Neurose da segurança abafa clima olímpico
27 de agosto de 2004"À noite, quando as luzes se acendem nos estádios e ao redor deles em Atenas, todos parecem presos – atletas, juízes e espectadores. Uma verdadeira floresta de postes de luz cobre o complexo olímpico Helênico, cercado e vigiado por todos os lados. Vêem-se soldados armados com metralhadoras, viaturas policiais fazendo patrulhamento, um zepelim com potentes câmeras no céu. Nas arenas do Helênico, joga-se basquete, basebol, sofbol, hóquei. Tem-se a impressão de que o esporte é praticado numa prisão de segurança máxima."
É assim que a revista alemã Der Spiegel descreve em sua versão online o esquema de segurança montado na capital grega, que aparentemente freia o clima solto e alegre conhecido de outras Olimpíadas. "Tudo parece estar sob controle. Este é o slogan da 28ª Olimpíada dos tempos modernos. Reina segurança e limpeza. Quem tenta escapar ao controle, é castigado, como os atletas gregos Konstantinos Kenteris e Ekaterini Thanou, que fugiram de um teste antidoping. O mundo está em ordem por 16 dias. Esta é a ilusão", continua a revista.
Na avaliação do jornalista Dirk Kurbjuweit, "a maldição do terrorismo e a maldição do doping encontram-se em Atenas. Elas transformaram as Olimpíadas num evento, no qual é preciso provar que o fanatismo do século 21 pode ser dominado. Por isso, tornaram-se jogos do controle. Deseja-se a limitação do indomável combinado com o máximo de júbilo do público. Mas isso é impossível".
Retórica de fanáticos
Kurbjuweit compara o fanatismo de certos atletas com o fanatismo dos terroristas islâmicos. Em entrevista numa clínica de Atenas ao jornal grego Goal News, Kenteris teria dito: "Acredito e espero, por Deus, que a verdade vença. Para a minha defesa, darei minha última gota de sangue". É a mesma retórica usada por fanáticos em todo o mundo.
A Grécia parece ter sido seduzida pelo "fanático" Kenteris. Só assim se explicam as longas vaias do público grego aos atletas norte-americanos na final da corrida dos 200 m, em que Kenteris era favorito, mas não largou, porque se esconde do controle antidoping. Antes da Olimpíada já haviam indícios de que ele usava substâncias proibidas, mas as denúncias foram ignoradas pelas autoridades gregas. "A Grécia é um país pequeno com grande passado, que sempre precisa comprovar a sobrevivência da tradição num estado moderno. E Kenteris, com seu sucesso numa modalidade clássica do esporte, era uma dessas provas", explica Georgios Lianis, ex-ministro dos Esportes.
A desmontagem do mito Kenteris nos "jogos do controle", porém, não explica as imagens de arquibancadas vazias que têm marcado a Olimpíada de Atenas. Diz-se que os gregos não estariam dispostos a interromper suas férias de verão para ir aos estádios.
Filme vindo do futuro
Os espectadores e jornalistas em Atenas são obrigados a contornar infindáveis cercas de arame farpado. Até as principais ruas são vigiadas por câmeras de vídeo, que procuram um outro tipo de fanático – o terrorista, este disposto a dar sua uma última gota de sangue para defender seus valores contra os EUA e a cultura de consumo ocidental, na qual Kenteris quis ser ator. Assim, os dois fanatismos se encontram (um como triste realidade do doping no esporte, ou outro como ameaça) e prejudicam o clima olímpico. Mas é, sobretudo, por causa do medo diante do terrorismo muçulmano que os centros esportivos têm a aparência de prisões.
Na opinião de Kurbjuweit, em consequência do 11 de setembro e da guerra no Iraque, Atenas virou laboratório de um novo mundo. "O que os gregos e o público dos Jogos Olímpicos experimentam pode virar cotidiano no futuro: a vida na prisão de segurança máxima, a submissão à vigilância e ao controle por medo do fanatismo muçulmano. A Olimpíada, às vezes, dá a impressão de ser um filme que vem do futuro, para que já se possa ter uma idéia do amanhã", conclui.