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Nicarágua, um ano de crise

Gabriela Selser av
17 de abril de 2019

Há um ano começaram as manifestações pela renúncia do presidente Daniel Ortega, que foram duramente reprimidas pelo governo, colocando o país na sua maior crise em décadas.

Manifestante protesta contra governo nicaraguense
Manifestante protesta contra governo nicaraguenseFoto: Getty Images/AFP/I. Ocon

Afundado na incerteza, com controle governamental férreo sobre oposição e imprensa, centenas de presos e milhares de exilados, a Nicarágua atravessa sua pior crise política em quatro décadas, sem que se aviste uma solução para o conflito.

A repressão do governo aos protestos sociais desencadeados em 18 de abril de 2018 resultou, no mínimo, em 325 mortos, 2 mil feridos, centenas de detidos e cerca de 60 mil exilados, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Meses atrás, seu secretário executivo, o brasileiro Paulo Abrão, advertira contra a implantação de um Estado policial.

A seguir, a cronologia da crise no país da América Central:

18 de abril: Cerca de 60 manifestantes contrários a uma polêmica reforma da seguridade social são atacados por ativistas do governo em Manágua. Incidentes semelhantes ocorrem em León (oeste) e Matagalpa (norte). No dia seguinte, a polícia dissolve diversos protestos universitários com disparos, deixando um saldo de três jovens mortos e 37 feridos.

22 e 24 de abril: Milhares de opositores marcham pacificamente em Manágua para exigir a renúncia do presidente Daniel Ortega, no poder desde 2007. Membros da Conferência Episcopal se oferecem como "mediadores e testemunhas" num diálogo nacional.

16 de maio: Instala-se o diálogo entre o governo e a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia, um grupo de organizações e cidadãos, cujos delegados instam Ortega a cessar a repressão e deixar o poder. O governo denuncia a "tentativa de um golpe de Estado" financiado a partir do exterior, enquanto a Anistia Internacional o acusa de "exercer uma política repressiva letal".

30 de maio: Policiais e paramilitares disparam contra uma passeata de centenas de milhares em Manágua. Investidas semelhantes ocorrem em outras cidades, com saldo de 16 mortos e dezenas de feridos. O presidente anuncia que não deixará o poder.

4 e 5 de junho: Manifestantes erguem barricadas e tranques ("represas") em cidades e autoestradas do interior. Em Masaya, uma ofensiva governamental mata dez manifestantes e fere dezenas, enquanto na turística Granada se registram saques, incêndios e ataques a oposicionistas.

12 de junho: A Aliança Cívica convoca a primeira de quatro greves nacionais. Dias depois, Ortega autoriza o ingresso de missões da CIDH, do Alto Comissariado das Nações Unidas pelos Direitos Humanos (ACNUDH) e da União Europeia.

5 de julho: Os Estados Unidos impõem sanções a três funcionários leais a Ortega por corrupção e violação dos direitos humanos: Francisco López, diretor da petroleira estatal, Fidel Moreno, secretário da prefeitura de Manágua, e Francisco Díaz, subdiretor da polícia, a quem o presidente imediatamente premia com o cargo máximo da instituição.

13 de julho: Paramilitares e policiais disparam contra universitários refugiados numa igreja da capital, deixando dois mortos e 16 feridos. O governo recupera o controle de Masaya, principal bastião da resistência cívica.

2 de agosto: O Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) forma um "grupo de trabalho" para facilitar uma saída pacífica, mas o governo anuncia que não permitirá seu ingresso no país. Em 31 de agosto o Ministério do Exterior expulsa a missão da ACNUDH, tachada por Ortega de "instrumento de morte, terror e mentira".

28 de setembro: A polícia da Nicarágua proíbe todos os protestos de oposição, embora a Constituição garanta a liberdade de reunião, manifestação e mobilização pacífica.

4 de outubro: Nasce a coalizão Unidade Nacional Azul e Branco (Unab), formada pela Aliança Cívica e outras 42 entidades sociais e políticas. Em 14 de outubro, a polícia impede uma passeata da Unab em Manágua e prende 38 oposicionistas.

18 de outubro: O governo anuncia uma lei de "reconciliação e paz" para "promover, desde a escola, a família e a comunidade, valores e práticas de respeito, solidariedade, diálogo, encontro e convivência harmoniosa".

11 de dezembro: O Congresso dos EUA aprova a lei "Magnitsky Nica Act", estabelecendo sanções para funcionários e familiares de Ortega implicados em corrupção e violações dos direitos humanos, além de obrigar a Casa Branca a vetar os empréstimos multilaterais para Manágua.

19 de dezembro: O governo expulsa a missão de monitoramento da CIDH em Nicarágua, assim como o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Internacionais (Giei). A secretaria-geral da OEA protesta energicamente.

21 de dezembro: A polícia prende os jornalistas Miguel Mora e Lucía Pineda Ubau, e ocupa seu canal, o 100% Noticias. Também confisca três veículos de imprensa dirigidos pelo jornalista Carlos Fernando Chamorro, posteriormente obrigado a exilar-se. O governo declara ilegais nove ONGs, acusando-as de "servir aos planos terroristas".

29 de janeiro de 2019: A Internacional Socialista expulsa de seus quadros a Frente Sandinista de Liberação Nacional (FSLN). "O socialismo não é compatível com a tirania", anuncia o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).

27 de fevereiro: Instala-se um segundo diálogo entre o governo e a Aliança Cívica, para negociar quatro pontos: liberdade definitiva para os "presos políticos"; fortalecimento (restituição) das liberdades individuais; reforma eleitoral; e plano de justiça para as vítimas da repressão. Em seguida, o governo coloca cem presos de consciência sob prisão domiciliar. Desde então, 248 foram libertados e estão em liberdade condicional.

1º de março: Entra em vigor uma reforma tributária aprovada pelo Parlamento, de maioria oficialista, em seguida a uma impopular reforma da seguridade social aprovada em fevereiro. A iniciativa privada adverte que ambas as medidas provocarão o colapso da economia, a qual apresenta perdas de mais de 1,6 bilhão de dólares e queda de 3,8%.

3 de abril: Conclui-se a negociação entre governo e oposição, sem chegar a acordos nos temas eleições e justiça. É apenas acordada a liberação de presos (770, segundo a Aliança Cívica), sob supervisão do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e num prazo máximo de 90 dias. Embora se tenha concordado quanto ao restabelecimento do direto a manifestações políticas de oposição, a polícia segue mantendo a proibição.

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