"Nenhuma criança nasce racista", diz Jérôme Boateng
Jonathan Harding as
6 de junho de 2020
Em entrevista à DW, jogador do Bayern de Munique, diz que racismo é muito presente na Alemanha, apesar de considerar país tolerante na comparação com outros. Combate ao problema deve começar na escola, afirma.
Anúncio
O combate ao racismo deve começar cedo, ainda nas escolas, e ser uma parte importante do currículo escolar, afirmou o jogador de futebol Jérôme Boateng, do Bayern de Munique, em entrevista à DW.
"Nenhuma criança nasce racista. Isso sempre depende dos pais e daquilo que eles passam para seus filhos", afirmou o jogador, campeão do mundo em 2014.
Ele disse perceber racismo também na Alemanha, apesar de ressalvar que, "no geral, a Alemanha é um país tolerante".
Boateng nasceu e passou a infância em Berlim, morando com a mãe. O pai, natural de Gana, deixou a família quando ele tinha apenas cinco anos. Em entrevista à DW, ele fala sobre racismo e o papel de atletas famosos como ativistas.
DW: O que o senhor, como um alemão que vive na Alemanha, pensa quando vê as atuais imagens que chegam dos Estados Unidos?
Jérôme Boateng: Essas imagens me chocam. É brutal tudo isso que se vê nas redes sociais. Infelizmente os protestos estão assumindo formas complicadas. Ainda assim, o caso George Floyd joga na nossa cara como o racismo que os negros sofrem ainda é amplamente disseminado nos Estados Unidos e o papel que o racial profiling [abordagem policial com base em critérios raciais] desempenha nos EUA.
Acho tudo isso muito triste, até porque eu costumo estar com frequência nos Estados Unidos e porque gosto do país e da cultura. Mas isso não é nada de novo, é algo sempre presente. Racismo existe em todos os lugares, mas nos Estados Unidos é mesmo algo extremo.
Eu li uma boa citação sobre isso: o racismo é como uma sala escura e, de vez em quando, alguém liga a luz, e tudo se revela.
Se você para para pensar o quanto os afro-americanos fazem pela imagem e pela cultura nos Estados Unidos, tudo isso soa inexplicável para mim. Eu me refiro ao esporte, à moda e à música. Barack Obama, como presidente, também seria uma referência.
O senhor vê paralelos com a situação na Alemanha?
Racismo é, com certeza, um tema na Alemanha e muito presente. Nos últimos anos, houve atentados contra estrangeiros e pessoas de outras confissões. No geral, caminha-se para uma certa direção, e eu tenho a impressão de que já estávamos numa situação melhor.
Na minha infância, em Berlim, também tive algumas experiências com o racismo, é claro. Mas também me lembro dos tempos nas quadras de futebol em que não importava de onde se vinha ou de que religião se era. Éramos iranianos, africanos, turcos, alemães. Ninguém pensava nem falava muito sobre isso. Trata-se de convivência.
O senhor acredita que os afro-alemães na Alemanha não são muito presentes ou são pouco reconhecidos?
Pessoas com raízes africanas são subrepresentadas em alguns setores. Tem-se a impressão de que, como esportista, o reconhecimento vem mais fácil. Mas também não quero dizer que tudo é ruim. No geral, a Alemanha é um país tolerante. Eu mesmo tive muitas experiências positivas. Há muitos países na Europa onde a situação é bem pior.
Nos tempos atuais, os esportistas devem também ser ativistas?
Nossa opinião é ouvida, temos uma plataforma e alcance. Mas acho importante que tudo não ocorra apenas nas redes sociais. Ações como o "BlackOutTuesday"[ação nas redes sociais em que imagens pretas são postadas para protestar contra o racismo e a violência policial] são boas, mas o que realmente interessa é botar a mão na massa e fazer algo, seja um trabalho com crianças, seja um outro projeto de integração. Todos podem ajudar.
Muitos jogadores de futebol negros se expressaram sobre o caso George Floyd. Como os seus colegas brancos podem manifestar apoio?
Nem todo esportista branco que não fala nada neste momento é um racista. Isso é óbvio. Quando vejo vídeos de manifestações, vejo pessoas de todas as cores. Mas claro que é desejável que eles usem sua notoriedade em favor dessa questão. Muitos já fazem isso, mas creio que ainda há espaço para muito mais.
O que é necessário fazer para melhorar a situação?
Tudo começa com a educação das crianças. Isso é o mais importante. Nenhuma criança nasce racista. Isso sempre depende dos pais e daquilo que eles passam para seus filhos. É importante ensinar às crianças que o racismo não é aceitável. E se elas veem alguém sendo xingado, que o protejam e se defendam. Isso deve começar nas escolas e ser uma parte importante do currículo. Só assim podemos avançar.
O esporte mais popular do mundo comemora 150 anos de existência e, nesse espaço de tempo, teve momentos de conotação política e influência direta na humanidade, desde trégua em guerras à confraternização de etnias.
Foto: picture-alliance/dpa
A trégua de Natal
Véspera de Natal de 1914. A Europa estava em plena Primeira Guerra Mundial, mas soldados alemães e britânicos organizaram um cessar-fogo não oficial ao longo de toda a frente ocidental. O início da "Trégua de Natal" foi na região de Ypres, na Bélgica, onde as tropas adversárias decoraram as trincheiras, trocaram presentes e jogaram uma partida de futebol.
