados por violações dos direitos humanos. Muitos retomam as armas. Em junho de 2005 é aprovada a Lei de Justiça e Paz, uma ampla anistia para membros dos esquadrões da morte.
Foto: picture-alliance/dpa
2007-08: "Falsos positivos"
Políticos de direita, acusados de vínculo com os paramilitares, são detidos em 2007 pela primeira vez. Aliados de Uribe também são atingidos. Em setembro de 2008 é revelado o escândalo batizado de "falsos positivos": entre 2004 e 2008, mais de 3 mil pessoas foram mortas pelo Exército para adulterar a estatística de guerrilheiros eliminados. Centenas de militares foram julgados até agora.
Foto: Jesús Abad Colorado
2012: Iniciados diálogos de paz com Farc
Ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos é eleito presidente da Colômbia em junho de 2010. Dois anos depois, entra em vigor a Lei de Vítimas e Restituição de Terras, para compensar os deslocados pelos combates. Em novembro têm início oficialmente os diálogos de paz entre governo (foto) e as Farc.
Foto: Reuters
2014-15: Santos reeleito e prazo para a paz
Santos se reelege em 2014. O governo colombiano anuncia conversações con o ELN. Enquanto isso, entendimentos com as Farc são interrompidos e reabertos devido a ações militares de ambos os lados. Em 23 de setembro de 2015, em Havana, Santos e Rodrigo Londoño Echeverri (Timochenko), líder das Farc, concordam com a meta de assinar um termo de paz em até seis meses.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto
2016: Diálogos de paz com ELN
Em 30 de março, Frank Pearl, representante do governo da Colômbia, e Antonio García, chefe da delegação do ELN (foto), anunciam em Caracas o início de um processo formal de diálogos de paz. Em relação às Farc, desacordos levam ao adiamento da assinatura do acordo de paz definitivo, cujo prazo expira em 23 de março.
Foto: Reuters/M. Bello
Junho de 2016 - Dia da paz
Acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc foi finalmente concluído. A decisão foi recebida com entusiasmo tanto pela população do país, como pela comunidade internacional. O cessar fogo definitivo foi assinado em Cuba em 23 de junho com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e outros presidentes e observadores.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/A. Ernesto
Agosto de 2016 - Acordo histórico
Em 24 de agosto, governo e Farc selaram o acordo final que encerra as negociações de paz realizadas em Havana nos últimos quatro anos. Ele foi assinado pelos chefes das equipes de negociação de ambas as partes, Humberto de la Calle, pelo governo, e Luciano Marín, conhecido como "Ivan Márquez", representando a guerrilha, assim como pelos embaixadores de Cuba e Noruega, fiadores no processo.
Foto: Reuters/E. de la Osa
Setembro de 2016 – Assinatura
Três dias após os líderes das Farc ratificarem por unanimidade o acordo de paz, o documento foi assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo número um do grupo armado Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, em Cartagena, em 26 de setembro. Numa cerimônia que lembrou as vítimas da guerra, o líder guerrilheiro pediu perdão pelo sofrimento causado durante o conflito.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
Outubro de 2016 – Não
Em 2 de outubro, os colombianos foram às urnas decidir sobre o futuro do acordo de paz. Em resultado surpreendente, 50,22% dos eleitores rejeitaram o documento. Apenas 37% dos colombianos participaram do plebiscito, ou seja, cerca de 13 milhões dos 34 milhões de eleitores.
Foto: picture alliance/AP Photo/A. Cubillos
Outubro de 2016 - Nobel da Paz para Santos
Apenas cinco dias depois do referendo sobre o acordo as Farc, os apoiadores do processo de paz foram reconhecidos internacionalmente. O presidente colombiano Juan Manuel Santos foi homenageado com o Prêmio Nobel da Paz. A cerimônia de premiação foi realizada em dezembro de 2016 em Oslo.
Foto: Getty Images/AFP/T. Schwarz
Novembro de 2016 - Ratificação no Parlamento
Após uma série de alterações no texto original do acordo de paz, o Parlamento colombiano ratificou o pacto em 30 de novembro de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/G. Legaria
Junho de 2017 - Desarmamento
A entrega das armas pelos guerrilheiros das Farc ocorreu em três fases sob a supervisão da ONU. Em 27 de junho de 2017, Santos declarou: "Hoje é, para mim e para todos os colombianos, um dia especial, um dia em que trocamos as armas por palavras."
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pineros
Agosto de 2017 - As novas Farc
As Farc desarmadas selaram num congresso em 27 de agosto de 2017 o abandono da luta armada e sua reformulação como partido político. O ex-líder guerrilheiro Rodrigo Londoño (foto) foi eleito presidente do partido. Sua saúde fragilizada, no entanto, impediu que ele se candidatasse às eleições presidenciais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Vergara
Março de 2018 - Farc nas eleições
Pela primeira vez desde o fim da luta armada, representantes das Farc participam de eleições legislativas em 11 de março de 2018. Apesar de o partido das Farc só ter recebido 50 mil votos, ele obteve cinco assentos em cada uma das duas casas legislativas, como determinou o acordo de paz. O partido conservador do antigo presidente Álvaro Uribe foi o grande vencedor do pleito.