1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
Leis e JustiçaNicarágua

Nicarágua cancela registros de mais 96 ONGs

2 de junho de 2022

Governo alega que entidades não se cadastraram como "agentes estrangeiros", como prevê a lei. Desde 2018, autoritário presidente Daniel Ortega tornou ilegais 440 organizações civis sem fins lucrativos.

Ortega com a faixa presidencial ao lado da esposa
Ortega está em seu quarto mandato consecutivo, o segundo tendo a esposa como vice-presidenteFoto: Xin Yuewei/picture alliance

A Assembleia Nacional da Nicarágua, de maioria governista, cancelou nesta quinta-feira (02/06) os registros de 96 ONGs do país por não serem cadastradas como "agentes estrangeiros", aumentando para 179 as organizações civis sem fins lucrativos tornadas ilegais nos últimos três dias e para 440 desde 2018.

O Parlamento avaliou o registro das ONGs após pedido apresentado pelo governo do autoritário presidente Daniel Ortega. A medida foi aprovada em caráter de urgência com o voto de 75 deputados sandinistas e aliados. Outros 16  parlamentares se abstiveram.

Entre as organizações afetadas está a Fundação Centro de Estudos Internacionais (CEI), que foi dirigida por Zoilamérica Ortega Murillo, enteada do presidente nicaraguense, que o denunciou por abusos sexuais em 1998.

Na lista também está o Instituto Nicaraguense de Desenvolvimento (INDE), braço social do Conselho Superior da Empresa Privada (Cosep), principal órgão patronal do país.

Outra ONG tornada ilegal foi a Federação de Associações Profissionais da Nicarágua (Conapro), também vinculada ao Cosep, que antes da crise de abril de 2018 manteve diálogo com Ortega, que está no poder desde 2007.

A Academia Nicaraguense de Letras, fundada em 1928 e que incluía escritores da oposição como Gioconda Belli e Sergio Ramirez, também foi tornada ilegal.

Em um relatório, o Ministério de Governança argumentou que as ONGs não se inscreveram "no registro de agentes estrangeiros", como estavam obrigadas diante da legislação local, aprovada pelo Parlamento após as manifestações de 2018.

Além disso, as entidades violaram, segundo a pasta, a Lei Geral de Regulação e Controle de Organizações Sem Fins Lucrativos, que está em vigor desde o último dia 6, assim como a Lei Contra a Lavagem de Ativos.

Governo autoritário

O autoritário governo de Ortega mira em uma série de organizações não governamentais que vê como oposição. O presidente afirmou que grupos que recebem financiamento do exterior faziam parte de uma conspiração mais ampla para removê-lo do cargo em 2018.

Desde a reeleição de Ortega para oquarto mandato consecutivo em 7 de novembro, juízes condenaram líderes da oposição, incluindo ex-sandinistas de alto nível e ex-candidatos à presidência, a penas de prisão por "conspiração para minar a integridade nacional".

Milhares fugiram para o exílio desde que as forças de segurança da Nicarágua reprimiram violentamente os protestos contra o governo em 2018. Ortega diz que os protestos foram na verdade uma tentativa de golpe com apoio estrangeiro, visando sua derrubada e incentivando nações estrangeiras a aplicar sanções a membros de sua família e governo.

Fora da Cúpula das Américas

Por seu governo autoritário, a Nicarágua não foi convidada pelos Estados Unidos para participar da Cúpula das Américas, na semana que vem. A oposicionista Unidade Nacional Azul e Branco da Nicarágua, no entanto, anunciou nesta quinta-feira que participará do evento em Los Angeles – não de forma oficial, mas com representações.

"Vários membros da Unidade Nacional Azul e Branca estarão lá, mas também de outras organizações, da diáspora e exilados. Não é uma delegação oficial, mas haverá pessoas participando de vários fóruns", disse um porta-voz da organização.

Funcionários da Casa Branca confirmaram na semana passada que Nicarágua e Venezuela não seriam convidadas para a cúpula porque os EUA não consideram os dois países democráticos, enquanto Washington ainda não esclareceu se finalmente convidará Cuba. Em reação, o México disse que boicotaria o evento caso Washington não mudasse de ideia.

Em maio, o governo de Joe Biden informou estar "avaliando opções sobre como incorporar melhor as vozes dos povos cubano, venezuelano e nicaraguense" ao evento continental.

A Unidade Nacional disse que pretende difundir no evento duas mensagens principais: a libertação de presos políticos, estimados em pelo menos 181, e o fim da repressão, que deixou centenas de presos desde 2018, além de assassinados e desaparecidos.

"O drama na Nicarágua atingiu proporções nunca vistas antes na história nacional ou no continente, e requer a devida atenção e ação da comunidade dos países americanos", destacou a Unidade Nacional no comunicado.

Crise política

A Nicarágua vive quatro anos de uma crise sociopolítica que, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), deixou pelo menos 355 mortos, dos quais Ortega reconhece 200, e levou mais de 100 mil nicaraguenses ao exílio, além do fechamento da maior parte da imprensa independente.

A crise na Nicarágua se acentuou nas eleições de novembro de 2021, quando Ortega foi reeleito para um quinto mandato, o quarto consecutivo e o segundo tendo sua esposa, Rosario Murillo, como vice-presidente. Sete eventuais adversários que poderiam ter representado um sério desafio à reeleição de Ortega foram presos, juntamente com 32 opositores, após uma onda de repressão iniciada pelo governo em junho contra a oposição. Ortega concorreu contra cinco outros candidatos que críticos chamaram de fantoches do regime. 

Quando Ortega foi novamente eleito, em novembro, o presidente dos EUA, Joe Biden, havia chamado o pleito de "farsa". Na ocasião, as eleições na Nicarágua foram duramente criticadas pela comunidade internacional, inclusive pela União Europeia e por grupos internacionais de defesa dos direitos humanos, que descreveram o pleito como uma votação de fachada.

No dia da eleição, observadores da UE e da Organização dos Estados Americanos (OEA) foram proibidos de acompanhar o processo eleitoral. Jornalistas estrangeiros também não puderam entrar na Nicarágua.

Ortega, que está no poder desde janeiro de 2007, foi empossado em janeiro para governar até 2027. O ex-guerrilheiro sandinista de 76 anos, que governa a Nicarágua sem contrapesos desde 2012, completa 15 anos consecutivos no poder, depois de liderar uma junta governamental de 1979 a 1985 e de presidir pela primeira vez o país de 1985 a 1990.

le (AP, EFE, ots)

Pular a seção Mais sobre este assunto