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"Neutralidade climática até 2050 é uma ilusão"

Thomas Kohlmann fc
8 de fevereiro de 2020

Segundo Eric Heymann, do Deutsche Bank, prosperidade envolve emissões de CO2, e a neutralidade desejada pela UE só será atingida com mudança de hábitos, "o que seria difícil de alcançar em democracias".

Usinas a carvão que produzem energia elétrica são vistas de Colônia, Alemanha
Alemanha ainda depende em 80% de energia gerada por carvãoFoto: Imago-Images/Action Pictures/P. Schatz

A prosperidade material de um país ainda está intimamente relacionada a seu consumo de energia. E, como cerca de 80% do fornecimento global de energia ainda se baseia em combustíveis fósseis, um alto nível de prosperidade, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), tende a ser associado ao alto consumo de energia per capita.

E essa situação continuará assim, explicou Eric Heymann, analista do Deutsche Bank para indústria, política climática e tráfego, em entrevista à DW. Ele é autor do estudo Reiches Land – hoher CO2-Ausstoss (País rico – alta emissão de CO2), que analisou os países do G20, em especial os Estados Unidos.

Ele frisa que, na situação atual, a neutralidade climática, como almeja a União Europeia até 2050, só poderá ser alcançada se houver uma mudança maciça nos hábitos de produção e consumo: "E isso seria difícil de alcançar politicamente nas democracias. Como podemos ver neste momento, estamos apenas no início do debate sobre os custos da proteção climática, e ele já está sendo explorado por certas forças políticas."

DW: Por que a prosperidade ainda está tão intimamente ligada às emissões de dióxido de carbono de um país?

Eric Heymann é analista do Deutsche Bank para indústria, política climática e tráfegoFoto: Deutsche Bank

Eric Heymann: Via de regra, prosperidade implica consumirmos relativamente muita energia. E, em nível global, cerca de 80% do consumo de energia ainda é baseado em combustíveis fósseis. Nesse sentido, existe uma conexão direta entre o nível de prosperidade e as emissões de CO2.

Quais países foram focados em seu estudo?

Nós analisamos os países do G20 como um todo para determinar essa conexão e, nesse grupo, nós nos concentramos em alguns países como os Estados Unidos, a nação com o nível de bem-estar mais alto. Lá também as emissões estão acima da média. É verdade que os EUA fizeram progressos nos últimos anos, por exemplo, através de jazidas de gás não convencionais, como o gás de xisto, e a frota de veículos no país se tornou mais eficiente ao longo dos anos.

Ainda assim, os EUA ainda são uma economia com alta emissão CO2: os carros nas ruas ainda consomem mais combustível do que na Europa, e há uma atitude diferente em relação às viagens aéreas, já que voar lá é muito mais parte do dia a dia do que em outros países. Dessa forma, a participação relativamente pequena da indústria transformadora, de pouco mais de 10% no Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA, não é tão significativa nas emissões de CO2. Porém, isso é mais do que compensado devido ao alto consumo diário.

O senhor acaba de mencionar a participação da indústria que ainda é muito alta num país como Alemanha. O que isso significa para as emissões de CO2?

Talvez possamos fazer uma comparação direta com França ou Reino Unido. Na Alemanha, a participação da indústria transformadora no valor agregado bruto total ainda é superior a 21%. Na França e Reino Unido, ela é de apenas 10%, e essa é uma das razões por que temos emissões per capita significativamente mais altas na Alemanha do que no Reino Unido ou França. Mas essa é apenas uma razão.

Devido à alta participação da indústria na economia alemã, temos também um volume relativamente alto de tráfego de mercadorias. Ao contrário de França ou Reino Unido, temos uma estrutura econômica muito policêntrica: as indústrias não estão concentradas numa região, como Paris ou Londres, mas espalhadas por todo o país. Por causa da nossa própria fragmentação da indústria, temos um volume de tráfego muito grande. E – parece relativamente banal – uma necessidade de calefação maior do que nos países do sul da Europa.

