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Desejo da forma

3 de setembro de 2010

Movimento artístico do Brasil do final dos anos 50 é tema de mostra em Berlim. Com vasta programação paralela, evento retrata um dos períodos mais férteis da cultura brasileira e mostra suas influências atuais.

'Noite', de Ferreira GullarFoto: Vicente de Mello

Uma grande exposição traz a Berlim uma retrospectiva da arte neoconcreta, estilo criado no Brasil no final da década de 50. Nesse período, o país vivia um clima de mudanças e explosão criativa; a nova capital, Brasília, começava a saltar da prancheta e a bossa nova fazia soar seus primeiros acordes.

'Relevo espacial', de Hélio Oiticica, recebe o visitanteFoto: Peter Schälchli

Sob o título O Desejo da Forma, a exposição na Akademie der Künste (Academia das Artes) de Berlim não só mostra peças que representam o movimento no campo das artes plásticas, mas tenta retratar o clima daquele momento único da sociedade e da arte brasileiras, com exemplos no campo da arquitetura, cinema, fotografia. São cerca de 180 peças, entre esculturas, pinturas, desenhos, fotos e filmes, expostos até o dia 7 de novembro em um espaço de 2 mil metros quadrados.

"A criação rica em originalidade a partir da diversidade cultural da arte brasileira, este desenvolvimento sob o título de neoconcretismo, teve ressonância no mundo todo, se está sendo trazido pela primeira vez à Europa em tamanha escala", ressaltou o presidente da Akademie de Künste, Klaus Staek, em seu discurso na cerimônia de inauguração, que contou com a presença do ministro alemão da Cultura, Bernd Neumann.

Contribuições que persistem

"Com essa exposição, somos lembrados mais uma vez, aqui na Alemanha, como o Brasil se tornou um pioneiro mundial da modernidade, com grandes contribuições nas áreas de artes plásticas, cinema e arquitetura, as quais ainda persistem até hoje", declarou Neumann.

Logo no início da mostra, o visitante é recebido por um Relevo espacial, de Hélio Oiticica, ícone do neoconcretismo e um dos mais importantes artistas brasileiros do século passado. A construção de madeira, pintada de amarelo vivo, flutua pendurada no teto do salão. Com a peça, parte uma famosa série geométrica do artista, o neoconcretista libera a cor no espaço tridimensional, dando um toque de sensualidade carioca ao racionalismo puro pregado pelo concretismo paulista.

Além de Oiticica, trabalhos de outros nomes de destaque do movimento dão um panorama da grande força inventiva daquela época. Entre eles estão Lygia Clark, Lygia Pape, Ivan Serpa, Aluísio Carvão, Amílcar de Castro e Willys de Castro, além do poeta Ferreira Gullar, representado pelo trabalho Noite, composto de dois discos de madeira azul com o título da obra incrustado em uma delas, em letras diminutas.

Mostra berlinense limita interação

'Bicho', de Lygia Clark, não pode ser manuseadoFoto: Jaime Acioli

O neoconcretismo, diferente do concretismo, provoca uma interação da arte com o espectador. Essa característica do estilo, entretanto, é deixada um pouco de lado pela mostra berlinense. O caráter já histórico das peças faz com que o público tenha que abrir mão de uma essência neoconcreta, representada pela relação corporal com a arte, através da manipulação dos objetos expostos. Assim, o evento de Berlim não dá espaço para os visitantes manusearem formas como o Bicho, pequena escultura geométrica de alumínio concebida por Lygia Clark.

"No neoconcretismo, o expectador é convidado a interagir com as obras, a ter uma relação que não é meramente contemplativa e visual, mas uma relação em que o corpo se expressa nesta experiência da obra, interagindo com essa experiência", explica o crítico de arte brasileiro Luiz Camillo Osório, um dos curadores da exposição. "Mas aqui não é possível mexer, porque as peças viraram acervo histórico, museológico", ressalva.

Outros representantes das influências neoconcretistas vistas em outras áreas de expressão também estão presentes na exibição. No campo da arquitetura e paisagismo, o evento inclui trabalhos do paisagista Roberto Burle Marx e do urbanista Lúcio Costa, importantes participantes da criação de Brasília; além de desenhos originais de Oscar Niemeyer, em que o arquiteto reflete sobre as formas utilizadas na construção da nova capital, linhas e curvas que não só marcaram uma época, mas impregnaram a arquitetura moderna e alimentam de inspiração as gerações seguintes.

Perfis de Brasília e resquícios atuais

Instalação 'Verso', de Carla Guagliardi, da nova geraçãoFoto: Vicente de Mello

Fotografias em preto e branco de Marcel Gautherot e documentários de Vladimir Carvalho, Fabiano Maciel e Joaquim Pedro de Andrade enriquecem o evento, com imagens que filmes e vídeos retratando Brasília como uma grande obra artística e o símbolo de um futuro que se tornou realidade. O evento é acompanhado também de uma ampla programação paralela incluindo palestras, leituras, oficinas, debates e projeções de cinema.

O Desejo da Forma traz ainda a Berlim trabalhos de artistas brasileiros atuais que se inspiram e dialogam com o neoconcretismo e não deixam a mensagem lançada nos anos 50 e 60 perder o frescor. Peças de nomes como Waltercio Caldas, Iole de Freitas, Carlos Bevilacqua, Carla Guagliardi, Cao Guimarães e Pablo Lobato mostram que o desejo da forma ainda continua pulsante.

Autor: Marcio Damasceno
Revisão: Augusto Valente

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