Estados Unidos, Alemanha e União Europeia se empenham pela coexistência de um Estado palestino e de Israel, mas Netanyahu rejeita categoricamente a ideia. Ela ainda é realista?
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O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, recentemente afrontou os seus aliados internacionais mais próximos ao rejeitar categoricamente a solução de dois Estados, ou seja, a ideia de um Estado palestino independente e democrático ao lado do Estado israelense.
"Não vou fazer concessões quando se trata do controle total da segurança israelense sobre toda a área a oeste do rio Jordão – e isso está em contradição com um Estado palestino", escreveu Netanyahu na rede social X. O mesmo ele disse ao presidente dos EUA, Joe Biden, num telefonema.
Só que a solução de dois Estados é exatamente o que Estados Unidos, Alemanha e União Europeia (UE) defendem e no que baseiam todos os seus esforços de paz para a região.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que Israel nunca terá "segurança genuína" sem um roteiro para um Estado palestino. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, Blinken disse que a solução de dois Estados é a melhor maneira de proteger Israel.
E ambos estão corretos em reafirmar essa relação, diz o especialista em Oriente Médio Hans-Jakob Schindler, da organização internacional Counter Extremism Project.
Os planos israelenses de repovoamento na Faixa de Gaza, tal como apresentados por dois ministros de extrema direita do gabinete de Netanyahu, seriam "a melhor receita para garantir que o extremismo islâmico se ancore firmemente entre os palestinos em Gaza e provavelmente mais além". O governo alemão rejeitou esses planos, que chamou de totalmente inaceitáveis.
Embora a Autoridade Palestina, sob a liderança de Mahmoud Abbas, apoie a solução de dois Estados, o Hamas a rejeita, bem como o próprio reconhecimento de Israel.
Segundo o ex-presidente do Hamas Khaled Mashaal, o massacre de 7 de outubro, com cerca de 1.200 mortes, foi apenas uma amostra: aquele dia mostrou que o "sonho" de um Estado próprio "do rio ao mar" é realista.
A expressão "do rio ao mar" se refere ao território do rio Jordão ao Mar Mediterrâneo, implicando que Israel deveria desaparecer como Estado.
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A solução de dois Estados ainda é possível?
Resta a questão do quão realista ainda é a solução de dois Estados. Ela certamente se torna mais difícil de ser implementada se tanto o governo de Netanyahu como o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, a rejeitam.
A divisão entre os palestinos, que os governos de Netanyahu estimularam, sempre foi um empecilho. Como criar um Estado palestino se Hamas e a Autoridade Palestina, que governa de forma limitada os territórios na Cisjordânia, têm posições tão antagônicas? E quem seria o representante dos palestinos, se Hamas e Autoridade Palestina não se entendem?
Negociações anteriores fracassaram em muitos outros pontos, como: a fronteira exata entre Israel e um Estado palestino, a união dos territórios palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, os assentamentos israelenses na Cisjordânia, o regresso dos milhões de refugiados palestinos, o status de Jerusalém.
O parlamento israelense declarou "Jerusalém completa e unida" a capital de Israel em 1980. Mas Jerusalém Oriental, que pelo Direito internacional faz parte dos territórios palestinos, é reivindicada pelos palestinos como sua capital.
Os países árabes, que claramente apoiam uma solução de dois Estados, há muito tempo deixaram essa questão cair na sua lista de prioridades em detrimento de outras, como a ameaça representada pelo Irã.
O diplomata egípcio Mohammed el-Baradei, antigo chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), acusou o Ocidente de hipocrisia. "Os mesmos políticos que agora defendem uma solução de dois Estados ficavam em silêncio quando Israel tomava a maior parte do território destinado a um Estado palestino", escreveu no Journal ofInternational Politics and Society.
Analistas dizem que, se os Estados Unidos quiserem ir além da retórica, terão de dedicar mais recursos para capacitar os palestinos. "Costumávamos fazer isso na década de 1990. E então, depois dos esforços de paz terem falhado em 2015 sob a administração de Barack Obama, os EUA em essência se afastaram unilateralmente e depois, sob a administração de Donald Trump, deixaram de apoiar a Autoridade Palestina. E a equipe de Joe Biden assumiu em 2021 e não fez realmente do Oriente Médio, muito menos da questão palestina, uma prioridade", afirmou o especialista Brian Katulis, do Middle East Institute, em entrevista à emissora americana NPR.
Katulis afirmou que, para se tornar realidade, a solução de dois Estados exige um engajamento profundo dos Estados Unidos na região, pois há inimigos dessa ideia que estão dispostos a lutar até a morte para que ela não se concretize. "Eles existem em Teerã. Eles existem em partes de Gaza. E estão também dentro do sistema político de Israel."
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.