Envolvimento da empresa brasileira em escândalo de corrupção pode afetar contratos em países latino-americanos. Colômbia, Equador, Panamá e Peru acompanham de perto investigações da Lava Jato.
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Os desdobramentos das investigações da Operação Lava Jato e as acusações de corrupção em projetos executados no Brasil preocupam países latino-americanos nos quais a Odebrecht tem negócios. Colômbia, Peru, Equador e Panamá realizam auditoria em contratos fechados com a empresa e há o risco, inclusive, de que obras da empreiteira brasileira nesses países sejam paralisadas.
O vice-presidente da Colômbia, Germán Vargas Llera, afirmou que, caso receba "qualquer condenação internacional em relação a suborno", a construtora brasileira será impedida por 20 anos de executar obras no país e participar de futuras licitações. A regra, segundo ele, faz parte do estatuto anticorrupção do país andino.
A Odebrecht possui contratos na Colômbia há muitos anos. Entre os projetos que possivelmente serão prejudicados caso haja condenação na Justiça brasileira estão a construção da rodovia Ruta del Sol, de 528 quilômetros, e do Corredor Transversal de Boyacá, de 49 quilômetros.
"Caso sejam confirmadas em outros países, a corrupção e o pagamento de propina podem colocar em risco a ampliação e até mesmo a reposição da carteira de projetos da empreiteira. A empresa se destaca pela diversificação, com mais de 70% de sua carteira proveniente de contratos fora do Brasil", afirma Jerson Carneiro, professor de direito administrativo e gestão do Ibmec/RJ.
Para Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), a empreiteira está passando por um momento complicado, e é difícil prever se a situação vai afetar as obras da empresa em outros países.
"Eu acho que pode acontecer de tudo, pois estamos vivendo uma situação de grande imprevisibilidade", sublinhou Pires. "Nós torcemos para que a Odebrecht se reinvente e que não se reduza [de tamanho] de maneira muito forte, já que emprega muitos funcionários no Brasil e exterior."
Auditorias e envio de equipes ao Brasil
As autoridades do Panamá ordenaram no fim de junho uma auditoria nas obras de construção da linha um do metrô da Cidade do Panamá. A obra é executada pela Odebrecht e pela empresa espanhola Fomento de Construcciones y Contratas S/A. As duas empresas venceram também a licitação para a construção de uma segunda linha ao preço de 1,8 bilhão de dólares. Estima-se que a Odebrecht tenha cerca de 8,5 bilhões de dólares em negócios no país.
Já peritos panamenhos vão realizar uma minuciosa revisão de documentos e contas bancárias da empresa brasileira. Até o momento, não há denúncias criminais contra a empresa ou seus representantes no país. A Odebrecht construiu a rodovia Cinta Costera e estava pronta para iniciar um projeto de modernização da Ciudad de Colón, a 80 quilômetros ao norte da cidade do Panamá.
O governo do Equador realiza auditoria em contratos da Odebrecht no país. A empreiteira brasileira, de acordo com seu site, atua há 27 anos no país e executa o Aqueduto La Esperanza, com 93 quilômetros de extensão, e o Poliduto Pascuales-Cuenca, de 220 quilômetros.
O Peru vai enviar fiscais ao Brasil nos próximos dias para interrogar testemunhas do caso de corrupção e analisar de forma minuciosa os documentos reunidos pelas autoridades brasileiras. O governo em Lima analisa denúncias que surgiram sobre o pagamento de subornos por executivos de empreiteiras brasileiras, como a Odebrecht, para inflar o custo de uma rodovia que liga a Amazônia brasileira aos portos localizados na costa do Peru.
Odebrecht diz que não há risco de paralisação
A Odebrecht, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou à DW Brasil que não existe o risco de que obras da empresa no exterior sejam paralisadas. Segundo a empreiteira, em 36 anos de atuação internacional, a companhia "nunca teve qualquer condenação judicial por irregularidades em contratos em nenhum dos países onde atua".
"Todos os contratos da empresa foram fechados por meio de concorrências públicas, respeitando todas as etapas da licitação e legislações vigentes", diz a nota. "Não há nenhum tipo de sanção das autoridades à empresa e o que ocorre nos países são auditorias em algumas obras."
No caso do Panamá, a auditoria se refere à obra Linha 1 do metrô e faria parte dos procedimentos rotineiros de controle interno do Estado panamenho, realizado no final de cada obra. "A auditoria é sobre a obra e não inclui as empresas integrantes do consórcio construtor, do qual a Odebrecht faz parte", afirma o texto.
No Peru, as ações de fiscalização seriam rotineiras e permanentes, "permeando toda a execução do orçamento público, seja nos gastos diretos realizados por organismos do Estado ou através a contratação de terceiros".
No caso da Colômbia, a Odebrecht ressalta que tanto a Agência Nacional de Infraestrutura quanto o Ministério de Transportes publicaram comunicados nos quais ratificam a aplicação do princípio universal da presunção de inocência e do devido processo. "A Secretaria de Transparência da Presidência da República também se manifestou, indicando que não há razão para investigar a Odebrecht no país", conclui a nota.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.