Unidade Netzah Yehuda é acusada de violar direitos humanos de palestinos na Cisjordânia. Seria a primeira punição da história do governo americano a uma unidade das Forças de Defesa de Israel.
Anúncio
Um batalhão das Forças de Defesa de Israel (FDI) pode ser alvo, pela primeira vez na história, de sanções dos Estados Unidos. Segundo noticiado pela imprensa internacional, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, deve anunciar a medida nos próximos dias.
A unidade Netzah Yehuda (Judeia para Sempre, em tradução livre) é suspeita de violar direitos humanos de civis palestinos na Cisjordânia.
Segundo informações da agência de notícias AP, outros quatro batalhões estão sob investigação dos americanos pelo mesmo motivo.
Com as sanções, o Netzah Yehuda, também conhecido como Nahal Haredi, ficaria proibido de receber ajuda militar dos EUA e teria acesso reduzido à formação militar bancada pelos americanos.
O governo israelense anunciou que tomará providências contra as sanções, se elas de fato vierem.
Quem são os soldados do Netzah Yehuda
O batalhão foi criado em 1999 como unidade militar especial para judeus ultraortodoxos, os Haredim. Diferentemente de outros grupos em Israel, eles são isentos do serviço militar obrigatório por razões religiosas – uma medida considerada discriminatória pelo Supremo Tribunal de Israel, e contra a qual a sociedade israelense cada vez mais tem se insurgido. Mas o Knesset, Parlamento israelense, tem ignorado o assunto até agora.
No Netzah Yehuda, os soldados têm tempo para orações e estudos religiosos, recebem comida kosher – isto é, comida preparada segundo as leis judaicas de alimentação – e têm menor contato com soldadas mulheres.
A unidade faz parte da brigada de infantaria Kfir, que tem cerca de mil homens. O batalhão, porém, não é amplamente aceito entre os ultraortodoxos, que rejeitam a obrigatoriedade do serviço militar.
Elos com a ultradireita
O Netzah Yehuda abriga em suas fileiras tanto israelenses ultraortodoxos quanto religiosos nacionalistas – alguns deles são colonos radicais que vivem na Cisjordânia ocupada, ligados aos partidos de dois líderes da ultradireita com altos cargos no governo de Benjamin Netanyahu: os ministros Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional).
Ainda segundo o portal de notícias americano Axios, o batalhão também tem recebido cada vez mais apoiadores da Hilltop Youth (Juventude do Topo da Colina, em tradução livre), espécie de ala jovem dos colonos de tendência radical e violenta, e que foi sancionada na semana passada pela União Europeia por causa de ataques a palestinos.
Originalmente, o Netzah Yehuda estava estacionado na Cisjordânia, mas foi transferido para o norte de Israel no final de 2022 e tem atuado também dentro da Faixa de Gaza desde o início da guerra.
Anúncio
As acusações contra o Netzah Yehuda
Segundo o jornal israelense Times of Israel, o batalhão é suspeito de extremismo e de praticar atos de violência contra palestinos. O próprio governo americano já estaria monitorando a unidade desde 2022 pelo mesmo motivo, conforme o portal de notícias Axios.
Uma das denúncias contra o grupo publicada pela imprensa é o caso de um idoso de 78 anos que teria morrido em decorrência de um infarto sofrido após o grupo tê-lo amordaçado e algemado por horas. As FDI se referiram ao caso na época como "falha moral", atribuindo-o a uma decisão ruim dos soldados, e reagiram destituindo dois oficiais de seus cargos e advertindo um terceiro. Ninguém, porém, foi responsabilizado criminalmente pelo episódio.
O caso recebeu especial destaque na imprensa porque, além de idosa, a vítima tinha dupla cidadania e a diplomacia americana pressionou por uma investigação.
Ativistas dos direitos humanos, porém, citam outros casos de maus-tratos e tortura contra palestinos.
Como Israel reagiu
O governo israelense reagiu com indignação às notícias de um possível sancionamento de um dos batalhões das FDI. "Eu defenderei firmemente as FDI, nosso Exército e nossos combatentes. Se alguém pensa que pode impor sanções a uma unidade das FDI – eu vou lutar contra isso com todos os meus poderes", afirmou na noite de domingo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu via X (antigo Twitter). "Em uma época em que nossos soldados combatem o monstro do terror, a pretensão de sancionar uma unidade das FDI é o cúmulo do absurdo e um ponto moral baixo."
As FDI, por sua vez, disseram desconhecer quaisquer sanções contra suas unidades. "Se uma decisão nesse sentido for tomada, iremos analisá-la."
Na segunda-feira (22/04), veículos israelenses noticiaram uma visita do ministro da Defesa Yoav Gallant às tropas do Netzah Yehuda. "Ninguém no mundo pode nos ensinar sobre moral e valores", disse Gallant aos soldados. "O aparato de segurança apoia vocês."
As sanções contra militares seriam uma medida excepcional e inédita. Os Estados Unidos já impuseram, porém, sanções a outros grupos no país: colonos extremistas, duas organizações que os financiam e um aliado do ministro Ben-Gvir, Ben-Zion Gopstein. As sanções levaram ao congelamento de bens alocados nos Estados Unidos, e impedem empresas e pessoas no país de fazerem negócios com os sancionados.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.