Foto: PD
O mártir do Wunderteam
No dia 3 de abril de 1938, a Alemanha enfrentou o "Wunderteam" da Áustria no famoso "Jogo da Anexação". Matthias Sindelar (esq. camisa escura) marcou um dos gols da vitória austríaca e comemorou efusivamente na frente dos políticos nazistas. Na Copa de 1938 ele se recusou a defender a Alemanha e, em janeiro de 1939, foi encontrado morto, asfixiado por monóxido de carbono na própria cama.
Foto: picture alliance/Schirner Sportfoto
A partida da morte
O FC Start é provavelmente o maior símbolo esportivo de resistência ao nazismo. Mesmo ciente das consequências, o time (de branco) se recusou a fazer a saudação nazista e ousou vencer - pela segunda vez - a Flakelf, equipe da Força Aérea alemã, no dia 9 de agosto de 1942. Pouco tempo depois, os jogadores foram levados para campos de concentração. A grande maioria morreu sob tortura.
Foto: PD
Capitalismo versus socialismo
Em plena Guerra Fria, no dia 25 de novembro de 1953, a melhor seleção da época, a Hungria, enfrentou a Inglaterra no Estádio de Wembley. O confronto tornou-se importante propaganda para as duas ideologias. Os socialistas, liderados por Ferenc Puskas (esq.), venceram os capitalistas por 6 a 3. Foi a primeira derrota inglesa em casa em 90 anos de futebol.
Foto: Getty Images
"El Clásico"
Assim como o ditador Benito Mussolini sentenciou o "Vencer ou Morrer" para a seleção italiana na Copa de 1938, o general Franco também usou o futebol para enaltecer a Espanha que dirigia. E, em oposição aos catalães, ele usou o Real Madrid como ferramenta propagandista nos anos 50 e 60, originando uma das maiores rivalidades do futebol mundial.
Foto: picture-alliance/dpa
A Guerra das Cem Horas
O futebol é uma atividade de confraternização, mas em 1969 os jogos pelas Eliminatórias entre El Salvador e Honduras transbordaram na "Guerra das Cem Horas". Obviamente as razões do conflito foram de ordem econômica e política, mas a animosidade nos jogos foi o estopim para quatro dias sangrentos com seis mil mortos. No jogo decisivo, em campo neutro, El Salvador venceu e foi à Copa de 70.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
A guerra parou para ver Pelé
Em excursão pela África em 1969, o Santos parou a Guerra de Biafra, na Nigéria. O governador da região nigeriana inclusive autorizou a liberação da ponte que ligava a cidade de Benin - local do jogo - e Sapele, para que todos pudessem ver o Rei Pelé (na foto com Eusébio). Assim que o Santos subiu no avião, a guerra recomeçou.
Foto: AP
Final de Copa perto de centro de tortura
Quando o general Jorge Videla assumiu o poder e instalou uma violenta ditadura militar, a Argentina já estava definida como anfitriã da Copa de 78. Houve diversas ameaças de boicote e protestos. Paul Breitner, campeão de 74, se recusou a ir à Argentina, e a seleção holandesa, vice-campeã, protagonizou um último gesto de repúdio ao governo militar, dando as costas a Videla .
Foto: -/AFP/Getty Images
Winnie Mandela Futebol Clube
Durante o Apartheid, o futebol era um dos principais catalisadores na luta contra a segregação racial na África do Sul. Naquele período, o clube Winnie Mandela FC (nome da mulher de Nelson Mandela) servia como refúgio para líderes políticos e sindicais perseguidos pelo regime. Com o fim do Apartheid, em 1994, a seleção sul-africana se tornou um poderoso fator de coesão nacional.
Foto: Getty Images
Drogba, o artilheiro pacificador
Já eram quase cinco anos de conflito entre os rebeldes do norte e o governo na Costa do Marfim, em 2007, quando Didier Drogba propôs que a partida contra Madagascar fosse disputada em Bouaké, a capital dos rebeldes. Armas e diferenças foram colocadas de lado para celebrar a vitória por 5 a 0, um gol para cada ano da guerra que ali cessaria.
Foto: Issouf Sanogo/AFP/Getty Images
Os eleitos de Alá contra o Grande Satã
Na Copa de 98, dois países de relação politicamente marcada pela animosidade se enfrentaram sob suspense em Lyon: Estados Unidos e Irã. Com a pregação antiamericana, os aiatolás tentaram capitalizar o confronto e o trataram como o duelo entre os "eleitos de Alá" e o "Grande Satã". Antes do jogo, porém, iranianos entregaram flores e posaram abraçados com os jogadores dos EUA.
Foto: Stu Forster/Allsport
Afeganistão recupera identidade na bola
Devido à invasão russa, a guerras civis e ao regime talibã, o futebol deixou de ser praticado no Afeganistão entre 1984 e 2002. A primeira partida oficial em território afegão ocorreu apenas no dia 20 de agosto de 2013. Três semanas depois, os afegãos conquistaram seu primeiro título internacional, a Copa da Federação do Sul da Ásia, recuperando um pouco de sua identidade.
Foto: Prakash Mathema/AFP/Getty Images
Futebol como unificador de povos
Com o colapso da Iugoslávia, cresceram as tensões étnicas na região - que o futebol, mesmo que por um instante, conseguiu apaziguar. Com a inédita classificação da Bósnia para a Copa de 2014, sérvios, croatas e muçulmanos foram às ruas festejar. Unidos.