"Narrativa populista evoca nostalgia, medo e herói salvador"
Anke Rasper md
30 de outubro de 2018
Especialista em narrativa dramatúrgica diz que sucesso de líderes populistas no mundo se deve a discurso simples, que aposta na nostalgia, no medo e no anseio por uma figura paterna que "resolva tudo".
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De Donald Trump nos EUA a Jair Bolsonaro no Brasil, os políticos populistas estão em ascensão em muitos países ao redor do mundo. De acordo com o roteirista e professor de narrativa dramatúrgica e mídia audiovisual Jörn Precht, da Escola Superior de Mídia de Stuttgart, o sucesso desses líderes se deve ao uso de estruturas narrativas simples para seduzir os eleitores, num discurso que mistura medo, nostalgia, raiva das elites e paternalismo.
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Mesmo separados pela distância e a cultura, esses movimentos populistas têm uma coisa fundamental em comum: sua capacidade de entender o poder de uma narrativa forte para se conectar com a população, comenta. "O sentimento de nostalgia e a sensação de estar ameaçado e o anseio por uma figura paterna parecem ser algo humano. Isso funciona muito bem em muitos países", afirma.
DW: Na perspectiva de um contador de histórias profissional, que tipo de história os populistas contam e por que muitas pessoas se deixam atrair por elas?
Jörn Precht: Na narração dramatúrgica de filmes, muitas vezes ouvimos falar do princípio KISS (Keep It Simple, Stupid), que significa "mantenha isso simples, estúpido". Você é encorajado a criar uma história que todos entendam. E na criação de histórias simples, fáceis e compreensíveis, os movimentos populistas parecem ter sido muito eficazes nos últimos tempos.
Existem certos ingredientes para uma história. Um é algum tipo de catástrofe ou desastre – nós, os heróis de nossas histórias, estamos em algum tipo de perigo mortal. E aí há uma espécie de ressurreição, e nós lutamos para sair da crise.
Se olharmos para típicas narrativas populistas, então vemos que a evocação de uma crise ou declínio está sempre presente. É um dos elementos básicos das estruturas de argumentação populistas. Outros são, por exemplo, a noção de embate entre as pessoas comuns e a elite e a ideia de que as pessoas têm uma espécie de senso comum inerentes a seus julgamentos. E os populistas também têm teorias conspiratórias sobre intrigas malignas das elites. E o discurso se torna muito moralizado.
Quando você olha para o que Trump ou a AfD fazem, eles aplicam esses elementos?
Sim. O slogan [de Trump] "make America great again" sugere que há uma crise. A questão aí é: por que a America não é mais grande? De quem é a culpa? Claro, dos democratas ou das elites.
Trump é um milionário. Ele é um membro da elite. Mas populistas como Trump ainda se veem como os diretos e únicos representantes e executantes da verdadeira vontade do povo e fingem defendê-lo das elites corruptas e parasitárias.
De acordo com a noção dos populistas de direita, essas elites se envolveram numa aliança com pessoas como muçulmanos, mexicanos ou estrangeiros, que também são supostamente parasitários.
Então, para seus simpatizantes, Trump é um enviado de Deus para defender as pessoas contra as coisas más dos tempos modernos. É uma simplificação absoluta da sociedade.
A narrativa dos populistas parece primariamente trabalhar com dois sentimentos: um é a nostalgia, e o outro, que é muito importante, é o medo do desconhecido.
Então ele evoca nostalgia, medo e também esperança do que esse novo "herói" possa oferecer?
Sim. Isso é interessante porque a esperança ligada ao líder populista é também o desejo de simplificação. Eu acho que isso vem, psicologicamente, das estruturas familiares: a ideia de que o "pai vai resolver tudo isso". Movimentos populistas tendem a se mover em direção a líderes masculinos.
Eles costumam voltar a um tempo como nos anos 50, quando o marido trabalhava, e a mulher estava em casa. Trump é um homem dos anos 50, de certa forma. Há também nostalgia sobre os papéis de gênero. Os populistas e seus defensores acham que o mundo era menos complicado naquela época. Se você ler os artigos daquela época, as mulheres eram mais oprimidas, mas isso não significa que o mundo fosse menos complicado.
Esta narrativa populista funciona da mesma maneira em diferentes países? Os mesmos elementos estão presentes no Brasil, nos EUA, na Hungria e na Alemanha, por exemplo?
Surpreendentemente, sim. São culturas muito diferentes, mas o sentimento de nostalgia e a sensação de estar ameaçado e o anseio por uma figura paterna parecem ser algo humano. Isso funciona muito bem em muitos países.
Então, se as emoções são tão importantes, o que os fatos podem fazer?
Se pensarmos em Trump, às vezes temos a impressão de que os fatos não são mais relevantes. Os populistas querem selecionar fatos. Eles não gostam de críticas, é claro, porque a crítica dá início a discussões, e as discussões significam que o mundo é mais complicado do que dizem.
O senhor investigou sobre como a simplificação do mundo é usada, por exemplo, nas redes sociais na Alemanha. Como ela funciona nessas plataformas?
Twitter e Facebook permitem que os usuários comentem artigos de meios de comunicação de massa reconhecidos. Isso oferece uma maneira eficaz de promover narrativas populistas. Há algumas pessoas que se organizam muito bem – até mesmo alguns bots da Rússia e alguns perfis falsos – e tentam influenciar a opinião pública em assuntos como refugiados. Os bots dos populistas entram e começam a comentar. Mas agora também há um contramovimento. Há pessoas que postam material contrário a notícias falsas ou fatos falsos. E o Estado está aprendendo como combater essa influência ilegal sobre as pessoas. A chanceler federal Angela Merkel disse recentemente que o governo alemão cogita punir aqueles que divulgam fatos falsos ou notícias falsas. Então, acho que há esperança para uma discussão real.
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Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.