Esses são fatores que implicam termos emissões de CO2 per capita elevadas. Além disso, o lignito, uma fonte de eletricidade com grande emissão de CO2, desempenha ainda um papel importante no setor elétrico alemão.

Indústria alemã muito fragmentada gera volume maior de tráfego nas rodovias do paísFoto: picture-alliance/AP Photo/M. Probst

A Alemanha não é o único país com uma participação industrial elevada: isso também se aplica à China. Qual é a situação nesse país asiático?

A China registrou um forte crescimento das emissões per capita nos últimos anos. Isso se deve ao fato de o país ter se industrializado fortemente. Uma guinada importante foi a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), no fim de 2001. Desde então, aumentou acentuadamente o consumo de energia, e portanto das emissões de CO2, mas também a integração do país na cadeia de valor global.

Na China o carvão ainda tem uma participação elevada no consumo primário de energia. As energias renováveis também cresceram fortemente na China nos últimos anos, mas o carvão ainda domina. E devido a suas elevadas exportações, a China, em certo sentido, também exporta CO2 para outros países onde seus produtos são consumidos. As emissões per capita chinesas estão aproximadamente entre as da Alemanha e do Reino Unido. O país alcançou as emissões per capita dos países industrializados ocidentais, portanto a previsão é relativamente clara: ele continuará crescendo e, com isso, o consumo de energia.

Por mais negativa que essa mensagem seja para o clima, a China terá provavelmente que continuar dependendo do carvão. Pois somente com a expansão das energias renováveis, que progride fortemente no país, não será possível satisfazer a demanda energética.

Até que ponto é realista esperar que países mais desenvolvidos, como Alemanha ou EUA, possam compensar as emissões adicionais de CO2 da China e Índia, decorrentes da prosperidade crescente?

No Acordo de Paris, a China prometeu que suas emissões de CO2 iam atingir o pico por volta de 2030. Parece que ela conseguirá, pois ainda há um potencial relativamente grande de eficiência energética com a substituição de centrais ineficientes por outras melhores, mais eficientes.

Nesse aspecto a China já está relativamente avançada e atingiu um nível em que se pode argumentar que as emissões não precisarão aumentar por muito mais tempo, enquanto muitos outros países – onde a população é, em média, mais pobre – ainda têm que recuperar seu atraso. E onde grande parte do fornecimento de energia ainda provém de combustíveis fósseis, isso resulta em as emissões de CO2 seguirem crescendo, em nível global. É o que dizem as previsões da Agência Internacional de Energia (AIE).

As emissões de CO2, porém, não aumentarão mais tão acentuadamente quanto nos anos 2000 ou nos últimos 30 a 40 anos. O aumento é desacelerado devido ao avanço técnico, por uma maior eficiência e também por energias renováveis. Mas teremos que estar preparados para as emissões de CO2 continuarem aumentando, por enquanto.

A dependência mundial de combustíveis fósseis, de 80%, ainda é imensa. Mesmo na Alemanha, onde trabalhamos há 20 anos na transição energética, temos ainda uma dependência de combustíveis fósseis de quase 80% quando se trata de consumo primário de energia.

A respeito de neutralidade climática: quão realista é o objetivo da nova Comissão Europeia, sob a presidência de Ursula von der Leyen, de que a Europa atinja a neutralidade climática até 2050?

Na situação atual, a neutralidade climática não é possível sem uma mudança maciça nos hábitos de produção e consumo. E isso seria difícil de alcançar politicamente nas democracias. Como podemos ver neste momento, estamos apenas no início do debate sobre os custos da proteção climática, e ele já está sendo instrumentalizado por certas forças políticas. Nesse sentido, com as tecnologias disponíveis hoje e o atual nível de consumo, a neutralidade climática é uma ilusão.

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